Segue matéria do BOL.
Bom, o quinto de vagas para advogados e promotores é previsto pela Constituição e, enquanto as regras não forem mudadas, esse tipo de nomeação faz parte do jogo. Se é do chefe do executivo a atribuição de nomear o novo membro do judiciário, não vejo problema em que sua escolha recaia sobre alguém com ele afinado ideologicamente. Muito pelo contrário: isso seria elemento do próprio jogo democrático e da institucionalização das forças atuantes na sociedade.
Agora, como é mesmo aquele papo sobre os perigos do “aparelhamento do Estado”?
Será que disso que eles tanto falam: “vou só usar a caneta para nomear quem tenha compromisso com o governo”.
Aí, a coisa já muda de figura. Um magistrado até pode ter certas tendêncais ideológicas, que, obviamente, influem em suas visões jurídicas e em suas decisões. Agora, “compromisso com o governo”, isso ele não pode ter não! O poder que ele exerce tem que ser absolutamente autônomo em relação ao executivo, sob pena de árbítrio.
Muitas vezes, tudo isso fica bem abstrato e acaba parecendo conversa de paranóico. Só que, nesse caso, tomando como verídicos os fatos narrados, a questão se mostra bastante concreta. É o que indica este trechinho:
“(…)Eu comentei com ele [Stocker] que ela [Yeda] tem um pedido, eu não disse o que era. E ele disse 'não tem problema, atendo qualquer pedido'. Quer dizer, já se comprometeu", diz Fraga a Walna.
Agora, uma informação bem interessante, que pode ser conferida aqui: o escolhido pela Yeda foi o último colocado na lista tríplice elaborada pela OAB.
Conversas telefônicas interceptadas pela Polícia Federal indicam que políticos investigados por suspeita de integrar um esquema de corrupção no Rio Grande do Sul fizeram lobby para que a governadora Yeda Crusius (PSDB) nomeasse um desembargador para o TJ-RS (Tribunal de Justiça).
A nomeação acabou ocorrendo, mas o governo gaúcho diz que não houve irregularidade e nega influência do lobby.
Em telefonema do dia 29 de dezembro de 2007, o então prefeito de Canoas (região metropolitana de Porto Alegre), o também tucano Marcos Ronchetti, pediu à governadora que nomeasse o advogado Gelson Stocker para uma vaga de desembargador do TJ-RS.
O grampo integra a chamada Operação Solidária, investigação da PF sobre uma suposta organização criminosa responsável por fraudar licitações, superfaturar preços e desviar recursos da merenda escolar em Canoas e obras públicas no município e no Estado. Ronchetti, que administrou Canoas entre 2001 e 2008, é suspeito de participar da fraude.
Na conversa em dezembro de 2007, o prefeito diz a Yeda que, além de possuir "altíssima competência", Stocker era fundador do PSDB e tinha "compromisso" com o governo.
No telefonema, a governadora sinaliza positivamente ao pedido: "Eu aprendi durante esse ano, viu, Ronchetti, que vou só usar a caneta para nomear quem tenha compromisso com o governo".
No dia 16 de janeiro de 2008, Stocker foi nomeado por Yeda para a vaga. O advogado tornou-se desembargador pela regra do chamado quinto constitucional, que destina uma parcela das vagas em tribunais para indicados da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e do Ministério Público. Yeda o escolheu na lista tríplice que passou pela OAB e pelo TJ.
A conversa entre Ronchetti e Yeda foi interceptada pela Polícia Federal porque o prefeito usou um celular de Francisco Fraga, então secretário de Governo de Canoas e o suposto operador do esquema de desvio, segundo a PF.
Fraga também é réu na ação criminal da fraude que desviou R$ 44 milhões do Detran (Departamento Estadual de Trânsito) gaúcho entre 2003 e 2007. Ele responde por suposto crime de extorsão.
Logo após a nomeação de Stocker, Fraga e a assessora pessoal de Yeda, Walna Vilarins de Menezes, combinaram em telefonema de 18 de janeiro uma visita de Stocker para agradecer Yeda pela indicação.
Na conversa, Fraga se refere a um suposto pedido que a governadora teria a fazer a Stocker e se prontifica a ser o emissário. "Eu comentei com ele [Stocker] que ela [Yeda] tem um pedido, eu não disse o que era. E ele disse 'não tem problema, atendo qualquer pedido'. Quer dizer, já se comprometeu", diz Fraga a Walna.
Walna foi indiciada em agosto pela Polícia Federal sob acusação de corrupção passiva e formação de quadrilha.
Outro lado
Por meio de assessoria, a governadora Yeda Crusius negou que a escolha do advogado Gelson Stocker para ocupar vaga de desembargador do TJ-RS Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul tenha se dado por critérios partidários.
De acordo com o chefe da Casa Civil do governo, Otomar Vivian, a escolha não tem relação com o fato de Stocker ser tucano, mas com as credenciais profissionais do desembargador, que passou por listas elaboradas pela seção gaúcha da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e pelo TJ.
Vivian disse que pedidos de nomeação, como o feito pelo ex-prefeito de Canoas Marcos Ronchetti (PSDB) para escolher Stocker, são comuns.
Ronchetti é investigado pela Operação Solidária, da Polícia Federal, que apura um esquema de desvio de dinheiro público. A reportagem não conseguiu encontrá-lo ontem.
O desembargador Gelson Stocker disse à Folha que não exerce militância partidária no PSDB há 15 anos e que, desde que foi empossado no Tribunal de Justiça em fevereiro de 2008, não julgou casos envolvendo o governo ou políticos.
Ele disse que, no momento em que Ronchetti intercedeu por sua escolha, o prefeito ainda não era suspeito de desvios nem réu em processos.
"Estão dando uma conotação pejorativa ao fato de terem chegado informações sobre minha qualificação pessoal e profissional à governadora, o que é natural", disse Stocker.
Stocker esteve com a governadora em janeiro de 2008 para agradecê-la pela escolha --"uma praxe nestas situações", segundo ele-- mas negou que tenha recebido qualquer pedido feito pela governadora ou pelo ex-secretário de Canoas Francisco Fraga.
A reportagem não conseguiu localizar Walna Vilarins Menezes e com Fraga ontem. Em ocasiões anteriores, Walna havia negado qualquer ligação com irregularidades investigadas pela Polícia Federal. A defesa de Fraga também já negou as acusações.
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