Além de uma exposição sucinta e clara sobre as circunstâncias escamoteadas e escondidas que cercam a atuação do MST na plantação da Cutrale, ainda encerra com uma proposta realmente interessante: a criação de uma CPI das Terras, que poderia investigar TODOS os casos de grilagem no país.
De Mair Pena Neto.
A imagem aérea de um trator derrubando uma fila de pés de laranja em um gigantesco laranjal parece chocar mais certos setores da sociedade do que a visão de milhares de pessoas sem terra e suas famílias acampadas precariamente sob tendas de plástico preto na beira de várias estradas brasileiras.
Não pretendo dizer com isso que os fins justifiquem os meios, mas após o choque inicial do poder da imagem disseminada pelos meios que costumam demonizar a luta pela terra, é bom procurar se informar do que realmente aconteceu e quais as motivações que geraram o ato perturbador.
Desde o dia 28 de setembro, 250 famílias de sem terra estavam acampadas na fazenda onde a Cutrale, uma das maiores empresas do agronegócio brasileiro, planta laranjas. O objetivo da ação era denunciar a ocupação irregular de terras da União pela Cutrale. O MST afirma que a empresa plantou laranjas na fazenda como forma de legitimar a grilagem de área pública. A produtividade da fazenda não poderia esconder a grilagem como ato ilegal e criminoso.
Muito bem. Esta é a versão do MST e cabe verificar se corresponde à verdade. O Incra confirma que já luta há três anos pela recuperação da fazenda ocupada pela Cutrale, assegurando que pertence à União. De acordo com o instituto, a fazenda integra um conjunto de terras públicas da União que constituíam o antigo Núcleo Colonial Monção.
Ainda segundo o Incra, o Núcleo Colonial Monção tem sua origem há 100 anos. Foi criado a partir de um grupo de fazendas compradas pela União ou recebidas em pagamento de dívidas da Companhia de Colonização São Paulo/Paraná. Essas fazendas somavam aproximadamente 40 mil hectares, nos municípios de Agudos, Lençóis Paulista, Borebi, Iaras e Águas de Santa Bárbara.
A primeira ocupação na região ocorreu em 1995, e dois anos depois o Incra reivindicou a fazenda Capivara, em Iaras, obtendo 30% do imóvel como tutela antecipada, o que resultou, em 1998, na criação do assentamento Zumbi dos Palmares. Em 2007, a Justiça Federal garantiu ao Incra os 8 mil hectares totais da fazenda.
Verifica-se com isso, que a disputa por estas terras tem mais de 10 anos, e a Cutrale se instalou nelas há cerca de cinco anos. Ou seja, tinha conhecimento de que o governo as considerava públicas e mesmo assim levou adiante o seu projeto de plantio de laranjas. Apesar da origem centenária do núcleo, a Cutrale informa que tem a posse legal das terras. Depois que a Justiça concedeu a reintegração de posse à Cutrale, no último dia 29, portanto um dia após a destrição dos pés de laranja, o Incra entrou com petição na Justiça Federal contra a decisão, com base no argumento de que a área de 40 mil hectares pertence à União.
O que se deduz, então, é que a Cutrale plantou suas laranjas em terras reivindicadas pela União para efeito de reforma agrária. Nesse sentido, a luta do MST é duplamente justa. Primeiro, como denúncia de grilagem em terras públicas e depois pela própria terra para assentar trabalhadores.
Pode se questionar a forma de ação do MST, mas sem ela não teria vindo à tona a ocupação e uso ilegal de terras públicas. A bancada ruralista no Congresso aproveitou rapidamente a comoção causada pelas imagens para aprovar relatório da senadora e latifundiária Kátia Abreu abrandando as exigências de produtividade para que uma fazenda não seja desapropriada para reforma agrária.
Em outra frente de ação, tenta ressuscitar uma CPI para investigar os repasses de recursos públicos a entidades ligadas ao MST. Se o Congresso brasileiro realmente se interessa em saber o que se passa no campo poderia criar uma CPI para verificar a legalidade de todas as propriedades agrícolas do país e exigir sua imediata devolução em caso de grilagem.
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