Marco Aurélio Weissheimer
O voto do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, desempatando a votação no caso Battisti a favor da extradição e defendendo que o presidente da República deveria se curvar a ela abriu uma polêmica no meio jurídico. Na avaliação de Pedro Estevam Serrano, professor de Direitos Constitucional da PUC-SP, caso o STF tivesse decidido pela não extradição de Cesare Battisti, essa decisão sim seria vinculativa, uma vez que, neste caso, não estariam cumpridos os requisitos legais para o ato. “Ao decidir pela extradição, além da decisão judicial, coloca-se a necessidade de uma decisão política sobre o assunto por parte do chefe do Executivo. Se a proposta de obrigar o presidente da República a cumprir a decisão do STF fosse aprovada (acabou derrotada por 5 votos a 4), o Judiciário estaria ingressando indevidamente na esfera do poder Executivo”.
Serrano respeita a decisão da maioria do Supremo que optou pela extradição, mas diverge dela. “A definição do que vem a ser um crime político tem uma dimensão de discricionariedade, que cabe ao ministro da Justiça decidir. Há um espaço intangível aí. Neste sentido concordo com o parecer do professor Celso Antonio Bandeira de Mello, para quem o Judiciário foi além de seu papel, ingressando na esfera própria da discricionariedade”. Celso Bandeira de Mello divulgou um parecer sobre o caso Battisti após seu nome ter sido citado pelo relator do caso, o ministro Cezar Peluso. Em seu voto, Peluso citou o trecho de um livro do jurista na tentativa de fundamentar a tese de que o ato de concessão de refúgio pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, poderia ser modificado pelo STF. Neste parecer, ele defende o contrário do que disse Peluso, ou seja que o ato de concessão de refúgio não poderia ser avaliado pelo Supremo.
Em entrevista à Carta Maior, o professor Celso Antonio Bandeira de Mello avalia a decisão do STF e defende a correção da decisão do ministro da Justiça, Tarso Genro, que concedeu refúgio a Cesare Battisti. O jurista classificou como “chocante e ilógico” o voto proferido pelo presidente do Supremo, Gilmar Mendes.
Carta Maior: Qual a sua avaliação sobre a decisão final do Supremo Tribunal Federal no caso Battisti?
Celso Antônio Bandeira de Mello: Considero que a solução foi surpreendente, do ponto de vista técnico-jurídico. E creio que isso é perceptível mesmo para quem não tenha conhecimentos jurídicos. O regimento interno do STF estabelece que, em caso de empate, em uma questão que envolve privação de liberdade, o presidente não se declara. Há um princípio em favor da liberdade que considera que, houve uma tal divisão de votos, que o presidente não deve votar.
O habeas corpus é um instrumento protetor da liberdade, do direito de ir e vir. Se consideramos que a liberdade deve prevalecer quando o tribunal está dividido, o que dizer quando a ameaça à liberdade é muito maior? No direito brasileiro, nenhuma pena pode ultrapassar 30 anos. Já a Itália tem a prisão perpétua, que é a privação de liberdade mais radical. Se em casos menos radicais do que esse, a nossa norma jurídica é em favor da liberdade, como fazer no caso da prisão perpétua? O princípio que está por trás do habeas corpus e da extradição, ou no caso da prisão perpétua, é o mesmo: favorecer a liberdade quando o tribunal está dividido. Neste sentido, a decisão do STF é chocante e fere a lógica mais comezinha. É chocante e ilógica, ofendendo um princípio jurídico elementar.
Carta Maior: E sobre a decisão quanto à natureza da decisão do presidente da República sobre o caso, frente à decisão do STF, qual sua opinião?
Celso Antônio Bandeira de Mello: Não vou me pronunciar sobre essa questão, pois não a estudei nem nunca me manifestei sobre ela, apesar de alguns jornais terem me atribuído, de forma leviana, uma posição a respeito. Chegaram a dizer eu fui contratado para falar a respeito. Não fui contratado e não recebi nenhum centavo para elaborar o parecer que fiz. Fiz em apreço à liberdade. Respeito o ponto de vista contrário, afinal o direito não é nenhuma matemática. E é exatamente isso que justifica a existência do princípio da discricionariedade, que contempla o fato de que, dentro das regras do direito, alguns possam pensar de uma forma ou de outra.
Foi por isso que, em meu parecer, manifestei a posição de que não cabia ao STF rever o ato do ministro da Justiça. A intelecção do ministro no caso foi bastante razoável.
Trinta anos depois, juízes e autoridades italianas ainda manifestam muito ódio em torno do caso. Ofenderam o ministro da Justiça brasileiro (“ele disse umas cretinices”) e o presidente chamando-o de “cato-comunista”. Isso é de uma grosseria impensável. Falaram em boicotar produtos brasileiros e o turismo no Brasil, caso a decisão no caso Battisti fosse contrária aos seus interesses. Isso é inaceitável. Disseram ainda que o Brasil é um “país de bailarinas”, uma descortesia monumental, grosseria inominável. Afirmações melodramáticas e ridículas que só depõem contra seus autores e a favor da decisão do ministro da Justiça brasileiro. Se, trinta anos depois, esse é o clima, imagine o que era quando Battisti foi julgado e que risco ele corre hoje se for extraditado. Por isso, a decisão do ministro da Justiça foi correta quanto ao refúgio.
Cabe agora ao presidente da República decidir. Se eu estivesse na pele dele, depois de tanta pressão e insultos por parte de autoridades italianas, eu não cederia. Ninguém disse aqui, por exemplo, que o parlamento italiano é mais conhecido pela Cicciolina. Ninguém disse também que o sr. Berlusconi é mais conhecido por seu apreço por jovenzinhas do que por sua intuição política. Nenhum parlamentar ou autoridade brasileira disse isso. Se dissesse, estaria tomado por uma fúria total. Seria uma grande grosseria. O que dizer, então, de um prisioneiro que é objeto de tamanha sanha?
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