terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Terra Magazine: À CPI, resta apenas uma opção: reconhecer que a Petrobrás não sonegou, escreve especialista.

Artigo no Terra Magazine.

A CPI, a Petrobrás, o Dólar e a Competência

Vitor Flores
De São Paulo

Em 10 de maio de 2009, o jornal O Globo publicou: "Artifício faz Petrobras pagar menos imposto". Antes que o mês pudesse acabar, o assunto virou o tema principal da "CPI da Petrobrás", no Senado(1). A empresa teria sonegado supostos R$ 4,3 bilhões e a verdade precisava ser posta às claras. Os dados sobre o efetivamente ocorrido não seria revelado ao público. A informação é acobertada pelo sigilo fiscal.

Mas a empresa abriu mão de sua privacidade e, a propósito da notícia divulgada, publicou em seu blog de notícias(2) informações sobre o "artifício". Em 2008, mudou seu regime de reconhecimento de receitas sobre variação cambial de ativos seus no exterior de "competência" para "caixa". O novo regime era fiscalmente mais vantajoso: sob esta nova perspectiva, a sociedade teria recolhido R$ 1,14 bilhão a mais em tributos naquele ano. Este indébito foi pedido de volta em 2009.

O valor da notícia e o valor anunciado pela empresa divergem. De qualquer forma, a situação certamente deve ter levantado a suspeita da Receita Federal. A Petrobrás é daqueles contribuintes sujeitos a acompanhamento econômico-tributário diferenciado(3). Publicou, no Balanço de 2008, despesa de impressionantes R$ 9 bilhões de Imposto de Renda e Contribuição Social. Na prática, uma guia de recolhimento sua a menos faz acender uma luz amarela no sistema atuarial do Fisco. Sinaliza ao Auditor Fiscal que pegue o telefone e ligue para saber o que contraria sua projeção de receitas. Neste caso, ele deve ter ido antes de ligar.

Se a sociedade tivesse permanecido no regime de competência, seus ativos no exterior, avaliados pelo dólar americano, sofreriam, a partir de agosto de 2008, uma apreciação vertical decorrente da fuga de capitais causada pela crise financeira mundial deflagrada neste período. De janeiro a dezembro de 2008, a valorização destes ativos chegaria a 35%, ganho inteiramente tributável.

Cotação do Dólar em 2008

Os efeitos de oscilações abruptas do câmbio podem ser nefastos. Já foram provados em 1999 quando ele passou a ser flutuante(4) . Na oportunidade, o câmbio havia sido fechado em R$ 1,20 em dezembro de 1998, e alçado ao pico de R$ 1,98 em janeiro de 1999 - uma valorização de 65% em apenas um mês. Lembramos que estas circunstâncias, por exemplo, empurraram o Banco Marka à bancarrota e Salvatore Cacciola para a prisão.

Para remediar oscilações imprevistas com tal, a Medida Provisória 2.158-35/2001, em seu artigo 30, passou a facultar a transição do regime de reconhecimento de resultados tributáveis com variação cambial de "competência" para o de "caixa". Foi o que fez a Petrobrás. E, sem dúvida, não está só.

O contribuinte pode optar por um ou outro regime. Para sermos fidedignos a respeito, transcrevemos a norma: "A partir de 1o de janeiro de 2000, as variações monetárias dos direitos de crédito e das obrigações do contribuinte, em função da taxa de câmbio, serão consideradas, para efeito de determinação da base de cálculo do imposto de renda, da contribuição social sobre o lucro líquido, da contribuição para o PIS/PASEP e COFINS, bem assim da determinação do lucro da exploração, quando da liquidação da correspondente operação".

A norma impõe, em um primeiro momento, a adoção do regime de caixa para tributar a variação cambial. Mas, logo em seguida, atenua a imposição: "À opção da pessoa jurídica, as variações monetárias poderão ser consideradas na determinação da base de cálculo de todos os tributos e contribuições referidos no caput deste artigo, segundo o regime de competência".

A legislação não prevê uma data para realizar a opção. No Brasil, até disposição em contrário, as pessoas são livres para mudar de opinião, realizar outras escolhas, e retificar suas obrigações tributárias enquanto não vencido o prazo decadencial. O Código Tributário Nacional é expresso neste sentido em seu art. 168. Quando é o caso de a opção ser irretratável, a legislação é expressa, como, por exemplo, a adesão ao Regime Tributário de Transição, da Lei 11.941/2008. Há ainda os casos em que não há opção sobre o regime de tributação. Por exemplo, a tributação do resultado com operações envolvendo derivativos para fins de proteção do patrimônio (operações de "hedge"), somente podem ser tributadas com base no regime de caixa, conforme a Lei 11.051/2004.

No Brasil e nas normas internacionais, as IFRS, o regime de reconhecimento dos resultados é o de "competência". Nele, os ganhos e perdas são apurados independentemente de liquidação dos valores. No entanto a legislação fiscal faculta o uso do regime de caixa, caso em que os resultados são apurados apenas por ocasião da liquidação da operação. No final das contas, seja por caixa, seja por competência, os ganhos serão os mesmos. Por isso, a opção pelo método de reconhecimento do resultado cambial não afeta em nada o quanto o Governo vai receber, mas apenas quando.

Demonstramos com um exemplo. O gráfico a seguir traça o resultado com a variação cambial acumulada apurado segundo o regime de competência a que esteve sujeita a empresa ao longo de 2008 para um ativo seu adquirido por US$ 1.000 no começo deste ano, e liquidado ao seu final.

Até agosto, apurava-se uma despesa dedutível da base de cálculo do Imposto de Renda e da Contribuição Social. A partir de então, a curva volta-se para cima, e passa a apurar ganhos verticais. Em dezembro, o valor tributável com a variação cambial acumulada alcança um pico de R$ 620 acumulados no ano. A curva acompanha exatamente a oscilação da moeda americana exibida mais acima.

Pelo regime de caixa, a curva se comporta da seguinte maneira:

Em dezembro de 2008 apurou-se o mesmo ganho tributável de R$ 620 calculados pelo regime de competência. Ganhos iguais para o Governo ao final do ano, portanto.

Nada importaria que o ano da liquidação dos ativos de nosso exemplo fosse posterior a 2008, como bem parece ser o caso da estatal. O legislador já decidiu ser justa a flexibilidade do regime de reconhecimento da variação cambial. O contribuinte pode se planejar contra seus efeitos. Afinal, sob a ótica fundamentalista do investidor de longo prazo, a flutuação do câmbio é um aspecto marginal em sua decisão de aplicar capital. Os ganhos com a variação cambial não geram caixa que sirvam a pagar os tributos sobre si incidentes. É, portanto, oportuna a liberdade de mudança dos regime de tributação.

A mudança de opção da Petrobrás, portanto, não é nenhum "artifício" contábil. Pelo menos não sob a conotação que lhe assemelhe a uma sonegação fiscal. A julgar pelos fatos conhecidos e pela legislação aplicável, o relatório da CPI, prometido para logo em breve , deveria falar muito sobre a competência da empresa em tributar seus ganhos cambiais pelo regime de caixa.

(3)Portaria RFB 2.521/08
(4)http://www.receita.fazenda.gov.br/

Vitor Flores é consultor tributário em São Paulo e mestrando em Direito Tributário pela PUCSP.

Nenhum comentário: