sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Keneth Rapoza, na Forbes: as descobertas da Petrobras no pré-sal são, para o Brasil, o que pousar na lua foi para os EUA

Artigo publicado no site da Forbes e (muito mal) traduzido por mim.
As descobertas de petróleo em águas profundas no Rio de Janeiro em 2007 foram um salto à frente gigante para o Brasil.

Entre 1959 e 1969, o orçamento do governo dos EUA para o programa espacial foi de 225 bilhões (dólares de 2007) - e o do amado programa Apollo foi de US$ 136 bilhões. Andar na lua foi a superação dos cosmonautas russos pelos EUA. Foi também uma prova do que ficou conhecido como excepcionalismo americano. Alguns países tem isso. Outros não.

O Brasil tem.

Investidores e aventureiros selvagens, de Jacques Custeau a Sir Richard Branson, disseram que a exploração em alto mar é a próxima grande missão da Terra. Nós podemos explorar o fundo dos oceanos antes que o homem possa explorar Marte. E o que encontraremos no fundo do oceano provavelmente será algo que todos querem: petróleo.

A companhia petrolífera brasileira Petrobras achou - cerca de quatro anos atrás, na costa do Rio de Janeiro, quilômetros abaixo do nível do mar e mais um tanto abaixo do leito de sal do Oceano Atlântico. Estima-se que a Bacia de Santos armazena até 40 bilhões de barris de petróleo. A Petrobras a encontrou. Foi o pouso lunar do Brasil.

Nos próximos 10 anos, a indústria de petróleo e gás vai investir cerca de US $ 3 trillion exploração e perfuração de petróleo ao redor do mundo. Desse total, cerca de um terço será investido no Brasil. Ao longo dos próximos cinco anos, a Petrobras vai investir mais em petróleo de águas profundas (224,7 bilhões de dólares, segundo a empresa) do que a NASA gastou em 10 anos na missão Apollo.

Perfuração em águas profundas é caro. A perfuração do pré-sal exige tecnologias avançadas. É quase impossível ver abaixo todo o aquele sal. "É essencialmente ir onde nenhuma perfuração foi antes", disse José Valera, um advogado de Mayer Brown, ao Financial Times nesta semana. "Em águas profundas, é um verdadeiro esforço de exploração. Agora estamos descobrindo esses tremendos recursos. Isso realmente é uma nova fronteira ".

Cerca de 40% da Bacia de Santos foi leiloado, com outros 60% ainda a leiloar. Alguns poços estavam secos, mas, com base no que a Petrobras confirmou até agora, é provável que o Brasil passe de 19º  para quinto maior produtor de petróleo na Terra. Isso irá colocá-lo perto de Venezuela, um dos cinco maiores produtores de petróleo para os EUA.

A descoberta de petróleo pela Petrobras vai fazer tanto economicamente para o Brasil quanto a missão Apollo fez para a ciência americana. Os poços de petróleo da Petrobras no Atlântico não são um zumbido nacional temporário, como a Copa do Mundo da FIFA, que virá ao Brasil em 2014, ou até mesmo os Jogos Olímpicos de Verão de 2016. Isso é permamente, notícias boas de longo prazo para o Brasil.

"Toda a economia do Brasil vai se beneficiar muito com o que a Petrobras descobriu no oceano", diz Pedro Cordeiro, um analista do setor de petróleo e gás da Bain & Company no Rio de Janeiro. "O Brasil é o que a Noruega foi 34 anos atrás, pouco antes das descobertas do Mar do Norte. Antes disso, a maior exportação da Noruega era o bacalhau. Agora, eles produzem cerca de 2,2 milhões de barris de petróleo por dia. O Brasil vai produzir cerca de 2,5 milhões de barris por dia. Toda a tecnologia da Noruega para petróleo em águas profundas se expandiu, e agora eles exportam mais isso do que petróleo. Eles construíram a sua indústria de petróleo a partir do zero e hoje são um dos centros de petróleo do mundo. "O preço do petróleo Brent bruto é baseado principalmente no petróleo norueguês. "É para ai que o Rio está indo. Vai se tornar a nova Houston."

A Petrobras é de propriedade majoritária do governo, mas, fora os EUA e a Europa, este é um dos únicos mercados de petróleo estrangeiros que permite aos investidores estrangeiros entrar e perfurar. Todas as grandes do petróleo estão no Brasil por causa da Bacia de Santos, apesar de ter que formar parceria com a Petrobras e ceder de 30% da parceria para a gigante petrolífera brasileira. Todas as grandes de serviços de perfuração estão lá, mesmo sendo contra os incentivos do governo, que favorecem o crescimento dos atores locais. Elas estão lá porque tem que estar. O rico em petóleo Oriente Médio é majoritariamente fechado para empresas privadas. O Brasil na década de 2000 é tão bom quanto poderia ser. O setor está tão aquecido, que, quando a OGX Petróleo  (dirigida pelo bilionário da Forbes Eike Batista) fez uma oferta pública inicial para sua empresa em 2008, ela arrecadou quase US $ 5 bilhões dos investidores e ainda não tinha descoberto uma gota de óleo.

"A descoberta da Petrobras será uma bênção para a economia brasileira", diz Cordeiro de seu escritório na Cinelândia, uma região do Rio visitada pelo presidente Barack Obama em março. "Você está olhando para cerca de um trilhão de reais ($ 555 bilhões) em infra-estrutura necessária e eu estimo que 40% desse dinheiro será apenas para a indústria de petróleo e gás", diz ele. "O petróleo e o gás são importantes, mas haverá um montante de investimento devido a esta descoberta em áreas como biocombustíveis ou até mesmo a tecnologia de biocombustíveis."

O Brasil nem sempre percebeu isso bem. Eles estão constantemente propondo novas mudanças nos royalties sobre o petróleo, que pode irritar as companhias de petróleo estrangeiras, e mesmo a Petrobras, que também tem que pagá-los. A Agência Nacional do Petróleo quer leiloar mais campos de petróleo no segundo semestre de 2012, o primeiro leilão desde 2007. A  atual disputa por royaties entre os estados, clamando por sua parte da recompensa, está retardando as coisas tanto quanto o derramamento de óleo BP reduziu a produção no Golfo do México.

Isso é a política brasileira ordinária. A Petrobras enfrenta desafios extraordinários. Mas este é um programa e uma grande multinacional, que a política no Brasil nunca vai enfraquecer.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Opera Mundi e Der Spiegel: Alemanha Ocidental pagou para criminoso nazista espionar Fidel Castro

Matéria do Opera Mundi, com informações da Der Spiegel


Entre 1958 e 1962, o serviço secreto da Alemanha Ocidental espionou o líder cubano Fidel Castro e, para isso, utilizou os serviços de um criminoso nazista. Walter Rauff era o responsável pelas unidades móveis de câmaras de gás utilizadas pelo regime nazista na Polônia e na Ucrânia.

Após o fim da Segunda Guerra, Rauff fugiu de um campo de prisioneiros e se estabeleceu no Chile, onde foi contatado pelo serviço secreto alemão. As revelações foram feitas neste domingo (25/09) pela revista Der Spiegel, com base em documentos oficiais tornados públicos recentemente.


Leia mais: 


Os papéis revelam que a espionagem alemã conhecia o papel de Rauff durante o nazismo. Apesar disso, o recrutou com a missão de fornecer informações sobre Fidel Castro. Em troca dos serviços, Rauff percebeu 70 mil marcos alemães e foi avisado a tempo de destruir todos os seus documentos quando a Polícia o prendeu em Punta Arenas em 1962. Ele foi capturado a partir de um pedido da justiça alemã, que o acusava pela execução de 98 mil prisioneiros durante o nazismo.

O processo acabou arquivado, porque a justiça chilena considerou que os crimes haviam prescrito por ter passado mais de 15 anos. Ele morreu em 1984 no Chile, onde passou os últimos anos de vida, parte deles protegido pelo regime de Augusto Pinochet.

sábado, 24 de setembro de 2011

PML: nosso Tea Party (...) anti-social se esconde atrás da bandeiras extremistas, que fingem não ser de direita nem esquerda.

Texto publicado no sítio da Revista Época.

Ballerina, de Jan Saudek.

Paulo Moreira Leite

Mede-se o grau de desenvolvimento político de um país pela transparencia de suas disputas cotidianas. Neste sentido o universo  político americano é mais avançado do que o brasileiro.

Um bom exemplo é o Tea Party. Trata-se de um grupo de extrema direita fanatizado, que tem um respeito absoluto e reverente pelo mercado.

Diz acreditar que o indivíduo é a principal alavanca do progresso humano. Condena o Estado acima de quase todas as coisas — menos para realizar  guerras de conquista. Afirma, querendo ser levado a serio, que toda medida destinada a criar um regime de bem-estar social não passa de um esforço na direção de uma ditadura comunista.

É ridículo, como cultura política, e regressivo, como fenômeno histórico. A crise economica dos EUA, grande parte provocada por essas idéias, é uma demonstração do caráter nocivo deste condomínio conservador. Mas é mais honesto do que ocorre no Brasil.

Nosso Tea Party é difuso, anti-social e não se apresenta como tal. Esconde sua visão de mundo atrás da bandeiras extremistas, que fingem não ser de direita nem esquerda.

Está presente nos partidos políticos, mas também em artigos da mídia e em gabinetes de alto poder econômico e decisiva influencia política.

Seu discurso considera o Estado é uma entidade mal-assombrada que só deveria existir para perseguir os desajustados e os inconformados. Combate toda idéia que poderia levar a uma melhoria na proteção social e denuncia qualquer esforço para diminuir a concentração de renda.

Agindo num país muito mais pobre e desigual do que o original americano, nosso Tea Party faz uma tradução adaptada e empobrecida da mesma retórica.  Procura se esconder atrás de causas universais para esconder que se move em nome de interesses bem particulares.

Nessa versão tropicalizada, alega que tudo o que sobrevive às voltas do Estado não é embrião de comunismo mas fruto de um roubo. Como os originais americanos, nosso Tea Party adora o setor financeiro. Seus integrantes falam como se fossem anarquistas de direita mas, num tributo (sem ofensa) às mazelas nacionais, seus verdadeiros líderes e inspiradores tiveram vários flertes e até muito mais do que isso nos tempos da ditadura militar.

Em matéria de liberdades públicas, nosso Tea Party confunde liberdade de expressão com direito de venda. É contra todo e qualquer protecionismo, a menos que se destine a proteger seu mercado.

Mas alimenta uma doutrina contra uma intervenção dos poderes públicos, mesmo que patrocinada por autoridades escolhidas pelo voto popular, para modificar a distribuição de renda e assegurar benefícios aos brasileiros que não tem renda para adquiri-los. Acham que combater a desigualdade social é ir contra a natureza humana.

Por coerencia, nosso Tea Party é contra um regime de saúde pública, que considera errado  num país grande e baixa renda per capta como o nosso. Os sistemas públicos tendem a nivelar as pessoas e, de seu ponto de vista, isso é ruim.

Os mais atirados dizem que o SUS é uma utopia socialista, inviável em função de nossa renda per capta — seguindo um raciocínio que leva a crença de que o salve-se quem puder deveria virar artigo da próxima Constituição.

Os mais preparados preferem a linha policial. Alegam que todo aumento de gasto nessa área será desviado e roubado. É irracional e irreal mas funciona. Um número impressionante de brasileiros acredita nisso sem fazer contas simples.

É difícil saber quem rouba de quem quando se constata que nossa saúde privada consome 55% de todos os gastos com saúde do país mas só atende 25% da população. É um imenso e escandaloso programa de transferência de renda ao contrário. Todo dinheiro gasto com saúde pelo cidadão comum pode ser descontado do imposto de renda, privando o Estado de recursos que seriam úteis para a educação, para as obras públicas e até para a saúde. Mas estamos falando de ideologias, não de realidades.

Uma pessoa que tem um plano de saúde privado razoável irá gastar em torno de R$ 400 por mes ou mais.  São R$ 4800 por ano. Nem em dez anos deixaria uma quantia equivalente se tivesse de pagar uma contribuição de 0,1% em sua movimentação financeira como contribuição a saúde.

Continuaria tendo direito a assistencia médica mesmo que perdesse o emprego e não tivesse um centavo no banco. E faria parte de um sistema onde aqueles que tem mais pagam mais. Pode não ser correto do ponto de vista da igualdade alimentado pelo Tea Party. Mas é o justo conforme o padrão ético de muitas pessoas e toda escola progressista de diminuição da desigualdade.

Com frequencia, sempre que tem de enfrentar uma cirurgia delicada o cliente de um plano privado tem de travar uma longa batalha para valer seus direitos, que nem sempre serão respeitados. Nem todos os remédios nem tratamentos que sua doença exige serão oferecidos de forma gratuita. Como acontece também no SUS, poderá ser forçada a lutar por eles na Justiça. Mas o cidadão do plano privado não acha que está sendo roubado quando paga sua mensalidade.

Tampouco fica inquieto quando seus médicos fazem greve para denunciar ganancia patronal.  No fundo, recusa-se a acreditar numa realidade matemática: os planos de saúde só podem ficar de pé enquanto não precisam entregar os serviços que cobram. No dia em que você precisa mesmo desses serviços, é expelido dos planos, ou forçado a pagar mensalidades inviáveis para a maioria das pessoas da mesma faixa de risco. Não é maldade. É plano de negócios.

Um raciocínio parecido aplica-se a Previdencia Social, cuja falencia é anunciada periodicamente como uma fatalidade técnica — mas que tem apresentado uma contabilidade menos complicada ano a pós ano, graças a uma política oficial que faz o óbvio e apenas ele: defende os empregos formais, facilita o registro em carteira e multa a empresa que não cumpre suas obrigações.

Nesse terreno dificil, o Tea Party deixa no ar a sugestão de que a aposentadoria privada é uma alternativa séria e que a Previdencia, quanto menos dinheiro tiver, menos roubará. O problema é que as previdencias privadas até podem ser úteis para quem pode pagar por elas, mas todo analista sério sabe que nenhuma oferece os mesmos benefícios, pelo mesmo preço, como o INSS.

Há uma boa razão para nosso Tea Party assumir uma identidade esquiva e fugidia. Seu discurso pode até existir nos Estados Unidos, país com uma história muito diferente da nossa, onde a economia privada atingiu uma força sem paralelo na América ou no Velho Mundo. No Brasil, com uma condição histórica muito diferente, um grau de desigualdade maior e carencias também maiores, o Estado oferece um padrão mínimo de assistencia que não é desprezível, embora seja totalmente insuficiente. Nesse geografia, o Tea Party só pode atuar na sombra, procurando causas universais para interesses bastante privados.

E não é? Bem, você sabe.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

BBC: em Israel, dezenas de intelectuais pedem a criação do Estado Palestino.


Atualizado em 22 de setembro, 2011 - 20:17 (Brasília) 23:17 GMT

Dezenas de intelectuais de Israel participaram nesta quinta-feira, em Tel Aviv, de uma manifestação pedindo o reconhecimento do Estado Palestino e advertindo de que o governo do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu "está levando os cidadãos do país a uma catástrofe".

O grupo - composto por escritores, cientistas e artistas - se reuniu em frente ao prédio onde foi assinada, em 1948, a declaração da independência de Israel, na Avenida Rotschild, no centro de Tel Aviv.

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A escolha do local foi feita para salientar o fato de que o Estado de Israel foi fundado, porém o Estado Palestino - que devia ser criado após a decisão da ONU, de 1947, sobre a partilha da Palestina - não existe até hoje.

O protesto ocorreu um dia antes do discurso do presidente palestino, Mahmoud Abbas, na ONU, no qual deverá pedir o reconhecimento do Estado Palestino nas fronteiras anteriores à guerra de 1967.

Os manifestantes divulgaram um abaixo-assinado apoiando o reconhecimento da Palestina e criticaram Netanyahu. “Diante de nossos olhos estarrecidos ocorre uma cena inacreditável – o premiê de Israel conduz os cidadãos para Massada", afirmaram, em referência ao suicido coletivo cometido no ano de 73 por guerreiros judeus que lutavam contra o Império Romano.

Maio de 68
Um dos participantes mais famosos no protesto era o líder do movimento estudantil na França em 1968, Daniel Cohn-Bendit.

"Este governo está nos levando para um desastre. Acredito na igualdade entre os seres humanos e fico indignado com o fato de que nosso governo ignora a necessidade dos palestinos de ter um Estado independente"
Alex Levac, fotógrafo vencedor do Prêmio Israel

Em entrevista à BBC Brasil, ele elogiou a decisão de Abbas de recorrer à ONU, pois com essa medida o presidente palestino "está obrigando a comunidade internacional a se mexer".

"Depois do pedido de Abbas algo terá que acontecer e tudo é possível, tanto o mal como para o bem. Pode haver violência, mas também pode haver uma retomada das negociações", disse.

Cohn-Bendit disse ainda que "os palestinos têm direito de ter o Estado deles exatamente como os israelenses têm direito a seu Estado".

Na opinião do político, que hoje é membro do Parlamento Europeu, não são os palestinos que apresentam um entrave às negociações de paz, e sim o governo de Netanyahu.

Salvar vidas
Durante o protesto, o astrofisico da Universidade de Tel Aviv, Elia Leibowitz, disse à BBC Brasil que resolveu participar "para poupar vidas".

"Se você colocar uma pluma na nascente de um rio ela vai acabar chegando até o mar. Não é mais simples colocar a pluma diretamente no mar?", questionou Leibowitz, acrescentando que "o Estado Palestino vai ser fundado, a única questão é quantos mortos ainda haverá até que isso aconteça".

"Quando são seres humanos e não plumas que fluem no rio, muitos morrem no caminho", disse.

Já o artista gráfico David Tartakover - ganhador do Prêmio Israel, a láurea mais importante outorgada pelo Estado - se mostrou mais pessimista.

"Estes deveriam ser dias de festa para nós os israelenses, com a declaração do Estado Palestino, mas infelizmente, por causa dos interesses eleitorais de Obama, estamos em uma situação sombria", afirmou o artista, em referência ao discurso proferido pelo presidente americano na ONU, em que se opôs à aceitação do pedido de reconhecimento ao Estado Palestino.

O fotógrafo Alex Levac, também ganhador do Premio Israel, se mostrou ainda mais pessimista.

"Este governo está nos levando para um desastre. Nasci na Palestina, na época do Mandato Britânico, mas a sede territorial e messiânica que vigora aqui mudou completamente a realidade. Acredito na igualdade entre os seres humanos e fico indignado com o fato de que nosso governo ignora a necessidade dos palestinos de ter um Estado independente".

Tensões
Em seu discurso, o ex-diretor geral do ministério das Relações Exteriores, Alon Liel, se dirigiu ao presidente Abbas.

"Vá em frente, Abu Mazen (apelido do presidente palestino), não perca a esperança por causa do discurso eleitoreiro de Obama, vá direto à Assembleia Geral da ONU e vocês, os palestinos, poderão obter 150 votos em seu favor".

"Não desista, Abu Mazen, a História vai julgar os países que votarem contra o reconhecimento do Estado Palestino, inclusive Israel", acrescentou Liel.

O governo israelense afirma que o reconhecimento do Estado Palestino aumentaria as tensões regionais e não resolveria as questões bilaterais pendentes.

Semer e a Comissão da Verdade: a tolerância com a tortura é combustível para a persistência da violência policial no Brasil

Lá em baixo, reproduzo um artigo de Marcelo Semer para o Terra Magazine.

Ramsey, Lake Oswego de Mark Morrisroe

Confesso, sem vergonha, que a criação de uma Comissão da Verdade nunca esteve no topo da lista de prioridades na minha agenda política pessoal. Tendia a apoiar boa parte das concessões políticas feitas, neste ponto, em favor da aprovação de medidas voltadas para a construção do futuro deste país.

Continuo acreditando mesmo que, quando possível, é melhor seguir adiante do ficar remoendo o passado. 

Ultimamente, entretanto, tenho me questionado bastante sobre a possibilidade, nesse caso específico, do "seguir em frente sem olhar pra trás". Tenho tido a impressão de que coisas como um certo desapreço pelas instituições democráticas e a leniência com a violência policial, por exemplo, podem mesmo decorrer da nossa opção por não exaurir de vez as nossas contas com o nosso passado antidemocrático.

Talvez tenhamos mesmo que liberar aqueles gritos do passado que ainda restem sufocados, para, aí sim, pararmos de ouvir e viver seus ecos.

*****

Marcelo Semer
De São Paulo

A Câmara dos Deputados pode, finalmente, aprovar nesta quarta-feira o projeto que institui a Comissão da Verdade.

Destinada a jogar luz sobre violações de direitos humanos, praticadas especialmente nos anos de chumbo, a comissão vai possibilitar o encontro do país com a história que lhe vem sendo sonegada há décadas.

Há cadáveres insepultos na sombria memória da ditadura e escondê-los debaixo do tapete não é propriamente uma experiência republicana.

O processo de redemocratização que se iniciou ao final do regime militar não se completará sem que o direito à memória esteja garantido.

Centenas de famílias conviveram com a crueldade de terem tido seus filhos violentamente arrancados de si, sem que tivesse sido possível sequer enterrar os corpos dos que jamais voltaram.

Se hoje pregamos a transparência e nos indignamos com a votação secreta que absolve um parlamentar pelo corporativismo, é sinal de que a verdade continua sendo um valor imprescindível para a sociedade.

Não se constrói democracia sem verdade, nem se ergue da justiça a clava forte, com silêncio, ocultação e mentiras.

O esquecimento não produz conciliação, cria monstros.

Ao justificar a pouca oposição que supunha obter com a matança generalizada de judeus, Hitler costumava indagar a seus oficiais: "quem se lembra do genocídio armênio" -, ocorrido duas décadas antes.

É preciso entender que a comissão da verdade não é uma instância julgadora.

Ainda que se disponha a "promover o esclarecimento circunstanciado dos casos de torturas, mortes, desaparecimentos forçados, ocultação de cadáveres", não tem nem terá competência para julgá-los.

Boa parte dos países da América Latina que superaram suas ditaduras, revogaram leis de anistias ou atualizaram suas jurisprudências de acordo com as normas internacionais, para julgar crimes de lesa humanidade cometidos no período.

Por aqui, entretanto, o STF segue ignorando a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos que em decisão vinculativa afastou qualquer obstáculo jurídico aos processos.

O objetivo da comissão, no entanto, é outro.

Sua função é escrever a história oficial, "recomendar a adoção de políticas públicas para prevenir violação de direitos humanos, assegurar sua não repetição e promover a efetiva reconciliação nacional".

A exposição de uma verdade jamais será revanchismo. Ao contrário, impedi-la é um segundo crime que se comete contra as mesmas vítimas.

É preciso entender que a tolerância com a tortura praticada supostamente por razões de Estado é um importante combustível para a violência policial que persiste até nossos dias.

No esconderijo dos erros, a justificativa de que a truculência pode ser admissível quando for para combater um "inimigo".

É assim que os esquadrões da morte que nasceram nos calcanhares da ditadura se perpetuaram como grupos de extermínio. Muitos aplaudem quando eles matam "bandidos" - mas quem não se repugna quando a violência policial atinge uma juíza que se notabilizou por aplicar a lei para puni-los?

O acesso à verdade é um dos componentes da liberdade de expressão.

É difícil levantar o estandarte da liberdade de exprimir um pensamento e ao mesmo tempo coonestar com a ocultação de informações que possam justificá-lo.

Liberdades pela metade costumam apenas servir de álibis para a mera proteção de interesses pessoais.

É preciso passar a limpo esta página infeliz da nossa história justamente para que não se repita.


Marcelo Semer é Juiz de Direito em São Paulo. Foi presidente da Associação Juízes para a Democracia. Coordenador de "Direitos Humanos: essência do Direito do Trabalho" (LTr) e autor de "Crime Impossível" (Malheiros) e do romance "Certas Canções" (7 Letras). Responsável pelo Blog Sem Juízo.
Fale com Marcelo Semer: marcelo_semer@terra.com.br ou siga@marcelo_semer no Twitter

Atenção!

A Assembléia Geral da ONU e um novo ator na luta contra a pena de morte.

Artigo publicado pelo Opera Mundi.

Do arquivo do blog:
New York Times: a pena de morte é duas vezes incompetente, porque, além de não resolver o problema, é mais cara que as outras alternativas.

Contra a pena de morte, um novo ator entra em cena
1/01/2011 - 14:29 | Federico Mayor Zaragoza | Barcelona

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em dezembro de 1948, reconhece o direito de toda pessoa à vida (Art. 3) e afirma categoricamente: “Ninguém será submetido a torturas nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes” (Art. 5).

De fato, a pena capital é a negação mais extrema dos Direitos Humanos: viola o direito à vida, direito supremo já que o exercício de qualquer outro direito pressupõe existir. É o castigo mais cruel, desumano e degradante. A pena de morte é, com frequência, discriminatória, desproporcional e arbitrária, e, sobretudo, pode ser injusta, indevida.

As Nações Unidas fixaram, em vários pactos e convênios internacionais, condições rígidas, unicamente sob as quais poderia eventualmente ser aplicada a pena de morte naqueles Estados que ainda não haviam decidido pela abolição.

Como diz o informe do secretário-geral das Nações Unidas, de agosto de 2010, confirma-se uma sólida e constante tendência mundial para a abolição da pena capital. Atualmente, mais de dois terços dos países a aboliram de sua legislação ou na prática.
A comunidade internacional aprovou quatro tratados abolicionistas. O primeiro deles é de âmbito mundial e os outros três são regionais.

O Estatuto do Tribunal Penal Internacional, adotado em 1998, exclui a pena capital, apesar de ter competência sobre crimes extremamente graves, como os cometidos contra a humanidade, entre eles genocídio e violações das leis que regem os conflitos armados. Exclusão que também fizeram os tribunais especiais de Ruanda, Timor Leste, da ex-Iugoslávia ou dos Tribunais Especiais para o Camboja.


Cientificamente, nunca se conseguiu provas convincentes de que as execuções tenham um efeito dissuasório mais eficaz do que outras penas. Um estudo feito pelas Nações Unidas em 1988, atualizado em 1996 e 2002, concluiu que “a investigação não conseguiu demonstrar cientificamente que as execuções tenham maior efeito dissuasivo do que a prisão perpétua. E não é provável que o consiga no futuro. Em conjunto, as provas científicas não oferecem nenhum apoio à hipótese da dissuasão”.

A pena de morte é irreversível, e nenhum sistema jurídico pode evitar a condenação de pessoas inocentes. Enquanto for aceita como forma legítima de castigo, existirá a possibilidade de se fazer mau uso político dela. Somente a abolição pode garantir que isso não ocorra.

Em dezembro de 2007 e 2008, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou, respectivamente, as Resoluções 62/149 e 63/168, nas quais é pedida uma moratória mundial. Na de 2008 consta uma exortação aos Estados que ainda mantinham a pena de morte para que “respeitem as normas internacionais que estabelecem salvaguardas para garantir a proteção dos direitos dos condenados à morte, em particular as normas mínimas, limitem progressivamente o uso da pena de morte, reduzam o número de crimes que possam ser punidos com essa prática, e estabeleçam moratória para as execuções, com vistas a abolir a pena de morte”.

No final de 2010, a Assembleia Geral das Nações Unidas adotou uma terceira Resolução [Resolução 65/206] sobre moratória e uso da pena de morte, com adesões que ratificam a tendência abolicionista.

Para contribuir com o aceleramento deste processo, atuando de forma complementar com as instituições já existentes, tanto no âmbito internacional como regional, do Sistema das Nações Unidas e de ONGs, foi criada recentemente, com especial apoio do primeiro-ministro espanhol, a Comissão Internacional contra a Pena de Morte, que tenho a honra de presidir. Está integrada por destacadas personalidades e conta com apoio de um grupo importante de países que favorecem a aprovação de uma moratória geral até 2015, levando, depois, à abolição da pena máxima, irreversível.

Os Direitos Humanos são indivisíveis e nenhum Estado ou pessoa pode pretender desfrutar de uns sem praticar os outros. De particular importância, por ser exemplo como referência planetária, é conseguir que os 36 Estados norte-americanos, que continuam, alguns deles, executando prisioneiros que ficam anos e anos vivendo no “corredor da morte”, reconsiderem sua atitude.

Uma preocupação especial é a China, já que existe constância, inclusive gráfica, de execuções “em série”, mas, como ocorre em aspectos de outra índole, não se facilita a menor informação a respeito. É inaceitável que um país que se converteu na “fábrica do mundo”, e tem um imenso poder financeiro por sua privilegiada posição comercial, não respeite os princípios mais elementares de transparência que a “aldeia global” requer. Quando alguns ditadores alegam que a pena de morte é um “clamor popular” é porque divulgam, pelos meios de comunicação, informações tendenciosas, desprovidas de todo rigor.

Assim, colaboremos todos: governantes, parlamentos, mídia, comunidade intelectual e artística, sejam quais forem nossas ideologias e crenças, para que o horror da pena de morte desapareça da face da Terra. Esse será um dia luminoso para a Humanidade. 

*Federico Mayor Zaragoza é presidente da Fundação Cultura de Paz, presidente da Comissão Internacional contra a Pena de Morte e ex-diretor geral da Unesco. Artigo publicado originalmente pela agência IPS e, em português, pelo Envolverde.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

O Bolsa Família está comprando filhos?


E “O Globo” me vem com mais uma pérola em sua longa cruzada contra o Bolsa Família. Depois de regsitrar opiniões de 4 “especialistas” sobre a ampliação do programa – e só ouvir elogios à providência –, ao menos em sua versão online, o “jornal” tascou a manchete: “Polêmica à vista – Ampliação do Bolsa Família poderia incentivar a natalidade se valor fosse maior, dizem analistas.”

Interessante: à vista de quem está a polêmica? Os quatro analistas ouvidos concordam nos elogios à ampliação. E mais: os quatro concordam que a mudança não causará qualquer aumento na fecundidade das mulheres ou na taxa de natalidade.

Aliás, pode ser implicância minha, mas o que a estrutura das respostas indica é uma tentativa desesperada do “jornal” em cavar um declaração bombástica acerca de supostos efeitos da ampliação do programa sobre a taxa de fecundidade.

Das declarções, três começam eleogiando a alteração no Bolsa Família para, em seguida, abordar uma mesma suposta consequência, que descartam: o estímulo à geração de filhos. O outro, ainda mais direto, começa logo com a seguinte frase: “Olha, R$ 32 não fazem ninguém engravidar, não vejo como incentivo. A população hoje é essencialmente urbana e ter um filho sai muito caro. Mesmo que sejam quatro ou cinco crianças recebendo o Bolsa, não vale a pena”

Daria tudo para ver as perguntas respondidas.


Dos arquivos do blog, mais sobre o Bolsa Família:
Desde a implantação do Bolsa Família, a Taxa de Natalidade já caiu 25%
Valor: Bolsa família reduz evasão escolar e melhora aproveitamento dos alunos.
Valor: bolsa-família e crescimento do NE já reduzem o flagelo das migrações para o Sul.
Correio Braziliense: Marcos Coimbra e a má vontade da imprensa com o Bolsa Família.
Newsweek: com suas conquistas desde 2003, o Brasil surge como modelo na luta contra a pobreza.

Agência Brasil: OIT diz que programas sociais do governo Lula são exemplo no combate ao trabalho escravo infantil.
Apenas o véu ideológico impede que se enxergue os efeitos do Bolsa Família na economia, diz João Paulo Kupfer
Ultimo segundo: o ganho tributário auferido é 70% maior do que o total de benefícios pagos pelo Bolsa-Família, "dizem especialistas".


Outra coisa interessante na manchete é que ela se refere a uma política pública (o Bolsa Família), mas analisa uma outra – que só existe na cabeça do seu autor. A política pública analisada na matéria foi uma ajuda de R$ 32, a partir da gestação, para as mães de mais de 5 filhos. Essa é a política pública, provavelmente com valores calibrados exatamente para evitar o suposto “efeito negativo potencial” sobre a taxa de fecundidade.

Mas de que trata a manchete – e não a matéria, diga-se? De uma inexistente política pública, que pagaria valores substancialmente mais elevados e que, segundo dois dos quatro analistas ouvidos, poderia, em tese, ter algum efeito sobre a taxa de fecundidade. É a manchete sobre o inexistente, sobre o imaginado pelo editor.

E uma curiosidade. Ao menos um dos entrevistados chutou um valor de benefício que, imagina ele, poderia, em tese aumentar a taxa de fecundidade. Segundo ele, se esta política publica imaginária pagasse benefícios no valor um salário mínimo talvez as pessoas tivessem mais filhos por causa dele. Ou seja, para ter o feito negativo, a política pública tratada na manchete teria que pagar o valor equivalente 17 vezes o benefício pago pelo programa existente, o Bolsa Família.

Salta aos olhos, também, outra coisa, contudo. Os dois analistas que se propuseram a imaginar um eventual efeito negativo desta outra polítca pública - lembre-se, inexistente - cuidaram de fazer uma mesma resslava. Ambos frisaram que “ nenhum estudo feito até hoje apontou que o programa leve a aumento de fecundidade”.

Na verdade, como pode ser visto aqui, desde a implantação do Bolsa Família, a taxa de fecundidade (nº de filhos por mulher em idade fértil) caiu cerca de 25%.

Mas, apesar do grotesco dessa matéria da versão online, a capa da versão impressa do “jornal” mostra que, em se tratando de “O Globo” tudo sempre pode ser pior.

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Como mostra a imagem acima, a manchete da versão impressa de “O Globo” de hoje diz: “Bolsa Família pagará por 5 filhos desde a gravidez”.

Sou um chato, ou quem “paga por algo” retribui um bem ou serviço? Apesar da ressalva técnica e covarde em letras miúdas, a manchete em letras garrafais não sugere que o Bolsa Família remunerará a geração de quantidades maiores de filhos?

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Polêmica à vista
Publicada em 19/09/2011 às 22h39m
Alessandra Duarte (duarte@oglobo.com.br) e Carolina Benevides (carolina.benevides@oglobo.com.br)

RIO - Uma ampliação natural para um programa que beneficia mulheres - as responsáveis, nas famílias, por receberem o dinheiro do Bolsa Família -, e em linha com reajustes ao programa já feitos este ano. Mas o benefício extra de R$ 32 a grávidas e mulheres que estejam amamentando também pode levar no futuro, caso esse valor extra aumente com o tempo, a um risco potencial de estímulo à natalidade. Economistas e pesquisadores do Bolsa Família ouvidos pelo GLOBO dizem que a ampliação anunciada nesta segunda-feira tem o efeito positivo de levar mais recursos para uma fase essencial do desenvolvimento da criança, a primeira infância. Para alguns, o efeito negativo potencial, que seria o estímulo para que famílias pobres tenham mais filhos para receber o benefício, poderia vir apenas se houvesse aumento expressivo dos R$ 32.


Professor da Escola de Economia da FGV-SP, André Portela fala de "aspectos positivos e potencialmente negativos" da ampliação:

- O positivo é que se trata do aumento de renda de um programa com boa focalização, que vai especificamente para famílias muito carentes. Sendo ampliado para, por exemplo, mulheres que amamentem, é um dinheiro a mais que vai para uma fase importante da vida da criança - diz. - Agora, o risco negativo potencial é se criar um incentivo ao aumento da natalidade, e isso poderia contribuir para a continuidade das condições de pobreza daquela família. No entanto, nenhum estudo feito até hoje apontou que o programa leve a aumento de fecundidade. Além disso, se o valor começasse a subir, poderia até passar a ser um atrativo e levar a esse estímulo, mas, como é hoje, é baixo para isso.

- É uma ampliação em linha com as duas mudanças deste ano: o reajuste e o aumento do limite máximo de três para cinco filhos. Dar ênfase às crianças é louvável. Estudos mostram que a primeira infância é estratégica, e que qualquer benefício traz efeitos permanentes. Por outro lado, pode ser que o benefício aumente a fecundidade. Mas é importante não haver bloqueios ideológicos por conta disso ou já sair dizendo que o benefício pode incentivar a ter mais filhos. O tempo e os dados vão mostrar os custos e os benefícios da ampliação - diz Marcelo Neri, professor da FGV-RJ.

Do conselho do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets) e ex-presidente do IBGE, o sociólogo Simon Schwartzman não vê risco de a ampliação levar as famílias a terem mais filhos, justamente pelo baixo valor.

- Há estudos que já mostraram que o programa diminuiria um pouco a carga de trabalho das mulheres beneficiárias, mas, no caso de gestantes e mulheres amamentando, se isso ocorrer, pode até ser visto como positivo. Mas não há pesquisa que tenha apontado maior número de filhos por causa do benefício. Se fosse um salário mínimo... Mas R$ 32 vão é dar uma folga para a família comprar um pão - diz Schwartzman. - O importante é que as contrapartidas, as exigências feitas às famílias, como realização de pré-natal, continuem.

- Olha, R$ 32 não fazem ninguém engravidar, não vejo como incentivo. A população hoje é essencialmente urbana e ter um filho sai muito caro. Mesmo que sejam quatro ou cinco crianças recebendo o Bolsa, não vale a pena. Creio que o dinheiro faça com que a mulher se sinta mais segura na gravidez e amamentação, e que sirva para que o Estado tenha de assegurar o acesso ao pré-natal, por exemplo, que já é uma contrapartida do programa - completa Marcel Guedes Leite, economista da PUC-SP, que já realizou diversos estudos sobre o Bolsa Família. - Além disso, como o benefício é entregue à mãe, é mais provável que seja usado para melhorar a alimentação.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Os milagres, a língua e o carnaval

Duas anotações e duas pinturas: só isso.
Carnaval em Madureira, de Tarsila do Amaral

"Os milagres acontecem a cada segundo. Os melhores costumam ser discretos. Os grande são secretos."

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"Assim como nós criamos as línguas, elas também nos cria a nós. Mesmo que não o façamos de forma deliberada, todos tendemos a selecionar palavras que utilizamos com maior frequência, e esse uso forma-nos ou deforma-nos, no corpo e no espírito. Um carroceiro, que os dicionários definem como aquele que conduz carroças, quer aquele que se comporta de forma grosseira, adquire pouco a pouco a natureza áspera dos tabuísmos que utiliza. Tabuísmo, poupo-vos por esta vez a consulta ao dicionário, é como chamamos às palavras e locuções consideradas chulas ou demasiado agressivas. Palavrões. Um político ganha com o tempo o aspecto esquivo, cinzento, pouco confiável, de vocábulos como constitucionalmente, compromisso, fraturante etc. (longo bocejo). Os palhaços usam, ou deixam-se usar, por palavras largas e coloridas (a prosódia é intolerável). Os militares – como os rappers – preferem monossílabos, acrónimos, termos sólidos e duros, como guerra, de origem germânica, quase um berro, como aqueles dois erres espinhosos que arranham a garganta.

Podemos alargar esta tese para as diferentes nações. Claro que quanto mais ampla for a generalização maior o risco de errar. Feito o aviso, não custa atribuir a obstinada melancolia dos portugueses ai uso desregrado da palavra saudade, no fado, na poesia, no discurso dos filósofos e dos políticos. Seria interessante estudar o quanto o culto à saudade contrariou, vem contrariando, o esforço para desenvolver Portugal. Já a famosa arrogância e o otimismo dos angolanos poderiam dever-se à insistência em termos como bué (“Angola kuia bué”), futuro, esperança ou vitória. No que respeita à alegria dos brasileiros, poderíamos talvez imputá-la as duas ou três palavras fortes que acompanham desde há muito a construção e o crescimento do país: mulato/mulata, bunda, carnaval.”

Suave coisa que em mim amadurece

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

The world is a dynamic mess



Via Trabalho Sujo e O Universo.


A letra:
[Morgan Freeman]
So, what are we really made of?
Dig deep inside the atom
and you’ll find tiny particles
Held together by invisible forces
Everything is made up
Of tiny packets of energy
Born in cosmic furnaces
[Frank Close]
The atoms that we’re made of have
Negatively charged electrons
Whirling around a big bulky nucleus
[Michio Kaku]
The Quantum Theory
Offers a very different explanation
Of our world
[Brian Cox]
The universe is made of
Twelve particles of matter
Four forces of nature
That’s a wonderful and significant story
[Richard Feynman]
Suppose that little things
Behaved very differently
Than anything big
Nothing’s really as it seems
It’s so wonderfully different
Than anything big
The world is a dynamic mess
Of jiggling things
It’s hard to believe
[Kaku]
The quantum theory
Is so strange and bizzare
Even Einstein couldn’t get his head around it
[Cox]
In the quantum world
The world of particles
Nothing is certain
It’s a world of probabilities
(Refrão)
[Feynman]
It’s very hard to imagine
All the crazy things
That things really are like
Electrons act like waves
No they don’t exactly
They act like particles
No they don’t exactly
[Stephen Hawking]
We need a theory of everything
Which is still just beyond our grasp
We need a theory of everything, perhaps
The ultimate triump of science
(Refrão)
[Feynman]
I gotta stop somewhere
I’ll leave you something to imagine

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Se Dona Maria soubesse...

Sentido, mistérios e o que se leva


Uma gravura, uma anotação antiga (2007) e um textinho antigão (2004).

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Chuva, de Oswaldo Goeldi


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"A felicidade não tem mistérios. 


As pessoas infelizes são todas parecidas. Uma ferida antiga, um desejo negado, um golpe na vaidade, um lampejo de amor extinto pelo desprezo - ou, pior, pela indiferença - aderem a elas, ou vice-versa, e assim elas vivem todos os dias envoltas num véu de ontens. O homem feliz não olha para trás. Ele não olha para adiante. Ele vive o presente. 



Entretanto, é nisso que reside o problema. Existe algo que o presente jamais pode oferecer: um sentido. Os caminhos da felicidade e do sentido não são os mesmos. Para encontrar a felicidade basta que o homem viva apenas o momento. Mas se deseja encontrar um sentido - um sentido para os seus sonhos, para os seus segredos, para a sua vida -, o homem deve se reinstalar em seu passado, por mais sombrio que seja, e viver para o futuro, por mais que seja incerto. Assim, a natureza acena a todos com a felicidade e o sentido, insistindo apenas para que escolhamos entre eles."
Jed Rubenfeld, in A interpretação do Assassinato


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Sentido? 

Rémy está doente e logo morrerá, sabe-se bem no início de "As Invasões Bárbaras". Não existe nada que alguém possa fazer para impedir; não há cura possível. Só nos resta, assim como aos personagens do filme, esperar pelo inevitável. Não existe a quem odiar ou ao que maldizer por culpado. Sequer sabemos, nós espectadores, que doença levará Rémy para, personificando-a, a ela dirigir a raiva. A morte dele não é planejada por um Sauron malévolo, que com ela se apraz e dela se alimenta. Ela é sim a conseqüência mesmo de se estar vivo e, se faz parte dos planos de alguém, é daquele mesmo que generosamente a vida nos deu.
A consciência de que um dia sua vida chegará ao fim é, obviamente, comum a todos nós, humanos, apesar de nos esforçarmos ao máximo para disso esquecer. Isso não é novidade: todos, salvo casos de grave alienação - como a adolescência, por exemplo - sabemos que ao nascer temos apenas uma certeza inexorável: a de que morreremos. A situação de Rémy, no entanto, é outra. Ele sabe que o fim está próximo, e é já tão certo que nenhuma artimanha ajudará a torná-lo menos presente. No seu caso, não há contra o que lutar ou esperança de uma salvação - que será sempre, claro, uma postergação. 

Sem uma luta ou esperança a que se agarrar, só resta a Rémy, e aos que estão a sua volta, viver cada momento desta espera pelo irremediável, deste apagar-se triste e melancólico, porém calmo, uma vez que certo. Sem expectativa não há lugar para dramalhões rasgados, seja na ficção, seja na vida real.  Se o futuro não reserva mais surpresas que o supram de ansiedade, só resta a Rémy avaliar o passado. E buscar um sentido para sua existência, uma vez que o geométrico, impossível não ver, é sempre a morte: é para ela que a vida, desde o nascimento, aponta. 

É nesta busca do significado para a vida, surgida da constatação de que sem tardar ele deixará mesmo de existir - o que torna o porvir irrelevante, uma vez que ele mesmo já não estará aqui para o testemunhar - que Rémy revê a trajetória de sua geração (a dos célebres jovens da década de sessenta) e a sua própria opção de vida, uma mistura complexa de esquerdismo, intelectualismo e hedonismo sensual. Na história que construiu para si, percebe ele finalmente que, apesar da vida dedicada à universidade, não foi capaz de escrever um livro importante que assinalasse sua existência e que os filhos, cujos caminhos de fato desconhece, trilharam tais sendas sem que delas tenha ele participado da estruturação.

Ainda que, ao final, esta última constatação, sobre sua influência sobre seus filhos, seja posta em dúvida, em determinado momento Rémy lamenta que não tenha, ao menos, aprendido algo, o que traria algum significado para sua vida. Esta estranha asserção, vinda de alguém que então, e, salvo engano, até o fim, se declara ateu, é alinhavada de forma comovente com a seguinte frase: "Sinto que vou embora como nasci: sem nada".

Apesar de confessar um ateísmo menos convicto que o de Rémy, ou, talvez, algo como um pan-sincretismo-brasileiro claudicante, acho que esta constatação final é a que mais temo que se torne realmente a minha, caso um dia me encontre na situação dele. Consciente da finitude da existência, e com ela inconformado, nos meus momentos de dúvidas, bastante comuns, é no aprendizado e aprimoramento pessoal e na vivência do que de belo e prazeroso existe nesta vida que deposito minhas esperanças de que haja um sentido para o tempo que passamos sobre esta pedrinha solta no infinito. Sinto um medo torturante de, chegada a minha hora, perceber-me exatamente igual a como nasci: sem nada. Mas será que é realmente possível fugir disto?

Paulo Moreira Leite: há saúde gratis?


Paulo Moreira Leite - 8/09/2011

Nove meses depois da terceira derrota consecutiva nas urnas, a oposição permanece firme em sua estratégia pós-eleitoral: fingir que não se sabe qual a mensagem produzida pelo eleitor para tentar bloquear toda iniciativa do governo que não lhe interessa.

É do jogo democrático. Aquilo que se perde nas urnas tenta-se recuperar nos bastidores.
Vale tentar. Só não vale se fazer bobo nem criar histeria.

Esse debate tem relevancia especial quando o governo Dilma dá sinais de que pretende levantar recursos para financiar a saúde pública, que podem incluir a criação de uma taxa semelhante à CPMF que foi exinta (por 1 voto) no Senado. O fim da CPMF foi única vitoria da oposição no segundo mandato de Lula.

Detalhe político: os principais líderes da votação foram incapazes de renovar seus mandatos nas urnas nas eleições seguintes. Que vexame, não?

Detalhe nos costumes: as investigações da Operação Castelo de Areia revelaram que se criou um esquema de verbas clandestinas para financiar a bancada que derrubou a CPMF. Foram milhões de dólares desviados de estatais ligadas ao PSDB e a grandes empreiteiras, num esquema articulado pela FIESP.

Listas de arrecadadores foram publicadas em jornais e revistas, com datas, valores, origens. O repórter Walter Nunes publicou na Época reportagens muito instrutivas a respeito. Havia quantias, nomes, e até cargos.

Mas, talvez pela falta de um porta-voz tão articulado como o ex-deputado Roberto Jefferson, que denunciou o mensalão do PT, desta vez ninguém falou do mensalão anti-CPMF. Seria muito mais honesto e divertido, concorda? Também ajudaria a entender tamanha combatividade da bancada da oposição para derrotar uma idéia que nasceu no governo de Fernando Henrique Cardoso, por obra de um médico tão respeitado como Adib Jatene. Até por uma questão de respeito a si mesma,  a oposição não deveria ter combatido a CPMF com tanto empenho assim.

Já disse em mais de uma ocasião que, no debate sobre verbas para a saúde, Dilma precisa chamar Warren Buffett, o bilionário americano que declarou que acha injusto pagar tão poucos impostos impostos em meio a uma crise tão grande.

É isso. A crise mundial levou bilionários do mundo inteiro a aceitar a idéia de que os ricos também podem colocar a mão no bolso e fazer um pouquinho de sacrifício para ajudar seus países a tirar o pé da lama. E isso pode implicar, no Brasil, em pagar 0,1% de sua movimentação bancária para ter hospitais melhores, médicos mais aplicados, enfermeiros melhor treinados. (O,1% equivale à milionesima parte da movimentação bancária de uma pessoa. Se você movimenta R$ 120 000 por ano, faça a conta de quantos reais irá deixar na CPMF por esse período… [Tá com preguiça? Então, lá vai: dá R$ 120,00 por ano, ou  R$ 9,23 por mês para um salário de R$9.230.])Mas a proposta está ainda em estudos, ninguém sabe qual é a idéia, exatamente. Só não vale empurrar para o Pre-Sal, que só começa a jorrar alguma coisa depois de 2015, quando muita coisa pode mudar no ambiente político, vamos combinar.

E não vale dizer que é preciso cortar primeiro os gastos para cobrar uma nova taxa depois. Afinal, ninguém quer fazer mau juizo da competencia do governo do PSDB para examinar as contas do governo, não é mesmo?

Verdade que parte das verbas da saúde foram desviadas de suas funções originais e será preciso cuidar para evitar novos abusos. Também é preciso dar conta de imensos problemas de gestão que o Estado brasileiro enfrenta e que se manifestam no setor. Mas não vamos brincar com as dores e doenças dos outros.

Não vamos por a mão na cabeça e fingir num gesto dramático que é preciso refundar o Brasil toda vez que se quer encarar um problema sério. Essa é a melhor forma de não resolver nada.

A idéia de criar novas taxas é inatacável do ponto de vista de um governo ocupado em controlar suas despesas. Madrinha de novos e velhos conservadores, a primeira-ministra britanica Margaret Tatcher não se cansou de fazer isso.

O patrono dos economistas do Estado minimo, Milton Friedman, dizia que não há almoço gratis. Verdade. Entre num posto de saúde perto de sua casa e responda rápido: há saúde gratis?

terça-feira, 6 de setembro de 2011

I see my light come shining

Do que, afinal, tem medo a imprensa brasileira?


Mais sobre regulação da mídia e liberdade de expressão:


por Luciano Martins Costa, via Doladodelá

Há um falso debate na imprensa, alimentado pela Associação Nacional de Jornais e mantido na pauta dos diários por decisão vinda de cima para baixo, imposta aos editores pelas direções das empresas. Trata-se de uma suposta determinação do governo federal – ou de parte dele – de impor restrições ao funcionamento da mídia, nos moldes de um controle paraestatal que poderia ser confundido com a imposição de censura.


Não existe essa hipótese. Os jornais transformam em política oficial uma moção apresentada durante o 4º Congresso do Partido dos Trabalhadores, realizado no último fim de semana, em Brasília. A proposta original, de criação de um marco regulatório com objetivo de democratizar os meios de comunicação, foi apresentada como determinação a ser incluída no texto final do encontro, como parte das deliberações oficiais do partido, mas acabou rebaixada a simples moção. 

“Pluralidade de conteúdos”  
Por essa simples e transparente verdade, todas as pessoas que se deram o trabalho de ler os documentos referentes ao congresso do PT sabem que não há uma proposta oficial do partido indicando ao governo intenções de controlar ou censurar a imprensa




A manifestação das diversas correntes de opinião que formam os partidos políticos mais autênticos é parte desse festival democrático que são os congressos. Daí a transformar uma proposta colocada em debate em deliberação partidária vai um grande esforço de má interpretação. O que diz o texto final do congresso do PT é que o partido deve “repudiar, repelir e barrar qualquer tentativa de censura ou restrição à liberdade de imprensa”. 

O documento, disponível no site oficial, defende a abertura de debates no Congresso Nacional “sobre o marco regulador da comunicação social – ordenamento jurídico que amplie as possibilidades de livre expressão de pensamento e assegure o amplo acesso da população a todos os meios – sobretudo os mais modernos como a internet”. 

Diz ainda, literalmente: “As reformas institucionais não estarão completas se não forem acompanhadas da mais profunda democratização da comunicação. Além de tudo isso, as mudanças tecnológicas e a convergência de mídias precisam ser acompanhadas de medidas que ampliem o acesso, quebrem monopólios e garantam efetiva pluralidade de conteúdos.” 

Do que, afinal, tem medo a imprensa brasileira?

Preconceito: sua ignorância bem intencionada pode matar mesmo aqueles que vc ama.



Via Lambe-Lambe.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Conspícuo

Conspicuous, Tony G Pentland



Reforçar moralismos e preconceitos é informar?

Reproduzo artigo de Cynthia Semíramis, originalmente publicado em seu blog


A cultura popular é permeada com idéias que a variedade erótica é perigosa, doentia, depravada, e uma ameaça a tudo desde pequenas crianças até segurança nacional. A ideologia sexual popular é uma sopa nociva de idéias de pecado sexual, conceitos de inferioridade psicológica, anti-comunismo, histeria de massa, acusação de bruxaria, e xenofobia. A grande mídia sustenta essas atitudes com implacável propaganda (RUBIN, Gayle. Pensando o Sexo: Notas para uma Teoria Radical das Políticas da Sexualidade, p.15 [PDF])

No último mês, depois de acompanhar o blog “Cem homens“, escrito pela Letícia Fernandez, pude comprovar tudo isso aí que a Gayle Rubin está descrevendo. Letícia fala de sexualidade com leveza, sem preconceitos. Porém, dizer que faz sexo casual e que gostaria de fazer sexo com cem homens em um ano gerou diversas ondas de reações e comentários extremamente grosseiros e sem noção.

Nos comentários que Letícia divulga no Tumblr ou no twitter fica nítida uma mentalidade tacanha, machista, que acha que sexo casual é perigoso (associado a doenças), e que exercer a sexualidade por meio de sexo casual (e não dentro de um casamento heterossexual e monogâmico) é doença, depravação, fim dos tempos. Ao mesmo tempo, os homens a assediam grosseiramente, como se ela não tivesse vontade própria e só existisse para atender às fantasias deles.

E agora, temos a mídia se interessando pelo blog. Alguns pela curiosidade. Outros, como a Globo, atuando para criticar a vida sexual de Letícia (e a minha e a sua também).

O moralismo da Globo
Na semana passada a Globo colocou uma chamada no site G1 comparando Leticia com a Bruna Surfistinha (pra quem não se lembra, uma ex-prostituta). Em comum, elas têm blog e falam sobre sexo. Porém, os leitores entenderam que Letícia seria uma prostituta, e lotaram blog e caixa de e-mail com uma nova enxurrada de comentários grosseiros.

Porém, o horror maior aconteceu hoje. A rádio Globo transmitiu uma entrevista com uma mulher que se passou por Letícia. Como se não bastasse a mentira, os entrevistadores foram extremamente grosseiros. O áudio da entrevista já foi tirado do ar, mas pode ser ouvido aqui.

A entrevista em si é péssima, feita para zombar da entrevistada. Leticia é apresentada como uma jornalista baiana que quer se tornar a nova Bruna Surfistinha. Ele pergunta não só a idade dela, mas se “está tudo no lugar” [afinal, mulher só faz sexo se for bonita; e ainda tem aquele mito de que muito sexo faz o corpo da mulher desabar]. A co-apresentadora pergunta se Letícia cobra pra transar [mulher fazendo sexo casual ainda é visto como vadiagem, prostituição!], e como que ela irá provar que “deu pra cem” [como se Letícia tivesse de prestar contas pra alguém]. O apresentador pergunta se no blog tem o endereço pra quem quiser transar com ela entrar em contato [como se ela fosse uma boneca inflável à disposição dos caras, sem escolha alguma]. E finaliza dizendo “tem maluco pra tudo” [pra quê educação e neutralidade jornalística, né?]

O esclarecimento da rádio Globo, por sua vez, não esclareceu nada. Pior, demonstrou completa falta de noção de geografia e preconceito contra nordestinos. Afinal, ouviram dizer (sabe-se lá onde) que Letícia seria nordestina e, por isso, entraram em contato com uma rádio nordestina (Nordeste é uma cidade ou uma região? Quantas rádios existem no Nordeste???) que apresentou uma suposta assessora de imprensa de Letícia. Mandar e-mail para o endereço que está no blog, pelo visto, é mais difícil do que entrar em contato com uma das várias rádios do Nordeste.

Isso obviamente não é jornalismo. É moralismo do pior tipo. Com o defeito de atingir milhões de pessoas, propagando mais preconceito. A Globo teve duas oportunidades de falar sobre o blog de Letícia; nas duas vezes, foi preconceituosa. A Globo agora resolveu mudar uma abertura de novela antiga porque ela não é compatível com os padrões morais atuais do país.. No entanto, a Globo tem poder suficiente para ditar novos padrões morais, menos conservadores. Nem parece que é a emissora que criou Malu Mulher, Quem Ama não Mata, TV Mulher.

Pra saber mais sobre a Letícia, é melhor ler a entrevista feita pela Verônica Mambrini. Fica bem claro que tem uma mulher de verdade, inteligente e com ideias interessantes escrevendo o blog. Ela não é reduzida a uma vagina querendo cumprir meta, como a falsa entrevista do Globo faz parecer.

Marcha das Vadias
Não é à toa que a Marcha das Vadias tem ocorrido em diversos lugares. As mulheres estão dizendo o tempo todo “parem de querer ditar como eu devo agir em relação à minha sexualidade“. Em resposta, a mídia diz – e incentiva – exatamente o contrário: “se você quer definir o que vai fazer com sua sexualidade, eu vou te desmoralizar até você se adequar ao meu padrão de castidade“.

E aí eu volto ao início do post: como vamos mudar essa cultura machista que destrói a sexualidade das mulheres? Como parar com o tanto de comentários e agressões gratuitas infernizando a vida de uma mulher só porque ela quer fazer sexo casual e exercer sua sexualidade livremente?

Letícia não é só um pseudônimo no blog. Ela é cada uma de nós: uma mulher que todo dia luta pra exercer sua sexualidade da forma que desejar sem ser xingada ou punida por isso.

UNESCO: a lei brasileira não protege a liberdade de expressão contra a concentração dos negócios da área de mídia.


A UNESCO está incumbida pelo Sistema das Nações Unidas de agir pela garantia da liberdade de expressão. Nesta função, recentemente, ela publicou estudos elaborados por consultores internacionais visando contribuir para a discussão acerca da regulamentação da radiodifusão no Brasil.

As íntegras dos três estudos estão disponíveis em links neste endereço: Publications analyze media regulation and freedom of expression in Brazil. São eles: O Ambiente regulatório para a radiodifusãoLiberdade de expressão e regulacão da radiodifusão; e A Importância da autorregulação da mídia para a defesa da liberdade de expressão.

Transcrevo abaixo, com grifos meus, parte do texto de apresentação dos estudos, seguido do subcapítulo do primeiro deles referente à regulamentação da propriedade dos meios de comunicação.

*****

(Trechos do estudo “O ambiente regulatório para a radiodifusão: uma pesquisa de melhores práticas para os atores-chave brasileiros”, de Toby Mendel e Eve Salomon)

APRESENTAÇÃO

O direito de se expressar livremente é um fator importante de desenvolvimento do indivíduo, como ser humano e como “animal político”, e de aperfeiçoamento e radicalização das democracias.

A invenção da imprensa constituiu um divisor de águas para os debates sobre a liberdade de expressão. Não bastava mais garantir o direito de cada indivíduo de procurar, difundir ou receber informações, livremente, na interação com os demais indivíduos. Era preciso ir além, garantindo esse direito na relação com um intermediário que potencializava radicalmente o alcance das opiniões, informações e ideias: os meios de comunicação de massa.

Nesse contexto, muitos dos marcos fundadores do debate contemporâneo sobre direitos humanos (as Revoluções Gloriosa, Americana e Francesa; os escritos de John Milton, Alexis de Tocqueville e John Stuart Mill, dentre outros) dedicaram relevante atenção ao tema da liberdade de expressão e de sua relação com os meios de comunicação de massa.

A ideia de uma mídia livre, independente, plural e diversificada passa a se fixar como o ideal a ser alcançado para que o direito à liberdade de buscar, difundir e receber informações possa ser realizado em sua plenitude. Encontrar o formato adequado da participação do Estado Nacional na equação que busca fomentar sistemas midiáticos com essas características, rapidamente, configura-se em uma das peças mais relevantes desse quebra-cabeças.

Tal desafio se torna especialmente complexo quando, já no século XX, a radiodifusão assume papel de protagonista nesse sistema. A possibilidade hipotética de que cada interesse legítimo dos variados grupos sociais poderia se fazer ouvir pelo seu próprio jornal não se verifica para os casos da televisão e do rádio. O espectro eletromagnético é um recurso público finito e precisa ser regulado, pelo menos no que se refere à distribuição das frequências.

A regulação da mídia caminha, portanto, pari passu com a garantia, promoção e proteção da liberdade de expressão. Na verdade, regular a mídia deve sempre ter como objetivo último proteger e aprofundar aquele direito fundamental.

Não por outra razão, a matéria é tratada, a partir de diferentes perspectivas, pelos mais importantes instrumentos internacionais de direitos humanos: Carta das Nações Unidas, Declaração Universal dos Direitos Humanos, Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, Convenções sobre os Direitos da Criança, sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. O mesmo vale para instrumentos regionais de direitos humanos e para os ordenamentos jurídicos das mais consolidadas e longevas democracias do planeta.

(...)

A nosso convite [da UNESCO], os consultores internacionais da UNESCO Toby Mendel e Eve Salomon, os quais, juntos, já trabalharam em mais de 60 países com questões semelhantes, assinam dois textos:

O Ambiente Regulatório para a Radiodifusão: uma Pesquisa de Melhores Práticas para os Atores-Chave Brasileiros. Material que apresenta como a regulação de mídia é tratada no cenário internacional e em 10 democracias (África do Sul, Alemanha, Canadá, Chile, França, Estados Unidos, Jamaica, Malásia, Reino Unido e Tailândia) comparativamente ao status quo brasileiro. Os autores abordam o tema, tecendo recomendações para o Brasil, a partir dos seguintes eixos centrais: Autoridades Reguladoras Independentes, Concessões, Regulação e Autorregulação de Conteúdo, Emissoras Públicas, Emissoras Comunitárias, Regulação de Propriedade.

Liberdade de Expressão e Regulação da Radiodifusão. Texto que busca sublinhar que a lógica central da política regulatória deve ser exatamente fortalecer a liberdade de expressão. Este é o texto que o caro leitor ou leitora tem em mãos.

Adicionalmente, o também consultor internacional da UNESCO Andrew Puddephatt, teceu uma discussão sobre A importância da autorregulação da mídia para a defesa da liberdade de expressão.

(...)

*****


REGRAS DE PROPRIEDADE

A concentração da propriedade de emissoras, a concentração dos negócios de radiodifusão e mídia impressa por meio de empresas verticalmente integradas e, de modo geral, a pequena diversidade no controle das empresas concessionárias de radiodifusão podem trazer vários problemas, sob a perspectiva da liberdade de expressão. O mais óbvio é o risco de tais concentrações dificultarem a promoção da diversidade de vozes na mídia, um valor-chave da liberdade de expressão. Isso pode acontecer de várias formas. Diferentes veículos pertencentes ao mesmo grupo podem ficar tentados a fazer consórcios de programação, por exemplo, para reduzir seus custos de produção. Isso significa que os telespectadores e ouvintes vão ter os mesmos programas em diferentes estações. Essa prática é prejudicial, principalmente quando envolve diferentes emissoras locais. A formação de consórcios de noticiários, por exemplo, pode resultar em menos noticiários locais que têm produção relativamente cara.

A concentração de propriedade também pode levar a uma baixa diversidade, ou mesmo a visões uniformes sobre determinadas questões, especialmente quando os grupos de emissoras respondem a um comando editorial central ou quando os próprios donos impõem controle sobre o conteúdo. Este pode ser um grave problema quando há vínculo com partidos políticos: se o proprietário de um grupo que concentra a maior audiência apoia um determinado partido ou líder político, pode provocar um desequilíbrio no cenário eleitoral. Também pode ser problemático quando um grupo de mídia dominante assume uma forte postura sobre alguma questão de debate público na qual tenha interesse. Essas situações suscitam tentativas de elaboração de regras para, inclusive, limitar a concentração de propriedade de empresas de comunicação.

Podemos observar que a concorrência no setor de mídia é diferente da concorrência em muitos outros setores da atividade econômica. Na maioria dos mercados, bastam dois ou três atores competitivos para garantir variedade de opções e preços justos; já no setor de mídia, é recomendável ter muito mais atores que negociem na bolsa de ideias, de acordo com suas possibilidades financeiras. Consequentemente, muitos países implantaram regimes especiais para regular a concentração de propriedade da mídia, além de regras gerais para impedir monopólio (ou medidas antitruste).

Diversos mecanismos podem ser implantados para garantir a devida aplicação das regras anticoncentração. Por exemplo, pode ser exigido das empresas de mídia que informem à autoridade reguladora qualquer operação que as associe com outras empresas do setor. Mesmo uma autorização prévia do regulador pode ser exigida nesses casos. Também podem ser estabelecidas regras especiais sobre a transparência da propriedade, mais severas do que as geralmente aplicadas a outros tipos de empresas. O órgão regulador também pode incluir no processo de licenciamento uma análise do impacto potencial de determinadas concessões sobre a concentração de propriedade da mídia.

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A SITUAÇÃO NO BRASIL

O Artigo 12 do Decreto nº 236 de 1967 estabelece limites sobre a propriedade de serviços abertos (não codificados) de TV e rádio. Nenhuma “entidade” pode deter mais do que 10% das licenças nacionais de televisão (e, dentre essas, somente cinco podem ser VHF) ou mais de duas licenças de TV por estado. No caso da rádio, os limites são: para emissoras FM, no máximo seis licenças; para ondas médias, até quatro licenças locais, três regionais e duas nacionais; para ondas curtas, no máximo três licenças regionais (até duas por estado) e duas nacionais. Essas regras não se aplicam a estações repetidoras.

Apesar de o Decreto nº 236 se referir a “entidades”, o Decreto nº 52.795 de 1963 deixa claro que esses limites se aplicam a acionistas individuais. Mas as regras não se aplicam a formas de controle indireto ou de facto, como ocorre, por exemplo, por meio de relações pessoais envolvendo proprietários de emissoras. Em diversos países, as restrições relativas à propriedade costumam se concentrar no controle de facto, já que é o controle efetivo que importa. Não há no Brasil restrição à propriedade simultânea de várias mídias, a chamada propriedade cruzada. Também não há atualmente regras que limitem a propriedade simultânea dos serviços de televisão paga e rádio. O Projeto de Lei 29 pretende introduzir limites à propriedade cruzada no setor de TV paga, separando empresas de produção de conteúdo das empresas de distribuição de conteúdo, principalmente para evitar práticas abusivas.

O Artigo 222 da Constituição Federal limita a participação de estrangeiros na propriedade de jornais e radiodifusoras ao máximo de 30% do capital votante, sendo que os 70% restantes podem ser de brasileiros natos ou pessoas naturalizadas brasileiras há pelo menos dez anos.

Essas regras não oferecem proteção suficiente contra o surgimento de conglomerados concentradores de mídia. Em primeiro lugar, porque elas não se aplicam diretamente ao controle de facto, então é possível estender o controle de várias formas indiretas; em segundo lugar, porque elas são mais permissivas do que as adotadas em outros países, especialmente devido à falta de qualquer regra sobre propriedade cruzada; em terceiro lugar, porque emissoras estendem suas próprias redes por meio de relações com afiliadas, fato que pode facilmente ser percebido devido à grande proporção de programação centralizada.

Ao mesmo tempo, acreditamos que é importante para o Brasil ter redes nacionais de radiodifusão, especialmente num cenário em que a radiodifusão pública tem posição fraca. Essas redes nacionais são valiosas para desenvolver e manter um senso de cultura e unidade nacionais, assegurando uma ampla disponibilidade de noticiários de alta qualidade, contribuindo para a boa informação do público e para o debate nacional.

A transmissão digital já está instalada em várias cidades brasileiras e, ao que parece, já foram concluídos alguns acordos sobre o uso de recursos digitais, sobre os quais não obtivemos detalhes. Como é bem sabido, o Brasil adaptou a tecnologia digital japonesa, ISDB-T, seguido de muitos outros países, principalmente na América Latina.

A despeito desses importantes avanços, o Brasil não tem nenhum prazo formal estabelecido com a UIT para concluir a transição para a televisão digital, apesar de o Decreto nº 5.820 de 2006 estabelecer a data de 30 de junho de 2016. Além disso, houve poucas consultas públicas para tratar dessa transição.

A passagem para a tecnologia digital libera espaço de transmissão, já que mais canais podem operar na mesma quantidade de frequências. A possibilidade de ampliar a difusão de conteúdos permite promover a diversidade, além de aumentar o acesso. Representantes do Ministério das Comunicações nos informaram que seriam alocados à EBC canais multiplex – quatro nas principais cidades e três em cidades menores – para oferecer canais ao Congresso Nacional e a órgãos do Poder Executivo, cobrindo temas como educação, cultura e cidadania (este último administrado pelo Ministério das Comunicações). Não está claro o modo pelo qual essas decisões foram tomadas e nem foram esclarecidos os motivos para que diferentes braços do governo tenham seus próprios canais. De qualquer forma, a questão sobre o que fazer com os dividendos da tecnologia digital deve ser objeto de cuidadoso planejamento e de um debate aberto.

RECOMENDAÇÕES

Deveriam ser estabelecidas regras mais sólidas sobre a concentração de propriedade, inclusive de propriedade cruzada. Estas precisam se concentrar no controle de facto exercido pelos indivíduos, e não na composição corporativa das emissoras. No entanto, deve-se levar em consideração a necessidade de o Brasil contar com redes nacionais de radiodifusão.

A responsabilidade pelo monitoramento e pela aplicação das regras de propriedade deve ser do Cade, com apoio de uma nova autoridade reguladora independente, quando e se esta for criada. O Cade deve ter recursos suficientes e desenvolver a expertise necessária para assumir esse papel.

É necessário buscar uma abordagem mais participativa no processo de transição para a tecnologia digital, para assegurar que sejam considerados os importantes interesses públicos.

Pelo menos parte dos dividendos da tecnologia digital deveria ser alocada a usos de radiodifusão, e deve ser promovido um processo aberto e participativo para decidir como usar esse espectro adicional.

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Leia também: OI: Liberdade, a farsa e a tragédia – o direito à comunicação, por Konder Comparato, prefácio de Fábio Konder Comparato ao livro Liberdade de expressão vs. liberdade de imprensa – Direito à comunicação e democracia, de Venício A. de Lima.