Bom, a obra já saiu por mais do dobro do seu custo estomado. O gasto com móveis, pelo visto, já é cerca de 60% superior ao esperado. Certo, isso tudo pode não querer dizer muita coisa. Não quer dizer necessariamente que há qualquer negociata ou incompetência: imprevistos e equívocos acontecem.
Mas o que dizer da decisão de homologar uma licitação que, como resultado, levará o estado a adquirir um mesmo produto por preços que diferem em até 500%? Porque não revogar a licitação? Há urgência na compra dos móveis?
José de Souza Castro
Há quase três meses, este site publicou o artigo intitulado “Um elefante incomoda muita gente”, em que manifesto preocupações com o custo do Centro Administrativo de Minas Gerais, obra prevista inicialmente para custar R$ 500 milhões e que não sairia por menos de R$ 1,2 bilhão, segundo reportagem publicada pela revista Época no dia 30 de maio deste ano. A esse valor, a revista acrescentava R$ 50 milhões a título de móveis e divisórias, montagem da estrutura de informática e mudança das secretarias de Estado. Mas ao ler hoje reportagem publicada pela Folha de S. Paulo, minha preocupação aumentou. Os elefantes numéricos estão crescendo descontroladamente, pelo visto.
Senão vejamos. O repórter Breno Costa, que não é mineiro, mas chegou Belo Horizonte neste ano para reforçar a cobertura de um grande Estado que tem seu governador empenhado em se tornar candidato a presidente da República pelo PSDB, descobriu que em setembro passado a Secretaria do Planejamento homologou por R$ 81 milhões a licitação para comprar móveis para a Cidade Administrativa. Ou seja, em apenas quatro meses, praticamente dobrou o preço dos móveis, entre uma reportagem e outra.
Mas não era isso, aparentemente, o que preocupava o repórter do jornal paulista. O que o intrigava era a disparidade de preços possibilitada pelo “método do edital da licitação”.
Ao lidar com a maior licitação do gênero no país neste ano, segundo a Folha de S. Paulo, a Secretaria do Planejamento dividiu cada grupo de itens (mesas, cadeiras, divisórias etc) em quatro lotes, com especificações técnicas idênticas. Além disso, a empresa vencedora de dois lotes estaria automaticamente fora da disputa dos outros grupos da mesma mobília. Essa sábia decisão teve uma conseqüência no mínimo curiosa: “O governo mineiro vai pagar uma diferença de R$ 7,9 milhões a empresas distintas para comprar móveis exatamente iguais”, verificou o repórter.
São publicados alguns exemplos: uma empresa vai receber R$ 731,76 por unidade, num lote de 10.024 cadeiras com assento e encosto em tecido de pura lã. Um total de R$ 7.335.162,24. Outra empresa vai fornecer 10.024 cadeiras do mesmo tipo, custando cada uma R$ 1.131,44 (R$ 11.341.554,56 no total). Uma diferença de R$ 4.006.392,32 entre um lote e outro. E não para aí: essa proposta vencedora “foi a sétima mais cara, já sem a primeira firma na disputa. Outras seis que ofereceram preços menores foram eliminadas na análise do protótipo do produto”. Acrescenta o repórter que “a eliminação de propostas na análise das amostras se repetiu em outros lotes, garantindo a vitória de ofertas mais caras. Na compra de 264 mesas idênticas, uma empresa fornecerá cada uma por R$ 360,47 e outra, por R$ 1.796,91 – esta venceu, embora mais cara que outras duas reprovadas”.
Especialistas ouvidos pelo jornalista Breno Costa disseram que a divisão de lotes não é ilegal e evita que o governo fique dependendo de um único fornecedor, “desde que isso seja econômico”. E o governo parece considerar que foi, pois afirmou ao jornal que as propostas vencedoras de todos os lotes licitados ficaram abaixo dos valores estimados inicialmente.
Ou seja, nenhuma empresa pode reclamar da falta de generosidade das previsões de custos governamentais nessa obra faraônica. Aparentemente, o governo mineiro estava preocupado também com a saúde financeira, pois, ao justificar a decisão, afirmou: “Havia um temor de que empresas grandes ganhassem todos os lotes, não dando chances para que pequenas e médias pudessem competir".
Cabe aqui um parêntesis: o mesmo jornal informou, também nesta segunda-feira de Finados, agora numa reportagem assinada por uma jornalista mineira, Fernanda Odila, que trabalha na sucursal de Brasília, que nem mesmo a modalidade considerada mais transparente entre as licitações públicas está imune a fraudes. Ela se refere a um estudo da Controladoria Geral da União (CGU) sobre compras feitas pelo governo federal entre 2005 e abril deste ano. E destaca o caso de uma microempresa mineira, a TBI Segurança. No ano passado, ela foi vitoriosa com um lance de R$ 443,8 mil, para prestar serviço de vigilância armada na unidade do Iphan (Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) em Minas Gerais. Em 2007, a TBI já havia recebido R$ 488,9 mil em contratos com cinco ministérios, valor duas vezes maior que o limite legal de R$ 240 mil de faturamento anual de uma microempresa. A TBI informou que prestou contas à Receita e hoje não mais atua como microempresa.
Moral da história: nenhum governo está livre de empresários que acham um jeitinho de contornar as leis nas licitações. Mas voltemos ao Centro Administrativo.
O site www.centroadministrativo.com.br, criado para acompanhar a execução do projeto e fazer sua apologia, afirma:
“Faltando pouco menos de três meses para a mudança dos primeiros servidores, a Cidade Administrativa tem sua infraestrutura praticamente finalizada. Até o momento, 85% dos sistemas de drenagem, que somam 7 mil metros de tubulações, já foram implantados. A pavimentação de 176 mil m2 do terreno está 60% concluída e 65% das redes externas (água, esgoto, incêndio, rede elétrica) encontram-se instaladas. Ao todo, serão 133 mil metros quadrados de grama, dos quais metade está plantada e os 123 mil metros quadrados de hidrossemeadura (mistura de sementes com fertilizantes) encontram-se concluídos.
Nos cinco prédios, 70% das instalações internas (sistemas elétricos, de combate a incêndio e de refrigeração) estão prontas. As fachadas de vidro nas secretarias estão ainda mais adiantadas (99%), enquanto que, no centro de convivência, faltam 15% para finalização desta etapa. Na sede, 40% do edifício estão recobertos hoje. Os túneis 1 (para circulação de veículos) e 2 (pedestres e ciclistas) já têm, respectivamente, 90 e 110 metros de escavações feitas. Cada túnel terá 152 metros de comprimento.”
Vamos todos torcer para que tudo termine logo. Cada mês de demora vai sair muito caro para os contribuintes mineiros. Pois, como vimos, esses orçamentos da obra se alimentam com minutos, horas, dias, meses e anos – e, com o passar do tempo, o elefante vai crescendo e se multiplicando tanto que nem vai caber dentro dessa magnífica “pirâmide” mineira.
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