As faces da vitória do Rio.
Semana passada, no plenário da ONU, o presidente Lula reeditou o antigo "sapo barbudo" das lutas sindicais e políticas na região do ABC paulista nos anos 70. De cara amarrada e palavras duras, ele atacou os golpistas de Honduras, garantiu abrigo a Manuel Zelaya na embaixada brasileira em Tegucigalpa, defendeu o direito de retomada do posto de governo pelo presidente eleito, usurpado pelas armas. Em seguida, retomou as vestimentas franciscanas, que lhe têm caído como luva nesta década, para produzir uma vitória histórica da América do Sul.
Ontem, na Dinamarca, ele jogou mais um papel crucial. Desta vez, porém, optou estrategicamente pela face do "Lulinha paz e amor". Assim o presidente do Brasil desfilou esta semana sob o céu da Dinamarca. Cenário sheakespeariano cheio de paixões trágicas e desencontradas; manobras muitas vezes desleais e mal-encobertas; conspirações e traições sem fim de todo lado. Neste cenário Lula entrou de corpo, alma e convicção, mas vestido de modéstia franciscana, na defesa vitoriosa do Rio de Janeiro para sede dos Jogos Olímpicos de 2016.
Nesta refrega internacional entre Rio, Madri, Chicago e Tokyo, dá gosto e comove ver a imagem de Luiz Inácio Lula da Silva que a televisão transmite de Copenhague para o Brasil e para o planeta inteiro interessado no desfecho desta disputa encarniçada. Com o auditório repleto de celebridades mundiais de todos os esportes, das artes, dos negócios e da política, é praticamente impossível - a não ser por cegueira ideológica ou preconceitos inqualificáveis -, não ser contagiado pela emoção do ex-operário metalúrgico no seu terno azul e elegante gravata nas cores da bandeira nacional, que está na tribuna.
"Essa candidatura não é só nossa, é também da América do Sul, um continente com quase 450 milhões de homens, mulheres e cerca de 180 milhões de jovens, um continente que, como vimos, nunca realizou os Jogos Olímpicos. Está na hora de corrigir esse desequilíbrio. É hora de acender a pira olímpica em um país tropical, na mais linda e maravilhosa cidade: o Rio de Janeiro", dispara Lula, com pontaria política e diplomática de um campeão olímpico de tiro.
Apesar dos argumentos aparentemente convincentes e irrespondíveis, esta não foi uma missão fácil. O presidente, Pelé, o governador, o prefeito do Rio, o cineasta Fernando Meirelles com seu filme de beleza e apelo irrecusáveis, além de todos os mais diretamente envolvidos nesta batalha da Dinamarca - e não são poucos - seguramente sabiam disso. E se não sabiam, basta ver a reportagem que o jornal espanhol El Mundo publicou ontem, assinada pelo repórter Fernando Mas.
O texto mostra primorosamente como o Hotel Marriot, nas margens de um dos principais canais de Copenhague, se transformou nesses últimos quatro dias, no centro das conspirações olímpicas. A caça e conquista do voto definitivo era a missão de todas as delegações que buscavam até a tarde de ontem, converter-se na sede dos Jogos Olímpicos de 2016. Assinala o jornal de Madri:
"O rei Juan Carlos de Espanha em uma suíte. A rainha Sofia em outra. Zapatero em uma terceira. Todos no sétimo andar do Marriot. O sexto andar está reservado para os negociadores brasileiros, com Lula da Silva à frente. Os delegados que visitavam as suítes do sétimo andar eram reclamados em seguida num piso mais abaixo. O terceiro, onde atuava Michelle Obama, a desenvolta primeira-dama dos Estados Unidos", conta o texto de El Mundo.
Michelle comandou as negociações em favor de sua cidade, até o presidente Obama desembarcar na Dinamarca, na undécima hora, para as manobras do inútil esforço final em favor de Chicago, cuja população parece não chorar muito a derrota, assim como os habitantes de Tokyo, que já abrigou uma Olimpíada.
O Rio venceu! Viva o Rio! Nenhum lugar de mundo merecia mais este triunfo magnífico. A vitória não será em vão, mas cobra, a partir de agora, o cumprimento das emocionadas e, seguramente, decisivas palavras do presidente brasileiro em Copenhague: "Os que nos derem essa chance não se arrependerão. Os jogos no Rio serão inesquecíveis (...). Para o movimento olímpico será a chance de sentir o nosso sol. Será a chance de falar para o mundo que a Olimpíada é de todos".
Bravo! "Viva a sua paixão", como recomenda o maravilhoso e também decisivo filme de Fernando Meireles mostrado ontem em Copenhague para o mundo. Viva o Rio, com sua gente tão maravilhosa quanto a cidade.
E viva a América do Sul, outra grande vitoriosa de ontem na Dinamarca.
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