Copenhague, uma conferência histórica.
Por Eduardo Nunes
Cheguei a Copenhagen vindo de uma visita de trabalho ao Haiti (onde a presença brasileira é também apoiada e criticada, mas é reconhecida como determinante). Por mais distantes que a pobre Porto-Príncipe e sofisticada Copenhagen estejam uma da outra, ambas estão mais perto do Brasil e do novo sistema de poder internacional do que nos fazem crer os parciais editoriais.
Por dever profissional (trabalho em uma ONG Internacional de Desenvolvimento), estive em algumas conferências e reuniões de alto nível da ONU, desde a primeira, a ECO-92. Mas, não estava preparado para o que ocorreu na semana passada, na COp15, em Copenhagen.
Muitas foram as surpresas. A primeira foi perceber que a reunião da qual estava participando era vista de forma totalmente parcial pelos que a acompanhavam daqui do Brasil (talvez, do mundo?). A imprensa mostrou manifestações (alias, como se isto fosse algo ruim), conflitos e um impasse improdutivo. Eu participei de outra COP. Saí como a maioria, frustrado com a não assinatura de um acordo “amplo, justo e legalmente vinculante”. Mas, pouco vi manifestações (confinadas a determinadas áreas e horários). Presenciei avanços impensáveis, há pouco. E testemunhei um marco da mudança profunda na geopolítica global.
Vi uma conferência que além da intensa participação das “partes” (Estados Nacionais), contou com uma inédita forte presença de setores corporativos (com destaque para o financeiro), não-governamentais e multilaterais. Houve e sempre haverá conflitos. Mas avançou-se em iniciativas concretas [ara redução de emissões de diversos gases (a imprensa desprezou os importantes avanços em “green-house emissions’, CFC e outros). Na mesma conferência, centenas de projetos foram apresentados, discutidos, ampliados e acordados. Parcerias de todos os tipos foram celebradas. Representam além de alguns bilhões de euros, novos mapas de ação que coordenam setores privados-governamentais-multilarais-sociedade civil. Projetos que suplantam fronteiras nacionais e criam novas geografias de cooperação.
Tudo isto é ainda insuficiente. Mas, diante das dificuldades de um mundo real, não é pouco. Fora as frases de efeito dos chefes de estado, aqueles que prestaram atenção aos discursos veriam que a maioria deles apresentou fatos e ações que já estão em curso. Somados, elas representam avanços importantes.
As manifestações (que não interferiram com os trabalhos, dentro do Bella Center) e a desorganização comum a eventos deste porte (atrasos em credenciamento, mudanças de salas de reuniões, etc.) não mudam o que ocorreu. No caso das manifestações, a imprensa deveria perceber que elas representam uma tentativa (ainda débil, reconheço) de abrir o sistema de decisões internacional a críticas. Mesmo restringida (mas, nunca proibida) nos últimos dias do evento, a participação ampla de observadores privados e não-governamentais também mostra um progresso. Democracia provoca uma dinâmica que alguns setores conservadores insistem em chamar de “bagunça”. Protestos, impasses e discordâncias são do processo democrático.
Por fim, e talvez mais importante, foi a constatação de que esta não foi uma conferencia sobre clima. Foi uma reunião sobre o novo sistema de poder internacional. Nunca, como brasileiro, havia me sentido no centro de uma discussão. Para o bem e para o mal. Antes, ou éramos vistos como irrelevantes, ou como “bonzinhos bem intencionados”. Mas nunca como líderes. Nunca como protagonistas. Até agora. Colegas de outras ONGs internacionais me buscavam para ter informações e conseguir falar com a delegação brasileira. Todos que me encontravam tinham uma posição a expressar. Um apoio, uma crítica. Todos sabiam e reconheciam o novo papel.
Todos menos a imprensa brasileira.
Desde o início, era sabido que o Brasil teria posição protagônica em qualquer resultado da COP15. China e Índia também. Não houve reunião importante na qual o Brasil não estivesse presente. A diplomacia brasileira, com um profundo conhecimento do intricado e burocrático sistema decisório e processual da ONU, conseguiu barrar a maioria das manobras dos países ricos. Como os dois textos “fantasmas”, plantados pela presidência dinamarquesa da conferencia [Aparte meu: aqui, vc pode ler essa história contada em coluna da Folha.]. É só rever as gravações que se perceberá que ambos textos foram desmontados a partir de falas dos representantes brasileiros.
EUA e EU (Japão e Rússia tiveram papel tímido nesta COP) estavam acostumados a ditar tudo. Controlavam as estratégicas relatorias das comissões, enquanto colocavam diplomatas de países pobres nas burocráticas presidências dos grupos. Compravam pequenos e dependentes países com acordos de cooperação. Desta vez não. Brasil e China assumiram um papel de liderança dos “emergentes”, negociaram e apoiaram os países menos desenvolvidos. Quando EUA e EU começaram a ceder alguma coisa (no fim da 6af, dia 18), mesmo com a concordância do Brasil, Índia e China, foi a vez dos liderados dizerem não. Outra novidade. Mostra que o Brasil não exercerá o tipo de liderança dos EUA, hegemônica. Não é, juntamente com Índia, uma nova potência. É um novo tipo de liderança. Expressão de um mundo mais complexo e multipolar.
Dentro destes líderes, a China ainda mantém uma postura mais tradicional de liderança porque tem países em sua órbita de dominação.
Força e potencial econômico, biomassa e petróleo, diplomacia com prioridades nas relações SUL-SUL, carisma pessoal do presidente, etc. Cada um pode e deve discutir os motivos que levaram o país a assumir esta posição (que não é relativa ao clima, é no cenário internacional como um todo). Se bom ou ruim, cada um faça seu juízo. Mas, não é possível que estejamos ignorando este novo papel global e discutindo suas implicações.
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