Pergunta: e a polícia, investigou?
Editora-executiva do Portal IMPRENSA
Três famílias paulistanas entraram com processos contra a Editora Abril por danos morais e materiais, em razão da morte por asfixia de três prestadores serviço do "Espaço Cultural Veja São Paulo Campos de Jordão", em oito de julho do ano passado.
As ações - uma impetrada em conjunto pelas famílias de duas das vítimas, na cidade de Campos de Jordão (SP), e outra individual, protocolada na cidade de São Paulo (SP) - estão em fase de citação e requerem que a Abril seja responsabilizada por "negligência e imprudência" na sequência de acontecimentos que resultaram nas mortes de Yuri Tosi de Freitas (25), Ronei Carlos Rodrigues (39) e Renan Borges Ottoni (23) por asfixia causada por monóxido de carbono, em um quarto do espaço de eventos mantido pela Editora.
A petição das famílias é de uma indenização calculada com base no faturamento final do evento, na expectativa de vida das vítimas e toma por valor principal o patamar salarial atingido ao tempo da morte. "Nosso objetivo é de que seja uma condenação exemplar, que desencoraje a própria editora ou qualquer outra promotora de eventos a, por economia, negligenciar as condições a que estão expostas as pessoas que trabalham nesses espaços", diz Ângela Freitas, mãe de Yuri Freitas.
À época do acidente, a versão oficial divulgada pelas empresas envolvidas na promoção do "Espaço Veja SP Campos do Jordão" foi a de que as vítimas teriam levado para o quarto, às escondidas, um aquecedor a gás, próprio para ambientes externos. Trata-se de um modelo abastecido por um botijão similar ao de gás de cozinha. O aparelho teria, então, "roubado" todo o oxigênio do ar e as três pessoas que dormiam no quarto morreram durante o sono.
No entanto, após meses de levantamento de provas, os pais de Yuri Tosi Freitas contestam a versão, apontando indícios de que o aquecedor já estava no alojamento para o uso dos funcionários. "Não podemos deixar que nosso filho leve a culpa pela própria morte. Fica fácil acusar quem já não está aqui para se defender. Queremos provar, na Justiça, que o que causou as mortes foi negligência", diz o pai, Rogério Freitas. "Não foi fácil ler o que lemos, muitas notícias que nem citavam o local exato das mortes e a indiferença total da dona do evento, mas esperamos porque queríamos provar o que de fato aconteceu", completa, em entrevista exclusiva ao Portal IMPRENSA.
A reportagem fez um levantamento informal na internet, buscando matérias que trataram do episódio. Todas as notas publicadas responsabilizaram as vítimas pelo ocorrido. Em algumas não é deixado claro em qual evento ocorreu o acidente, como é possível constatar na
Folha.com, jornal
O Globo,
G1,
Portal Terra,
Jornal Campos do Jordão e
Band.
Entenda o caso
Yuri Tosi de Freitas (25), Ronei Carlos Rodrigues (39) e Renan Borges Ottoni (23) foram contratados pela empresa WDB Group - que terceirizava na ocasião os serviços de Som e Luz para o evento da Editora Abril - para trabalharem no "Espaço Cultural Veja SP Campos do Jordão", no período de 28 de junho a 03 de agosto de 2009.
Ao chegarem à cidade de Campos de Jordão (SP), os três foram hospedados em uma pousada local, paga pela empresa contratante. Já em 02 de Julho, segundo informa Ângela Freitas - mãe de Yuri - os rapazes, por determinação da Abril, foram levados a uma hospedagem localizada dentro do local do evento. "A Abril determinou a mudança por uma questão de custos. Tivemos acesso aos orçamentos e para que ficasse mais barato, a Editora passou a se responsabilizar pela acomodação dos prestadores de serviço durante o evento. A WDB custearia a pousada apenas no período de montagem e desmontagem", afirmou Ângela, que anexou ao processo contratos, orçamentos e e-mails entre a Editora Abril, WDB e a Base Eventos, a três empresas citadas no processo.
Segundo Ângela, o espaço em que foi alojado tanto seu filho, quanto os outros dois rapazes, não tinha condições básicas que garantissem a segurança dos profissionais, em um local em que as temperaturas são sabidamente baixas (no último final de semana, por exemplo, registrou - 0,2ºC). "Não havia chuveiro aquecido, nem banheiro no quarto. Era um banheiro a ser dividido entre vários profissionais, com uma precária instalação elétrica para o chuveiro. Além disso, o quarto em que estavam os três era muito úmido. Óbvio que seria necessário um aquecedor no quarto, mas não aquele que já estava lá, segundo fotos tiradas uma noite antes de morte deles".
A versão das famílias dá conta de que o aquecedor não poderia ter sido levado pelos profissionais, já que havia centenas de seguranças no local e câmeras que filmavam todo o espaço. "Como em um local com seguranças 24 horas e câmeras espalhadas, ninguém os veria levando um aquecedor daquele tamanho para o quarto? Ainda mais depois de 12, 14 horas de trabalho?".
De acordo com ele, embora a empresa de segurança dissesse que as câmeras não funcionavam, a companhia sabia que uma de suas funcionárias havia passado a noite de folga na hospedagem do local do evento. "Para ver se os meninos haviam levado o aquecedor, a câmara não funcionava, mas para saber que a garota havia dormido lá e demiti-la no dia seguinte, elas estavam em pleno funcionamento. Inclusive (isso aconteceu um dia antes da morte do meu filho), ela própria comentou o fato daquele aquecedor estar no quarto". A testemunha, não identificada por questões de segurança, prestou depoimento à polícia.
Ângela conta que foi feita uma perícia no aquecedor pós-acidente, e que não foi encontrada nenhuma instrução de uso. "Os aquecedores são equipamentos rudimentares, sem nenhum registro no Inmetro, segundo o Corpo de Bombeiros, ou qualquer órgão regulador. Os aquecedores da Editora, diferentemente de outros existentes no mercado, não possuem nenhuma instrução de uso, nenhum alerta de segurança para que seja único e exclusivamente utilizado em ambientes externos".
Constatação das mortes e roubo de objetos
Os três profissionais morreram na madrugada de 08 de julho de 2009. Logo pela manhã, de acordo com Boletim de Ocorrência registrado na ocasião, um dos membros da organização do evento, ao perceber que as atividades de público estavam para começar e os responsáveis por áudio e imagem não estavam no local, foi até o alojamento chamá-los. Ao bater sem resposta e abrir a porta, deu com os três corpos no quarto. "Todos estavam mortos, de olhos e boca aberta. O Ronei e o Renan no beliche e o Yuri no chão, de bruços, com as mãos agarradas ao carpete", conta Rogério.
As famílias questionam o motivo pelo qual, ainda que a morte dos três estivesse evidente, de os corpos terem sido removidos. "A cena do óbito não foi preservada, não sabemos como a polícia teve condições de constatar os fatos, uma vez que foi tudo adulterado, e o aquecedor retirado do quarto".
Os pais de Yuri Tosi questionam, ainda, o que teria levado os responsáveis a avisarem as famílias do ocorrido quase 12 horas depois de descobertos os corpos. "Sabemos que a Editora Abril enviou de helicóptero para Campos do Jordão, naquele dia 08 de julho, por volta de 12h, seus diretores e advogados criminalistas para gerenciarem e prepararem uma nota de divulgação que imputava a culpa aos rapazes. À WDB ficou a responsabilidade de remoção dos corpos para São Paulo, após a análise do IML de Taubaté". "Eu soube da morte do meu filho já eram 19h30 e o corpo dele estava no IML de Taubaté", disse Ângela.
Na ação também é citado o sumiço de objetos pessoais das vítimas, tais quais dois laptops dos técnicos Yuri e Ronei, bem como documentos, celular, pen drive e modems. Segundo texto do processo, "o furto dos bens pessoais - afetivos e patrimoniais -, ainda no calor dos fatos, dentro do 'Espaço Veja', e a demora na comunicação dos óbitos aos familiares foram, para esses, as imoralidades mais ofensivas à dignidade humana".
Alvará de funcionamento
As famílias explicam que buscaram saber se existia um alvará que permitisse uma hospedaria dentro do Espaço e descobriram, na ocasião, que o próprio evento acontecia sem alvará. "O evento aconteceu sem alvará da Prefeitura local para ser um espaço de show, eventos, recreação e lazer (não incluía-se no pedido para este alvará o local de hospedagem). Estava emperrado porque o lugar do evento é uma área de reserva ambiental. Mas, se você checar a vendas dos espaços no site, o valor é repassado às empresas que alugaram stands", disse Ângela.
Ainda de acordo com a ação, havia na Prefeitura um termo que solicitava o alvará, mas não a autorização expedida. Os pais de Yuri mostram, no press kit de venda do espaço que, mesmo sem a autorização formal para o evento, era cobrada pela Abril na venda dos espaços, o valor referente a essa autorização. "Marcas como Santander, Chevrollet, Pom Pom, Dermacyd, BMF, Topper, Timberland, Natura e diversos outros pagaram por um alvará que não existia".
Danos morais e materiais
Além da indenização, as famílias pedem que a sentença seja publicada em todos os veículos que divulgaram o "Espaço Veja SP", leia-se revistas Veja e Veja São Paulo, em compensação ao fato de que nenhuma das famílias teria sido contatada pela Editora Abril para qualquer tipo de apoio. "Em nenhum momento a Abril nos prestou apoio, nem nota de pesar em seus veículos ou um telegrama lamentando o fato", disse Rogério Freitas.
Tanto os traslados dos corpos quanto as cerimônias fúnebres foram custeadas pela WDB Group. "Queremos que essa ação sirva como um protesto à política do lucro a qualquer custo e mostrar que uma pequena economia em um evento que faturou milhões custou três vidas", finaliza Ângela, que criou, junto de seu marido, um blog para divulgar o andamento do caso. Para acessar,
clique aqui.
Outro lado
Procurada pela reportagem do Portal IMPRENSA, a Editora Abril, por meio de sua assessoria, informou que não irá comentar o caso.