Órgão de fiscalização é técnico, não é político.
Embora tenha incorporado bons quadros técnicos ao longo dos anos, e os remunerado muito bem, o Tribunal de Contas da União (TCU) jamais se livrou do estigma de ser um órgão político. A profissionalização da instituição é urgente: se sua composição e perfil incomodam esse governo, têm potencial para incomodar qualquer outro. A fiscalização é algo altamente desejável para o país, mas o uso político dos poderes fiscalizatórios para parar obras, sem qualquer tipo de punição na hipótese de abusos serem cometidos, não serve a ninguém.
Matéria publicada pelo jornal “O Estado de S. Paulo” do dia 1º de novembro cita alguns exemplos de como não deve proceder um órgão pretensamente técnico. No início do mês passado, o TCU anunciou o embargo de 15 obras por supostas irregularidades. Segundo a Casa Civil, que faz a gerência do PAC, três já tinham sido excluídas da lista pelo próprio TCU, uma não era do programa, duas já estavam com contratos rescindidos, seis entregaram suas justificativas ao órgão sem que tivessem obtido resposta, duas estavam em processo de nova licitação e em uma delas o problema era a supervisão, e não a obra propriamente dita. O TCU fez uma lista negra, anunciou-a como rol de irregularidades insanáveis e um mês depois, com indiferença, viu-a derrubada por falta de consistência. Isso é preocupante.
O TCU tem, ele mesmo, problemas insanáveis de origem. Pela Constituição, é um órgão auxiliar do Legislativo que deveria dar parâmetros técnicos para fiscalização do Poder Executivo. Se existe hoje uma reclamação em relação ao excessivo poder do presidente da República para nomear ministros do Supremo Tribunal Federal, no entanto, deveria igualmente haver uma grita em relação ao poder concentrado em um órgão de controle cujos integrantes são de nomeação exclusiva do Legislativo e que não está sujeito, ele próprio, a nenhum tipo de fiscalização.
Idealmente, a legitimidade do TCU residiria no fato de ser um órgão de controle técnico cujos integrantes são escolhidos por um poder onde estão representados todos os partidos políticos legalmente constituídos. Mas mostra a experiência que a nomeação torna-se sempre uma prerrogativa das maiorias governistas da ocasião. Na prática, a escolha de um ministro do STF (sic - a referência parece ser, na verdade, aos ministros do TCU) não é tão suprapartidária assim. Ela é, na origem, uma escolha partidária. A nomeação recente do exministro das Relações Institucionais, José Múcio Monteiro, para uma vaga é prova disso. São maiorias parlamentares do momento que aprovam as nomeações; como os cargos são vitalícios, no momento seguinte o pleno do tribunal pode refletir a posição política de uma minoria. Segundo o “O Estado de S. Paulo”, dos nove membros do TCU, cinco são ex-políticos oposicionistas.
A história se reproduz a nível federativo. Se a oposição ganhar no Estado de São Paulo, por exemplo, governará com um Tribunal de Contas do Estado cujos integrantes foram escolhidos ao longo de quatro mandatos do PSDB e outros dois anteriores do PMDB, partido do qual a legenda de José Serra se originou. Na capital, eleita em 1990 pelo PT, a hoje deputada Luiza Erundina (PSB) enfrentou grandes dificuldades, durante todo o seu mandato, com o Tribunal de Contas do Município (TCM). O seu sucessor, Paulo Maluf, e o sucessor do sucessor, Celso Pitta, não tiveram problemas com o órgão, embora respondam a processos na Justiça por atos administrativos desse período.
Despolitizar a administração pública requer despolitizar órgãos de fiscalização e controle. A interrupção de obras públicas sem razões técnicas plausíveis constitui um prejuízo que não é exclusivo do governante do momento. Toda obra pública envolve dinheiro público na sua realização e benefício público na sua conclusão — e isso lança dúvidas sobre a legitimidade da paralisação de obras se elas tiverem razões políticas, e não exclusivamente técnicas. A paralisação de obras desperdiça dinheiro público e obstrui o acesso das populações àqueles benefícios. Não se pode impedir governantes de governar — deve-se impedilos de se beneficiar privadamente do dinheiro público, mas jamais de exercer mandatos conferidos pelo povo.
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