Ele grita e dispara impropérios. Sem meias-palavras, o empresário Roni Argalji tirou a Duloren de sua pior crise.
A cena se repete uma vez por mês. Às 8h30, pouco depois do café-da-manhã na fábrica da Duloren, em Vigário Geral, subúrbio do Rio de Janeiro, um grupo de 30 operárias se concentra no pátio para fazer reclamações, pedidos e recomendações. Entre elas, em pé, vestido com suas indefectíveis calças jeans e camiseta de malha, está Roni Argalji, de 53 anos, dono e presidente da Duloren, a segunda maior fabricante de lingerie do Brasil, atrás apenas da DeMillus. O encontro é um misto de assembléia e preleção militar. Ao mesmo tempo que ouve as queixas e atende às reivindicações, Argalji também grita e pode disparar impropérios se contrariado, por exemplo, sobre os resultados obtidos nas semanas anteriores. Seu método com as funcionárias não é a única peculiaridade em seu estilo de gestão. Israelense, filho de um libanês que vendia ternos no centro do Rio de Janeiro na década de 60, Argalji segue a cartilha que aprendeu desde criança. Ele viu o pai fundar e administrar a Duloren baseado apenas na intuição. Apesar de formado em economia e administração, Argalji também despreza os manuais e só confia no próprio julgamento. "Meu manual de gestão é a minha cabeça", diz ele.
O estilo de Argalji pode ser (e, de fato, é) polêmico, mas foi assim mesmo -- sem meias-palavras -- que ele ajudou a tirar a empresa da maior crise de sua história. O pior momento aconteceu em 2000, quando Argalji era diretor de operações. Alquebrada pelos efeitos de um incêndio e do conflito familiar, a empresa teve prejuízo de 5 milhões de reais naquele ano. A produção mensal, que já havia sido de 2 milhões de peças, caiu para 600 000. Metade dos 1 300 funcionários foi demitida, e quem ficou teve de renegociar salários. A virada começou no ano seguinte, quando Argalji conseguiu comprar a Duloren de uma irmã e seis primos, com quem havia disputado o comando após a morte de seu pai, em 1999, e levou a companhia de volta ao azul. De lá para cá, as vendas mais que dobraram, de 60 milhões de reais por ano para 140 milhões de reais em 2006.
Os primeiros a ser esmagados pelo trator da Duloren foram os antigos executivos da empresa. Logo ao assumir o controle, ele eliminou seis diretorias e 20 gerências. Os únicos a permanecer foram a diretora de marketing, na Duloren há 28 anos, e o financeiro. Todos os outros departamentos -- vendas, produção e criação -- passaram a ser comandados por Argalji. O processo de produção estava tão desorganizado que era comum varejistas receberem conjuntos de sutiãs e calcinhas descasados e em menor quantidade do que a encomendada. Sem receber por quase um ano, fornecedores decidiram ajudar. A fabricante de máquinas Karl Mayer parcelou débitos, e a Dupont enviou um especialista para implantar um sistema informatizado de controle de produção, es toque e logística. "Era algo muito simples, o básico em outras indústrias, mas que a Duloren não tinha", diz Carolina Sister, ex-diretora de marketing da Dupont. Na mesma época, ele inaugurou o hábito de deixar o escritório e ir ele mesmo aos grandes varejistas entregar encomendas, checar a exposição dos produtos e conversar com as clientes. Com a situação sob controle, Argalji implementou seu manual. "Uma vez, mudei o acabamento de um modelo de sutiã por causa da queixa de uma delas", diz. A cada três meses, ele vai à Europa conhecer as novidades. E também opina na criação das coleções. "Não é assim que funciona em concorrentes como a DeMillus e a Valisère. Mesmo assim, com ele as negociações são mais rápidas", diz um fornecedor.
Tanta centralização faz com que Argalji trabalhe pelo menos 11 horas todos os dias. Durante a semana, sai de carro às 6 da manhã de sua casa, no Leblon, zona sul do Rio. Festas, jantares e reuniões sociais não fazem parte de sua rotina. Ele vai dormir todos os dias às 21 horas para poder acordar com o dia amanhecendo e chegar à fábrica antes das operárias, com quem às vezes toma o café-da-manhã. O contato direto com os funcionários rendeu a Argalji popularidade no chão da fábrica. Todos os anos, no dia do aniversário do patrão, eles penduram no pátio cartazes com mensagens de parabéns. Na época em que a família se digladiava pelo controle da empresa, 500 operários fizeram uma passeata em seu favor. "Ele grita, mas nos ouve", diz Pierre Delavoce, diretor da Federação dos Costureiros do Rio de Janeiro. Mas, como seria de prever, nem todo mundo se dá bem com o estilo trator de Argalji. Ao longo dos anos, ele acumulou vários desafetos entre ex-funcionários e no mercado publicitário. Argalji participa da criação das campanhas e, a seu jeito, dá a palavra final. "Quando não gosta, ele grita 'não' e bate na mesa", afirma Marcelo Goroditch, ex-publicitário da Duloren. Durante os testes para a escolha das modelos, várias saíam chorando do estúdio por ter sido chamadas de "gordas", "feias" ou mesmo de coisa pior pelo dono da Duloren. "Foi um alívio perder esse cliente", diz um fornecedor da área de mídia que já experimentou o estilo Argalji.
O mesmo estilo que ajudou a ressuscitar a Duloren no passado, porém, pode acabar atrapalhando seu futuro. Para especialistas, o estilo enérgico que fez a diferença na recuperação da empresa não se sustenta no longo prazo. "Sua inteligência e carisma foram fundamentais para envolver os trabalhadores na reestruturação, e a hierarquia simples facilitou a tomada de decisões difíceis", diz Eric Cohen, coordenador do MBA de gestão de negócios do Ibmec-Rio. "Mas, se não aprender a delegar, não ganhará eficiência para crescer." Orgulhoso do que já conquistou (seu bordão preferido é "Não conheço a derrota, só a vitória"), Argalji sabe que o estilo trator tem prazo de validade. "Sei que o futuro da empresa é a profissionalização. Família no negócio, nunca mais", diz ele. Nenhum de seus filhos trabalha na Duloren -- porque ele nunca estimulou. Mesmo assim, a profissionalização ainda demora. Bem a seu estilo, Argalji diz que só pretende se aposentar em dez ou 15 anos.
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