sábado, 16 de março de 2013

Os efeitos econômicos da igualdade de gêneros

Uma abordagem meio utilitária, mas, ainda assim, interessante.

A propaganda não é engraçada. E, além de absurda, a concepção ilustrada ainda rouba talentos, capital humano.

Gender Equality Pays Off in Brazil
Otaviano Canuto (Otaviano Canuto é vice-presidente do Banco Mundial e chefe de Redução da Pobreza e Gestão Econômica (PREM))

O sucesso do Brasil na redução da pobreza e da desigualdade de renda tem sido amplamente divulgado nos últimos anos. O que é menos conhecido é que também tem havido progresso em diminuir a desigualdade de gênero nas últimas duas décadas. As taxas de analfabetismo para as mulheres com 15 anos ou mais caiu de 20,3% em 1991 para 9,8% 2008. A parcela da força de trabalho feminina com ensino superior aumentou de 7,4% em 1992 para 11,9% em 2008  e agora é mais elevada que a dos homens. Políticas do governo - algumas delas implementadas em cooperação com o setor privado - também têm abordado as necessidades das mães, provendo cuidados de saúde antes e durante a gravidez e no parto, cuidados com a infância e educação. Na violência de gênero, a promulgação da Lei Maria da Penha já trouxe alguns resultados.



Não obstante esses marcos, ainda há muito a ser feito. Por exemplo, as disparidades de gênero no acesso ao emprego formal e na renda ainda persistem no Brasil. Mesmo que com um aumento na proporção de mulheres empregadas no setor não-agrícola, sua vantagem comparativa em educação não tem se refletido nos salários pagos no mercado - apesar do maior nível de habilidade média da força de trabalho feminina. Em 2008, os salários das mulheres eram apenas 84% o dos homens - e a distância aumenta em níveis mais elevados de educação. Entre aqueles com 12 anos ou mais de escolaridade, as mulheres ganhavam apenas 58% dos salários dos homens. Em grande parte, a diferença salarial parece refletir as práticas discriminatórias e normas sociais. As mulheres brasileiras, mesmo aqueles que trabalham em tempo integral, continuam a suportar o peso do tempo destinado para as tarefas da família.

A este respeito, vale a pena lembrar como Relatório do Banco Mundial sobre o Desenvolvimento Mundial 2012: Igualdade de Género e Desenvolvimento destacou vários canais através dos quais o crescimento econômico e o bem-estar social podem se beneficiar da menor desigualdade de gênero. Por exemplo: pense nas provas bem estabelecidas de que os bebês tendem a ter mais peso e altura quando as mulheres têm mais poder de negociação sobre a renda familiar, com consequências óbvias em termos de saúde e capacidade de trabalho da população adulta.

No caso do Brasil, Pierre-Richard Agênor e eu recentemente mostramos os impactos da redução da desigualdade de gênero no aumento do crescimento econômico, com o desenvolvimento de um modelo macroeconômico com o qual se pode simular os resultados de políticas específicas. Suponha, por exemplo, que o governo implemente com sucesso leis contra a discriminação, que levem a uma completa eliminação da discriminação de gênero contra as mulheres no local de trabalho. Usando dados do Brasil, nossos cálculos baseados nos modelos sugerem que uma política de "trabalho igual, salário igual" poderia adicionar até 0,2 pontos percentuais à taxa de crescimento do produto interno bruto anual do país. Este é apenas o efeito direto do aumento do pagamento que as mulheres "levariam para casa", não considerando outros efeitos sobre a alocação de talentos e a produção de capital humano.

Você pode se surpreender com a variedade de mecanismos através dos quais diminuir a desigualdade de gênero pode impulsionar o crescimento econômico. Pense em investimentos em infra-estrutura, tão terrivelmente necessários atualmente no Brasil. Muitos analistas já apontaram várias maneiras pelas quais mais e melhor infra-estrutura no Brasil elevaria o seu ritmo atual de crescimento, reduzindo o desperdício de tempo e recursos na produção e transporte. O que pode ter sido menos percebido é o seu efeito sobre o crescimento através da ... redução da desigualdade de gênero! Mais e melhor acesso às estradas rurais, água, redes de energia e outros reduziria o tempo das mães alocado para as tarefas domésticas e elevaria o tempo dedicado ao mercado de trabalhos, à acumulação de capital humano e à criação dos filhos. Este último também é produtivo, já que leva à melhoria da saúde tanto na infância e idade adulta. Fundamentalmente, o aumento do tempo dedicado a acumulação de capital humano aumenta o poder de barganha das mulheres, o que se traduz em uma preferência maior da família para a educação de meninas e para a saúde das crianças, em um aumento da percentagem média da renda familiar gasto com as crianças e em  uma menor preferência pelo consumo atual.

Mais uma vez, usando o nosso modelo, simulamos os efeitos de um neutro aumento do orçamento em termos de gastos governamentais com investimento em infraestrutura, do seu valor atual de cerca de 2,1% do PIB para 3,1%. Os cálculos sugerem que esta política poderia adicionar entre 0,5 e 0,9 pontos percentuais à taxa anual de crescimento do Brasil, contabilizando os efeitos diretos e indiretos - mais notavelmente por meio de mudanças na alocação de tempo das mulheres e seu poder de barganha sobre os recursos da família.

Uma das conclusões de um recente simpósio sobre Desigualdade de Gênero em Mercados Emergentes, no Green Templeton College, Universidade de Oxford foi:

A desigualdade de gênero é ruim pra economia. Ela priva economias nacionais dos talentos das mulheres. Ela reduz o potencial produtivo da força de trabalho. Ela restringe o consumo, diminui as receitas fiscais e limita os benefícios nacionais e pessoais do investimento em educação feminina, forçando as mulheres para profissões e ocupações que exigem menos que i pleno uso de suas habilidades e capacidades.

Nossos experimentos numéricos com Igualdade de Género e Crescimento Econômico no Brasil corroboram isso.

sexta-feira, 15 de março de 2013

Brasil tem alto desempenho no desenvolvimento humano e é modelo para o mundo, diz ONU

O que diz o PNUD sobre o desempenho do Brasil no RDH.

País registra crescimento de 24% no IDH desde 1990 e cresce mais rápido que vizinhos latino-americanos. IDH do Brasil melhora em 2012; país mantém 85ª posição no ranking em relação a 2011.
É enganoso comparar valores e classificações com os de relatórios publicados anteriormente, em razão da mudança nos dados e métodos. Isso significa que os dados de IDH contidos no RDH 2011 devem ser desconsiderados para comparação.   A única referência para a comparação dos valores de 2012 com os de anos anteriores é a Tabela 2 do Anexo Estatístico do Relatório de Desenvolvimento Humano 2013.
Ressalva solenemente ignorada por muitas publicações.

O Brasil está entre os 15 países que mais conseguiram reduzir o déficit no IDH entre 1990 e 2012, uma trajetória que o coloca no grupo de “alto desempenho” em desenvolvimento humano. As conclusões são do Relatório de Desenvolvimento Humano 2013 – Ascensão do Sul: progresso humano num mundo diversificado, lançado hoje pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

A classificação de “alto desempenho” foi dada aos países que: tiveram desenvolvimento humano significativo pois, além de experimentar aumento do rendimento nacional, registram valores superiores à média nos indicadores de saúde e educação; reduziram o hiato necessário para alcançar o teto do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) – igual a 1 –; e tiveram desempenho melhor em relação a seus pares – países que se encontravam em patamares semelhantes em 1990.


Dos arquivos do blog:

A estratégia de política estrutural de longo prazo adotada pelo Brasil, com a universalização do bem-estar social, foco na redução das desigualdades e redução da pobreza, coloca o país em posição de destaque no Relatório deste ano, ao lado de outras nações em desenvolvimento como China e Índia. “A promoção da coesão e da integração sociais, um objetivo declarado nas estratégias de desenvolvimento de países como o Brasil, tem por base o manifesto impacto positivo que uma sociedade unificada tem sobre o desenvolvimento. As sociedades mais igualitárias tendem a produzir melhores resultados na maioria dos parâmetros relativos ao desenvolvimento humano”, diz o Relatório.

Brasil, China e Índia estão remodelando a dinâmica mundial no contexto amplo do desenvolvimento humano. (...)

(...)concluem os autores do RDH 2013.

Novos modelos de desenvolvimento
Três são os fatores impulsionantes para esta ascensão de países do Sul. Primeiro, um estado desenvolvimentista, proativo e orientado para o investimento nas capacidades das pessoas, alargando os serviços sociais de base. Segundo, a integração a mercados globais, especialmente nas dinâmicas Sul-Sul. Por fim, a implementação de políticas sociais inovadoras e criativas, customizadas para as realidades nacionais.

“A aplicação de programas inovadores bem conhecidos no Brasil, Índia e México – programas de transferência condicionada de renda e de garantia de emprego rural – são exemplos de um vivo interesse na promoção de uma distribuição mais equitativa das oportunidades econômicas e sociais”, aponta o Relatório.

“A ênfase comum destas iniciativas sociais tem sido a promoção da equidade e da integração social, aspectos menos valorizados nos modelos de desenvolvimento do passado, mas que provam ser elementos essenciais de qualquer percurso sustentável rumo ao progresso humano”, diz o estudo. A promoção de emprego, o expressivo aumento dos investimentos em educação, a universalização dos serviços de saúde e o estímulo às capacidades industriais são outros exemplos de políticas inovadoras do Brasil citadas no Relatório e que colocam o país entre o que os autores chamam de novos modelos de desenvolvimento.
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)

O IDH do Brasil para 2012 é de 0,730, mantendo o país no grupo dos países de Desenvolvimento Humano Alto. Sua posição em relação aos 187 países e territórios classificados é a 85ª, mesma posição que em 2011.

O IDH do Brasil continua bem à frente de outros emergentes como China (101ª), África do Sul (121ª) e e Índia (136ª).

O Relatório aponta que o país cresceu expressivamente no IDH, num ritmo mais rápido e com mais qualidade do que muitos dos vizinhos latinoamericanos, por equilibrar crescimento nas três dimensões do desenvolvimento humano.

Entre 1990 e 2012, o IDH saiu de 0,590 para 0,730, um aumento de 24%. Essa taxa de crescimento do IDH brasileiro no período é maior que a de Chile (40ª posição), Argentina (45ª) e México (61ª), por exemplo.

Passivos Históricos
Em 1990, Argentina e Chile tinham o dobro da média de anos de estudo da população adulta do Brasil. Um adulto brasileiro tinha, em média, menos de 4 anos de estudos, enquanto um adulto argentino já alcançava 8 anos. O mesmo exemplo vale para a saúde. Em 1990, o Chile já tinha a expectativa de vida que o Brasil registra hoje.

Incrementos nessas variáveis demandam políticas estruturais de longo prazo, ou seja, o Relatório aponta que o país está no caminho certo, mas que o percurso ainda é longo para que isso chegue a surtir efeito no valor do IDH.

Quanto mais alto o IDH de um país, mais difícil é o esforço complementar para subir seus valores e impactar no ranking. Além disso, todos os países listados no relatório estão em tendência crescente do IDH.

O IDH 2012 mostra que o Brasil apresenta progresso em dois componentes do índice: expectativa de vida e renda nacional bruta per capita. Em função da abordagem metodológica do RDH de usar dados de fontes internacionais, o Brasil aparece  com dados de 2005 para anos esperados de escolaridade e dados de 2010 para média de anos de estudo. 

Indicadores complementares
A partir da compreensão de que o IDH não capta todas as dimensões que constituem o desenvolvimento humano, a equipe do Relatório vem trabalhando na criação de novos índices. De modo experimental, alguns deles vêm sendo apresentados no RDH desde 2010: o IPM (índice de Pobreza Multimensional), o IDAH (IDH Ajustado à Desigualdade) e o IDG (Índice de Desigualdade de Gênero).

O primeiro busca captar as privações humanas nas dimensões não-renda, bem como a intensidade da pobreza dentro dos países e ao redor do mundo. O segundo busca descontar do IDH o valor que corresponde às perdas que o país sofreria em razão das suas desigualdades sócio-econômicas. E o terceiro fala sobre a desigualdade de gênero.

O Relatório aponta para uma perda de 27,2% do IDH quando ajustado à desigualdade em 2012. Para o IPM, os dados mais recentes para o Brasil são referentes a 2006. Naquela época, no Brasil, 2,7% da população vivia em situação de pobreza multidimensional enquanto 7% eram vulneráveis a múltiplas privações. O Brasil tem um valor de 0,447 no IDG.

sexta-feira, 1 de março de 2013

A revolução do sistema de aquisição de alimentação escolar do Brasil (sustentabilidade + apoio à agricultura familiar).

Texto de Kei Otsuki, pesquisadora associada na Universidade Instituto para a Sustentabilidade e Paz das Nações Unidas, publicado no site da Aljazeera.

Alterações na aquisição pública de alimentos melhoraram a qualidade da merenda escolar no Brasil , escreve o autora.

Kei Otsuki



As discussões sobre a economia verde estão mudando a ênfase do desenvolvimento da quantidade para a qualidade: o foco limitado do crescimento econômico está se abrindo para incluir as preocupações com a sustentabilidade ambiental e equidade social. A aquisição de alimentos pelo setor público é uma área onde as preocupações com o preço tipicamente triunfou sobre o valor nutricional. Mas, em países como o Brasil, a crescente evidência de problemas de saúde, juntamente com uma dieta pobre e hábitos alimentares está levando as pessoas a repensar como fornecer alimentos em instituições públicas, como escolas.

No Brasil, esse repensar trouxe a nutrição e a sustentabilidade para o foco, levando a iniciativas que visam promover o abastecimento local com produtos agrícolas frescos para a merenda escolar. Estes programas são projetados para aumentar a capacidade de produção e distribuição de cooperativas locais de agricultores, envolver ativamente os cidadãos-consumidores em negociações com as autoridades locais e, finalmente, criar um quadro institucional que promova o engajamento deliberativo e garanta a qualidade dos alimentos utilizados. A produção local, aliada ao consumo local, também reduz a pegada ecológica associada a aquisição de alimentos, o que contribui para o verde, no desenvolvimento econômico e social em curso.


Dos arquivos do blog:

As inovações brasileiras não são únicas. Países desenvolvidos, como Japão e Itália, têm programas nacionais de alimentação escolar voltados para a agricultura local. No Japão, o plano nacional de educação alimentar, implementado em 2004, promove Chisan-chisho (produção local e  consumo local), com 30% do alimento utilizado para refeições de escolas públicas produzidos localmente. A política da Itália vai além, definindo a merenda escolar "como parte integrante tanto do direito das pessoas à educação e quanto do direito dos consumidores à saúde". No entanto, entre os países em desenvolvimento, as reformas do Brasil abriram o caminho, criando um ambiente favorável para que os pequenos agricultores tenham acesso aos mercados e participem das compras, enquanto organizaram os canais de distribuição de seus produtos.

Mais especificamente, o Brasil já atingiu quatro metas internacionalmente estabelecidas para ​​sistemas mais sustentáveis de aquisição pública de alimentos: (1) criar um mercado para os pequenos agricultores; (2) mudar as estruturas de mercado, de modo que uma proporção maior do de mercado vai para os agricultores locais; (3) promover um papel mais forte para os agricultores locais na cadeia de abastecimento através da redução da relevância de intermediários no processo de compra, e (4) assegurar que os pequenos agricultores produzam uma quantidade suficiente de produtos de boa qualidade para que possam responder à demanda do mercado.

Estas intervenções baseiam-se num sistema de padronização e distribuição e na cooperação entre uma vasta gama de participantes na cadeia de alimentos, a fim de garantir a transparência e a prestação de contas. Esse mecanismo de participação é o que caracteriza a aquisição de alimentos orientada pela qualidade no Brasil.

Da centralização à descentralização
As origens da aquisição local de alimentos no Brasil pode ser rastreada até os debates iniciais sobre a segurança alimentar durante os anos 1930. Durante este tempo, nutricionistas sociais foram treinados para combater a desnutrição em crianças em áreas rurais do Nordeste, a região mais pobre do país, conhecida por sua vulnerabilidade a secas. Estes nutricionistas procuraram ajuda do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e do Programa Alimentar Mundial (PAM), ao mesmo tempo pressionaram o governo federal a estabelecer programas nacionais de nutrição.

Em 1955, uma campanha nacional de alimentação escolar ofereceu leite em pó e suplementos em algumas escolas do Nordeste, Norte, Sudeste. No entanto, os programas governamentais não alcançaram as regiões do interior do Norte e alguns nutricionistas ligados a igrejas começaram a divulgar a "alimentação alternativa" chamada multimistura, uma mistura de grãos moídos contendo farinha de arroz e trigo, diferentes tipos de sementes e nozes, e folhas secas comestíveis, colhidas em florestas próximas.

Em 1976, sob o regime militar, todo o sistema de programas nacionais de alimentação escolar foi centralizado. No âmbito deste programa, a comida, juntamente com outros materiais escolares, era armazenada em armazéns centrais, tanto a nível federal quanto estadual, e, em seguida, enviada para as escolas. Devido aos precários sistemas de distribuição nas áreas do interior, muitas escolas não recebiam comida regularmente e, portanto, a freqüência escolar era pequena, especialmente no Norte.

Na década de 1990, para neutralizar este problema, o governo procurou descentralizar a operação de alimentação escolar, principalmente no Sudeste, relativamente desenvolvido. Este esforço de descentralização, no entanto, diminuiu em outras partes do país, e em particular no Norte e Centro Oeste, devido a fraca coordenação institucional entre as diferentes agências governamentais responsáveis ​​pela operação de aquisição de alimentos. Após a democratização, em 1988, a descentralização foi revivida a fim de distribuir materiais escolares e alimentos, bem como melhorar o transporte, mas apenas em 1998  a aquisição de alimentos foi totalmente atribuída aos municípios, após uma onda de opinião pública negativa sobre a qualidade da alimentação escolar .

Inicialmente, a descentralização não significou necessariamente melhor qualidade ou comida local, devido à falta de financiamento e conhecimento. Em 2003, o novo governo liderado pelo Partido dos Trabalhadores, de Luiz Inácio Lula da Silva (Lula), ampliou o programa de ajuda financeira chamado Bolsa Família para melhorar as taxas de matrícula escolar por meio da transferência de dinheiro para famílias pobres. O Partido dos Trabalhadores ligou este programa a um novo projeto chamado Projeto Fome Zero (Fome Zero).

O governo Lula alocou 14% do produto interno bruto (PIB) para o Ministério do Desenvolvimento Social, que administra o projeto. Por meio dessa conexão, o orçamento para a aquisição de alimentação escolar foi elevada para R$ 1,5 bilhões em 2006, a maior soma já utilizada para a alimentação escolar no Brasil.

Ao mesmo tempo, o governo Lula promoveu um programa de compra direta, para permitir que os pequenos agricultores de base familiar acessem os mercados sem lidar com intermediários exploradores. Em 2009, uma lei foi implementada para incluir o programa de compra direta na aquisição escolar nacional, e ela obrigou os governos municipais a utilizar pelo menos 30% do orçamento alocado na compra de comida para adquirir produtos de agricultores de base familiar locais.

Acompanhando a lei, houve uma campanha para promover a "soberania alimentar", incluindo o conceito de "cultura alimentar" e de fornecimento de comida local como parte do desenvolvimento da agricultura familiar. A cultura alimentar foi incorporada ao desenvolvimento de cardápio, tendo o governo estabelecido uma meta de 15 a 30% do consumo de nutrientes fornecidos por meio de legumes frescos, frutas e carne de aquisição local.

Estes produtos são solicitados aos agricultores locais, enquanto aquisições mais centralizadas e em grande escala são mantidas para alimentos não perecíveis básicos, como arroz, feijão, farinha, sal, açúcar e óleo. Alguns municípios e escolas também criaram hortas comunitárias ou escolares, a fim de produzir vegetais básicos por conta própria. Neste processo, alunos, professores e pais foram envolvidos no cultivo de alimentos, como parte do programa educacional para informá-los sobre a cultura alimentar.

Cerca de metade dos mais de 5.500 municípios no Brasil criaram Conselhos de Alimentação Escolar (CAEs), compostos por autoridades locais, pais e associações de professores. Esses conselhos têm tomado a frente da aquisição local de alimentos escolares; como resultado, as refeições escolares contêm produtos frescos, como legumes, frutas e carnes, e menus que refletem os desejos e as necessidades alimentares das crianças e seus pais. Junto como os já antigos arranjos informais de provisão das multimisturas pelas igrejas e as refeições escolares informais das organizações de trabalhadores rurais em áreas remotas, este tornou-se um mecanismo institucional de participação pública na garantia da qualidade da alimentação escolar no Brasil.

O exemplo de Campinas
São Paulo é um dos estados que tem promovido vigorosamente o programa de alimentação escolar descentralizada e, no dentro do estado, Campinas foi o município mais ativo na melhoria da qualidade de alimentação escolar em sua rede escolar. Na década de 1990, o governo municipal contratou três empresas privadas agro-industriais para administrar a alimentação escolar. Insatisfeito com o seu serviço, em 2002, o governo municipal se voltou para um atacadista estatal, Central de Abastecimento e Serviços Auxiliares (CEASA), para o abastecimento de alimentos para escolas.

A filial de Campinas da CEASA supervisiona mais de 1.000 atacadistas e produtores cadastrados. Para os produtores locais de Campinas e do interior do estado de São Paulo, o CEASA é o principal centro de comercialização, armazenamento e  distribuição. Em 2003, a CEASA criou um banco local de alimentos, que compra diretamente dos pequenos agricultores no estado de São Paulo e doa para a população mais pobre do município. O mesmo programa também iniciou um projeto chamado Prato Cheio, que oferece 6.000 cestas de alimentos básicos (cesta básica) e mais de 10.000 sacos de frutas e legumes, doados pelos atacadistas para os beneficiários do Bolsa Família.

No âmbito deste programa, a CEASA criou o Departamento de Alimentação Escolar, que organiza o desenvolvimento menu e a aquisição e armazenamento dos alimentos, e também envia nutricionistas e cozinheiros às escolas, quando solicitado. Em 2006, ele também criou o Centro Administrativo de Alimentação Escolar. com a ajuda financeira de um atacadista, o De Marchi. Em 2007, o Departamento de Alimentação Escolar contratou 10 nutricionistas e 30 outros administradores, que constantemente criam novos menus com base no que esta disponível para adquirir durante o ano.

O programa de alimentação orientado pela CEASA aumentou significativamente o uso de frutas e legumes frescos na merenda escolar; eles agora aparecem quatro dias por semana e em um lanche no quinto dia de escola. Antes deste acordo, o menu era "industrial", incluindo itens como arroz doce, mingau de aveia, macarrão e suco de soja. Muitas crianças não aprovavam a qualidade da comida e alguns levavam sua própria comida para a escola ou iam para casa para comer. Depois que o novo arranjo foi introduzido pela CEASA, os nutricionistas realizaram uma pesquisa, que mostrou que quase 80% dos estudantes aprovaram o novo menu, que consiste de carne e salada ou frango cozido e suco fresco.

A carne fresca, as frutas e os legumes são enviados diretamente pelos atacadistas que fecham contratos com o governo municipal para o ano. Duas vezes por ano, os cozinheiros são treinados na CEASA sobre o aspecto nutricional dos cardápior, as questões sanitárias, e as experiências culinárias. Estes cardápios são testados em cada escola e precisam ser aprovado pelos Comitês de alimentação escolar em cinco distritos diferentes dentro do território do município de Campinas.

De acordo com um nutricionista da CEASA, o custo da alimentação escolar depende de cada cardápio, mas, em média, a comida custa R$ 0,50 R$ 0,25 por criança por dia. Em 2007, o governo federal forneceu R$ 0,18 por aluno por dia, o governo do Estado de São Paulo R$ 0,22 , e o governo municipal, aproximadamente R $ 0,34 por aluno, a fim de melhorar o menu e para cobrir outros custos (por exemplo, fornecendo o equipamento de cozinha necessário e envio de cerca de 600 cozinheiros para as escolas).

Em 2008, a CEASA desenvolveu 15 cardápio diferentes em Campinas, que cobriram 164.000 alunos em 512 creches, escolas primárias e centros públicos de aprendizagem de adultos. Naquele ano, no total, o programa de alimentação escolar municipal em Campinas teve um orçamento de R$ 37,5 milhões.

O envolvimento ativo do atacadista municipal e o arranjo orçamentário multi-nível para a melhoria da merenda escolar também tem contribuído para as intervenções de aquisição recomendadas. Os pequenos agricultores podem agora acessar um mercado recém-criado de refeições escolares, no qual o governo compra diretamente no atacado seus de produtos frescos para o desenvolvimento do cardápio. Os agricultores, assim, ganham um papel mais forte na cadeia de abastecimento, sem depender de intermediários. Ao mesmo tempo, o mercado atacadista reúne um grande número de pequenos agricultores e a quantidade suficiente de produtos de boa qualidade é garantida.

No entanto, o sucesso em Campinas não tem sido alcançado em municípios do Norte e Nordeste, onde a infraestrutura deficiente e a falta de orçamento municipal continuam a dificultar a entrega de alimentos de qualidade. Em 2010, metade das crianças no estado do Pará, no Norte, por exemplo, não frequentavam a escola porque elas não forneciam alimento de forma regular. Como a capacidade de cada governo municipal não é tão grande quanto a capacidade de Campinas, a promoção municipal orientada para a iniciativa de promoção de alimentos localmente adquiridos, orientada pela municipalidade, é muitas vezes limitado.

Em vez disso, os programas de alimentação escolar nos estados do Norte tendem a ser orientados e conduzidos pelas Secretarias Estaduais de Educação. No Pará, o Estado agora está promovendo a regionalização da alimentação escolar através da contratação de cooperativas que fornecem frutos nutririvos de palmeiras, como o açaí, a acerola e o cupuaçu, que são originárias da região amazônica.

A fim de obter esses produtos regionais, a logística e a infra-estrutura básica precisam ser melhorados no que diz respeito às cooperativas de pequenos agricultores, que por vezes nem sabem como participar dos programas de compras diretas realizadas pelo governo ou como fazer corretamente o acondicionamento dos seus produtos para armazenamento e transporte.

Enfrentar os diferentes níveis de desenvolvimento dentro do país continua a ser uma tarefa difícil para o Brasil. Enquanto isso, as igrejas e as organizações de trabalhadores rurais continuam a fornecer alimentos alternativos como parte do movimento catequista e de educação agrícola. Parents also often start taking the initiative of private rural schooling, where they take it in turn to cook.

Remodelar governança
Apesar desses desafios, o Brasil manteve-se comprometido com sistemas de compras de alimentos totalmente localizados. No processo, o país viu-se no meio de uma mudança fundamental em seu sistema de governaça. Quando aquisição de alimentos escolares era centralizado, o governo central tinha que ser normativo, para orientar como governança local devia funcionar. Com a compra localizada, mesmo no Norte isolado, uma forma mais flexível de governo foi desenvolvida para conectar os cidadãos locais - incluindo produtores, consumidores e as diversas organizações locais - aos municípios e às autoridades nacionais.

Por exemplo, o Comitê de Alimentação Escolar em cada município é um mecanismo largamente cívico, que coloca exigências sobre os governos de vários níveis para melhorar a infra-estrutura e ampliar os serviços para os pequenos produtores e distribuidores e facilitar ainda mais o seu envolvimento nas cadeias de fornecimento. Então, os serviços federais e estaduais são obrigados a ajudar associações de agricultores e cooperativas em cada município. Esta participação cívica ativa nos programas nacionais tem trabalhado para mudar as maneiras como os governos operam em relação às empresas de alimentos, cooperativas de agricultores e atores da sociedade civil.

Por causa da noção amplamente aceita de que a alimentação é um direito básico, o governo federal atua hoje como um tutor de deveres, que monitora a transparência dos Comitês de Alimentação Escolar e da sua conformidade com as normas federais. Desta forma, a operação de aquisição de alimentos inteira deve se tornar transparente para produtores e consumidores, e abrem-se espaços em que práticas mais sustentáveis ​​e localmente apoiadas são geradas.

O caso da aquisição de Alimentação Escolar no Brasil demonstra como fortalecer a relação entre sociedade civil e governo pode levar a um novo tipo de economia, ou seja, uma economia verde, focada na qualidade da produção e do consumo. A descentralização dos serviços públicos tem permitido que cidadãos-consumidores desenhem uma economia local centrada na qualidade.

A desigualdade regional deve ser combatido no Brasil, mas isso também pode tornar-se uma nova oportunidade para pensar em sustentabilidade com base na variabilidade local. Em vez de se concentrar apenas na conservação das florestas, por exemplo, poderíamos seriamente tentar apoiar os estados da Amazônia, no Norte, para incorporar produtos alimentares florestais, como frutas e nozes, à merenda escolar, ligando a atividade conservacionista ao sistema de compras.

A possibilidade vai incentivar o uso sustentável da floresta e a agricultura na Amazônia, assim reduzindo o desmatamento e também reduzindo as emissões de carbono. Além disso, as crianças da Amazônia podem aprender sobre suas valiosas florestas  através de merenda escolar e, conseqüentemente, podem vir a se envolver facilmente na conservação das florestas como parte de seu próprio ambiente.

Afinal, como um oficial da CEASA em Campinas comentou, a refeição escolar "não é uma despesa, mas um investimento", que deve dar ao país ao mundo retornos  significativos no futuro.

Kei Otsuki é uma associada de pesquisa na Universidade Instituto para a Sustentabilidade e Paz das Nações Unidas. Ela trabalha em mudança social transformadora para o desenvolvimento sustentável na América Latina, Ásia e África. Seu trabalho já apareceu em vários jornais e revistas internacionais. Ela também é uma das autora da nova Série de estudos Routledge em Desenvolvimento Sustentável.