Copiado do Viomundo.
Uma CPI do ódio de classe
por DR. ROSINHA*
Contra o desejo raivoso dos ruralistas anti-MST, vamos mais uma vez comprovar a legitimidade do movimento e da agricultura familiar
A constituição de uma CPI mista para investigar o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), cogitada a partir do desejo raivoso dos ruralistas e viabilizada graças ao apoio ostensivo da mídia privada, é reflexo da influência que setores conservadores ainda mantêm sobre a sociedade brasileira.
Também é sintoma da fragilidade de parte da base de apoio do governo Lula, formada por alguns parlamentares sem compromisso com o governo que dizem apoiar.
Com uma atuação internacionalmente reconhecida, o MST foi recentemente classificado pelo intelectual norte-americano Noam Chomsky, professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, como "o mais importante movimento de massa do mundo".
A quem interessa criminalizar o MST? A quem interessa demonizar um movimento social com 25 anos de serviços prestados à justa causa da reforma agrária?
A resposta é simples: aos latifundiários e aos grandes detentores do capital financeiro, nacional e transnacional, que controlam boa parte da agricultura no país.
Os dados do censo agropecuário do IBGE, divulgados há poucas semanas, revelam que menos de 15 mil fazendeiros são donos de mais de 98 milhões de hectares. Em termos percentuais, 1% dos proprietários rurais detém a titularidade de 46% da terra no país.
O que incomoda a bancada ruralista e os setores por ela defendidos no Congresso é o fato de o MST simplesmente existir. E lutar pela distribuição das terras no campo.
Aos olhos dos ricos, os pobres não têm o direito de se organizar, de se manifestar em defesa de seus direitos.
Além de criminalizar o MST, os ruralistas desejam adiar a reforma agrária. Ao se contrapor, por exemplo, à revisão dos índices de produtividade —medida determinada em lei— demonstram todo o caráter reacionário e ilegal de sua posição.
Esses índices determinam se uma fazenda é ou não improdutiva. Criados em 1975, estão defasados. Não levam em conta os avanços tecnológicos da agricultura, o que facilita aos fazendeiros alcançar os indicadores mínimos e evitar desapropriações.
A legislação brasileira determina o seu ajuste "periódico". Com novos índices, o número de imóveis que não cumprem sua função social disponíveis para a reforma agrária cresceria no país.
Sem discurso diante do sucesso do governo Lula, os três principais partidos de direita hoje no Brasil, DEM, PSDB e PPS, estão desnorteados, à procura de alguma tábua de salvação para se agarrar. Assim como em outros episódios, tentam da fazer da CPI do ódio de classe contra o MST um palanque eletrônico, com vistas à eleição de 2010.
O MST já afirmou que não teme a CPI. O Partido dos Trabalhadores e o governo, também não.
Com um requerimento sem fato determinado, que de tão genérico permite a investigação desde cooperativas em geral até evasão de divisas, passando pelo crime organizado, grilagens de terra e uma infinidade de outros temas, a comissão pode vir a se debruçar, entre outros casos, sobre as contas das entidades patronais do agronegócio.
Sabemos que o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) e o Serviço de Aprendizagem do Cooperativismo (Sescoop), duas entidades patronais, receberam mais de R$ 1,1 bilhão em recursos públicos entre 2000 e 2006. E que parte desses recursos foi utilizada ilegalmente pelas federações que representam os interesses dos fazendeiros.
Que tal investigarmos também o cartel internacional das indústrias de suco de laranja, liderado pela Cutrale, que atua em terras públicas griladas no Estado de São Paulo?
Embora tenha sido minimizado pela mídia, é público o fato de que há cerca de uma década o Incra (Instituto Nacional de Reforma Agrária) reivindica na Justiça a posse da fazenda Santo Henrique, ilegalmente ocupada pela Cutrale.
Contra o ódio de classe dos ruralistas e de sua raiva anti-MST, vamos mais uma vez comprovar a legitimidade do movimento e da agricultura familiar, como contraponto ao latifúndio e ao agronegócio.
O IBGE já comprovou que, dos produtos consumidos pelos brasileiros, 70% do feijão, 87% da mandioca, 58% do leite, 46% do milho e 34% do arroz são produzidos pelos pequenos agricultores.
Apesar de as propriedades com menos de dez hectares ocuparem apenas 2,7% da área total dos imóveis rurais, a agricultura familiar gera 74,4% dos empregos no campo.
Toda denúncia deve ser investigada pelos órgãos competentes. Sim à reforma agrária, não à criminalização dos movimentos sociais.
*Dr. Rosinha, deputado federal (PT-PR), é coordenador da Frente da Terra, que defende a reforma agrária no Congresso Nacional.
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