terça-feira, 27 de novembro de 2012

Pesquisa mostra Brasil liderando índice de aproveitamento social do crescimento econômico


Já é lugar comum: qualquer referência ao crescimento do Brasil vem acompanhada ou é retorquida pela ressalva derrotista de que, dentre os BRICs, ele é o que menos cresce. Recentemente, outra objeção vem se somando. Agora, lembra-se sempre que o México tem crescido mais que o Brasil.

O discurso subjacente, acho, é sempre o mesmo. O crescimento da economia brasileira e as mudanças por que passamos é resultado do acaso, do momento mundial – e da política econômica de 15 anos atrás. Existe mesmo quem diga que o Brasil cresce “apesar do Brasil”. No caso do México, que integra o NAFTA e tem política econômica mais liberal, além disso, somam-se as críticas ao sepultamento da ALCA.


Dos arquivos do blog:

Agora, matéria do Valor transcrita abaixo (via Vermelho) revela que, apesar de ter crescido apenas 5,1% em média nos últimos anos, os ganhos sociais da evolução econômica do Brasil equivalem a um crescimento da ordem dos 13% ao ano – ou seja, a um padrão chinês de evolução.

Esse modelo de desenvolvimento econômico, segundo a pesquisa noticiada, referente ao período entre 2006 e 2011, coloca o Brasil na liderança mundial quanto ao aproveitamento social do crescimento econômico. O México, veja você, ocupa a 127ª posição no ranking elaborado, que conta com 150 países.

No que diz respeito aos BRICs, vale repetir o seguinte parágrafo do texto abaixo:

“O estudo também compara o desempenho recente dos BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – na geração de mais bem-estar para os cidadãos. Se em relação à expansão da economia, o Brasil ficou atrás dos seus parceiros entre 2006 e 2011, o país superou a média obtida pelo bloco em áreas como ambiente, governança, renda, distribuição de renda, emprego e infraestrutura, diz Orglmeister. China, Rússia, Índia e África do Sul aparecem apenas em 55º, 77º, 78º e 130º, respectivamente, nessa base de comparação, que é liderada pelo Brasil.”


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O mesmo Valor traz, hoje, em artigo do Delfim Netto, referência a um outro índice de bem estar da população e à sua evolução. E o gráfico com os dados referentes ao período entre 1995 e 2011, copiado abaixo, após apresentação do índice pelo próprio Delfim, revelam uma completa estagnação até 2003, quando é substituída por forte e constante crescimento.

Não sou economista (ou outro “cientista”), mas não consigo “comprar” a ideia de que uma mudança tão repentina quanta acentuada na evolução do tal índice ocorra independente de uma alteração equivalente na condução da política econômica e social. 

"As pesquisas empíricas sugerem que o sentimento de “bem-estar” depende, fundamentalmente, de duas variáveis: 1) do crescimento da renda real dos cidadãos, que pode ser aproximada pela sua renda média; e 2) da distribuição entre os cidadãos da renda produzida. Elas sugerem, cada vez mais fortemente que uma melhoria do nível de igualdade aumenta o “bem-estar” de todos.

Diante desses fatos, o grande economista Amartya Sen, ganhador do Nobel de 1998), propôs uma medida engenhosa para simular o “bem-estar social”. Se o índice de Gini (que vai de 0 a 1) “mede” a concentração da renda, o seu complemento (1 menos o índice de Gini) sugere uma medida de “desconcentração”, ou seja, de maior igualdade na distribuição da renda.

É bom lembrar que o índice de Gini mede a “distância média” entre as pessoas, não o seu nível de bem-estar. A sugestão de Sen é construir um indicador composto da renda média real multiplicada pelo índice de “desconcentração”, de forma a captar um pouco melhor as duas variáveis a que nos referimos acima.

Felizmente, um interessante trabalho do Ipea (“A Década Inclusiva (2001-2011)”, Comunicações do Ipea nº 155, 25/10/2012) construiu o tal índice, que reproduzimos no gráfico abaixo. Vemos claramente que na octaetéride (1995-2002) ele permaneceu estagnado."

Gráfico do índice de bem estar social calculado pelo IPEA com base no Gini e na renda média.
Gráfico do índice de bem estar social calculado pelo IPEA com base no Gini e na renda média.

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O Brasil foi o país que melhor utilizou o crescimento econômico alcançado nos últimos cinco anos para elevar o padrão de vida e o bem-estar da população. Se o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro cresceu a um ritmo médio anual de 5,1% entre 2006 e 2011, os ganhos sociais obtidos no período são equivalentes aos de um país que tivesse registrado expansão anual de 13% da economia.

A conclusão é de levantamento feito pela empresa internacional de consultoria Boston Consulting Group (BCG), que comparou indicadores econômicos e sociais de 150 países e criou o Índice de Desenvolvimento Econômico Sustentável (Seda, na sigla em inglês), com base em 51 indicadores coletados em diversas fontes, como Banco Mundial, FMI, ONU e OCDE.

O desempenho brasileiro nos últimos anos em relação à melhoria da qualidade de vida da população é devido principalmente à distribuição de renda. "O Brasil diminuiu consideravelmente as diferenças de rendimento entre ricos e pobres na década passada, o que permitiu reduzir a pobreza extrema pela metade. Ao mesmo tempo, o número de crianças na escola subiu de 90% para 97% desde os anos 1990", diz o texto do relatório "Da riqueza para o bem-estar", que será oficialmente divulgado hoje. O estudo também faz referência ao programa Bolsa-Família, destacando que a ajuda do governo às famílias pobres está ligada à permanência da criança na escola.

Gráfico do Ranking dos países que fizeram mais progressos na elevação dos padrões de vida, entre 2006 e 2011.
Ranking dos países que fizeram mais progressos na elevação dos padrões de vida, entre 2006 e 2011.
Nessa comparação de progressos recentes alcançados, o Brasil lidera o índice com 100 pontos, pontuação atribuída ao país que melhor se saiu nesse critério de avaliação. Aparecem a seguir Angola (98), Albânia (97,9), Camboja (97,5) e Uruguai (96,9). A Argentina ficou na 26ª colocação, com 80,4 pontos. Chile (48º) e México (127º) ficaram ainda mais atrás.

Foram usados dados disponíveis para todos os 150 países e que fossem capazes de traçar um panorama abrangente de dez diferentes áreas: renda, estabilidade econômica, emprego, distribuição de renda, sociedade civil, governança (estabilidade política, liberdade de expressão, direito de propriedade, baixo nível de corrupção, entre outros itens), educação, saúde, ambiente e infraestrutura.

O ranking-base gerou a elaboração de mais três indicadores, para permitir a comparação do desempenho, efetivo ou potencial, dos países em momentos diferentes: 1) atual nível socioeconômico do país; 2) progressos feitos nos últimos cinco anos; e 3) sustentabilidade no longo prazo das melhorias atingidas.

Como seria de se esperar, os países mais ricos estão entre os que pontuam mais alto no ranking que mostra o estágio atual de desenvolvimento. Nessa base de comparação, que dá conta do "estoque de bem-estar" existente, a lista é liderada por Suíça e Noruega, com 100 pontos, e inclui Austrália, Nova Zelândia, Canadá, EUA e Cingapura. Aí o Brasil aparece em posição intermediária, com 47,8 pontos.

Para Christian Orglmeister, diretor do escritório do BCG em São Paulo, o desempenho alcançado pelo Brasil é elogiável, mas deve ser visto com cautela. "Quando se parte de uma base mais baixa, é mais fácil registrar progresso. O Brasil está muito melhor do que há cinco anos em várias áreas, até mesmo em infraestrutura, mas é preciso ainda avançar muito mais."

Entre os países que ocupam os primeiros lugares nesse ranking de melhoria relativa dos padrões de vida da população nos últimos cinco anos, a renda per capita anual é muito diversificada, indo desde menos de US$ 1 mil em alguns países da África até os US$ 80 mil verificados na Suíça. Além do Brasil, mais dois países sul-americanos – Peru e Uruguai – aparecem na lista dos 20 primeiros. Também estão nela três países africanos que em décadas passadas estiveram envolvidos em guerras civis – Angola, Etiópia e Ruanda – e que nos anos recentes mostram fortes ganhos em relação ao padrão de vida. Da Ásia, aparecem na relação Camboja, Indonésia e Vietnã.

Nova Zelândia e Polônia também integram esse grupo. O crescimento médio do PIB neozelandês foi de 1,5%, mas a melhora do bem-estar foi semelhante à de uma economia que estivesse crescendo 6% ao ano. Na Polônia e na Indonésia, que atingiram crescimento médio do PIB de 6,5% ano, o padrão de vida teve elevação digna de uma economia em expansão de 11%.

O estudo também compara o desempenho recente dos BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – na geração de mais bem-estar para os cidadãos. Se em relação à expansão da economia, o Brasil ficou atrás dos seus parceiros entre 2006 e 2011, o país superou a média obtida pelo bloco em áreas como ambiente, governança, renda, distribuição de renda, emprego e infraestrutura, diz Orglmeister. China, Rússia, Índia e África do Sul aparecem apenas em 55º, 77º, 78º e 130º, respectivamente, nessa base de comparação, que é liderada pelo Brasil.

O desafio brasileiro, agora, é manter esse ritmo no futuro, afirma o diretor do BCG. "O Brasil precisa avançar em quatro áreas principalmente", diz. "Na melhora da qualidade da educação, na infraestrutura, na flexibilização do mercado de trabalho e nas dificuldades burocráticas que ainda existem para fazer negócios no país."

Para Douglas Beal, um dos autores do trabalho e diretor do escritório do BCG em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, embora os indicadores reunidos para produzir o Seda pudessem ser utilizados para produzir um novo índice, esse não é o objetivo do levantamento. "A meta é criar uma ferramenta de benchmarking, que possa fornecer um quadro amplo. com base no qual os governos possam agir."

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Businessweek: baixa recorde no desemprego cria escassez de empregadas domésticas no Brasil


Por David Biller and Raymond Colitt

Por uma década, Geane Menezes ganhou não mais que US$ 250 por mês limpando a casa de uma família rica brasileira. Agora, ela vende lembrancinhas em uma loja no aeroporto na cidade nordestina do Recife e planeja abrir um negócio.

"Eu me sinto mais valorizada e ganho duas vezes mais", disse Geane, 34 anos, arrumando as redes e castanhas de caju da loja.

Geane não é a única pendurando seu avental. Com o desemprego em mínimos históricos na maior economia da América Latina, as mulheres pobres, que por décadas formaram uma fonte de trabalho doméstico barato para as classes média e alta, estão buscando empregos melhor remunerados e mais qualificados. O resultado é uma oferta cada vez menor de ajuda, o que permitiu que as babás, empregadas domésticas e cozinheiras restantes exigissem aumentos salariais maiores que o dobro da taxa de inflação desde 2006.

Dos arquivos do blog:


Os custos podem subir ainda mais rápido, e deixar o serviço doméstico inatingível para a classe média, se o Congresso aprovar uma legislação que garante aos empregados domésticos o pagamento de horas-extras, bónus anuais e outros direitos atualmente desfrutados pelo resto da força de trabalho do Brasil. A defensora do projeto, a deputada Benedita da Silva, do Partido dos Trabalhadores, diz que tais benefícios estão muito atrasados.

Mesmo com os recentes avanços  na redução da pobreza, o Brasil ocupa o 14º pior lugar em igualdade de renda (abaixo da Nigéria e Rússia) dentre os 154 países listados nos Indicadores de Desenvolvimento Mundial do Banco Mundial .

"Hoje, eu não teria que ser uma empregada doméstica", disse Benedita da Silva, de 70 anos de idade, que em sua juventude trabalhou como uma no Rio de Janeiro, enquanto vivia em uma favela. "O mercado de trabalho oferece oportunidades muito melhores."

Redução da Pobreza
O Brasil liderou a redução da pobreza na América Latina na última década, com uma expansão  de mais de 40% em sua classe média (aqueles que ganham de US$10 a US$ 50 por dia), de acordo com um estudo do Banco Mundial publicado neste mês.

Por tráz do progresso,  a inflação baixa e a estabilidade econômica, que levou a um crescimento médio anual na década de 3,8%, além de uma expansão nos gastos com combate à pobreza durante a presidência de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011), um ex-metalúrgico. A Taxa de desemprego em todo o país mergulhou para um quase recorde de 5,4% em setembro, menos da metade do nível de uma década antes.

Enquanto o Brasil ganha mobilidade social, o número de empregados domésticos caiu de 7,2 milhões em 2009 para 6,7 ​​milhões no ano passado, de acordo com a última pesquisa da agência nacional de estatística.

Idade Média
A média de idade também está aumentando, enquanto a juventude brasileira fica mais tempo na escola, se preparando para obter empregos melhor remunerados onde a escassez de mão de obra qualificada existe atualmente, como na engenharia e comércio. Apenas 5,8% dos empregados domésticos têm entre 18 e 24 anos, em comparação com 14,8% no total da força de trabalho, de acordo com um estudo do ministério das finanças em 2011. Tradicionalmente, as mulheres pobres no Brasil começavam a limpar casas em seus 20 anos ou, às vezes, até como adolescentes.

"A filha do empregada já não quer ser empregada doméstica", disse Marcelo Neri, um economista que pesquisa tendências de pobreza e é presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, do governo federal, conhecido como IPEA. "Ela está estudando, indo para a escola secundária, e quer uma profissão melhor."

Por mais de um século, o Nordeste do Brasil, origem de Lula e Geane, produziu uma constante migração de trabalhadores para as cidades do sul industrializado – e muitos deles acabaram trabalhando como empregados domésticos. Agora, os empregos estão sendo criados no Nordeste, onde o crescimento econômico supera o resto do país, e as empregadas estão voltando para casa, disse Fernando Aquino, presidente do Conselho de Regional de Economia de Pernambuco.

A Montadora italiana Fiat, que está construindo uma fábrica de R$ 3,5 bilhões (US $ 1,7 bilhão) em Pernambuco, e a Kimberly-Clark Corp, com sede em Dallas,  estão entre os fabricantes se estabelecendo na região para explorar o seu mercado de trabalho e crescente classe consumidora.

Escola noturna
Geane disse que ela está fazendo planos de frequentar a escola notirna para estudar turismo e hospitalidade, e um dia quer abrir sua própria loja em frente à praia em Recife. Ela disse que confia o crédito governamental vai ajudar a alcançar esse objetivo.

"Eu espero não ter que voltar para a limpeza", disse ela.

Sob Lula, o Brasil aumentou os gastos com os pobres. Ele expandiu o seu principal programa social para os pobres, o Bolsa Família, de 3,6 milhões de famílias em 2003 para 12,7 milhões em 2010, de acordo com o IPEA. Sua protegida e sucessora, Dilma Rousseff, mais do que duplicou o seu programa habitacional, que, até agosto de 2012, subsidiou o crédito para 1 milhão de famílias, pobres em sua maioria, comprarem sua primeira casa.

Número cada vez menor
Os números cada vez menores de pessoas dispostas a trabalhar como empregada fazem encontrar funcionário um desafio para as agências de colocação, como a Maid in Brasil. Ela analisa 20 mulheres oferecendo serviços de limpeza por dia em 2008, quando começou a conectar famílias do Rio de Janeiro com a ajuda, disse a co-diretora Magaly Mega. Agora, é sorte entrevistar apenas 7 empregadas domésticas por dia - a maioria das quais é menos qualificada, exige melhores salários e demite-se sem hesitação, se o seu empregador é muito exigente, ela disse.

"Houve uma mudança radical," Magaly disse em uma entrevista por telefone. "Antes, havia uma grande quantidade de pessoas dispostas a ser empregada doméstica e morar no serviço, e todas aceitavam o salário mínimo imediatamente", disse ela. "Agora, isso é muito raro."

A escassez também se reflete nos salários para os trabalhadores domésticos, que aumentaram 83% desde 2006, mais do dobro da taxa de inflação, de acordo com a agência nacional de estatística. O salário médio mensal para os trabalhadores domésticos foi de R$723 em setembro, de acordo com a agência de estatísticas. O salário mínimo legal do Brasil é atualmente de R$ 622.

Dependências de empregada
A mudança afeta atitudes culturais, refletidas até na forma como casas estão sendo projetados. Menos casas de classe média estão sendo construídas com quartos de dormir para empregadas domésticas, e elevadores de serviço, tradicionalmente utilizadas pela ajuda, já não são um acessório comum.

"A maneira como as pessoas cuidam de suas próprias casas, utilizando mais as máquinas de lavar e contratando uma diarista em vez de empregadas residente, é um sinal de modernização", disse Neri, Ipea. "Isso é difícil para as famílias acostumadas a serem servidas."

O boom de empregos contribuiu para um aumento de 91% na renda dos 10% mais pobres do Brasil na última década, mais de cinco vezes mais rápido do que o poder aquisitivo dos 10% mais ricos, de acordo com um estudo do IPEA publicado em setembro.

No entanto, quase 3/4 dos empregados domésticos são pagos por baixo dos panos, privando-os dos direitos legais, como aposentadoria.

'Herança Maldita'
A congressista Benedita da Silva disse que sua proposta de emenda constitucional, que, no início do mês, passou em uma comissão da Câmara por unanimidade, tem como objetivo acabar com tais práticas e ser mais um passo para acabar com a "herança maldita" de injustiça econômica do Brasil.

O Brasil foi o último país do hemisfério ocidental a abolir a escravidão, em 1888, e seu legado continua a penetrar o tecido social do país. Embora a proposta de lei garanta direitos adicionais, os custos adicionais podem levar os empregadores a demitir cerca de 10% das empregadas atualmente com contratadas, de acordo com Mario Avelino, que dirige uma organização sem fins lucrativos chamada Doméstica Legal, que promove direitos trabalhistas para empregadas domésticas.

"É como um tiro no pé", Avelino disse por telefone do Rio de Janeiro. "A classe alta não vai desistir de ter uma empregada. É a classe média, em que ambos os pais têm que trabalhar, que vai sentir o impacto. "

Rosane Aguiar, uma pediatra com uma casa em Santo da cidade Antonio de Pádua, no Rio de Janeiro, perdeu a conta de quantas empregadas domésticas ela viu ir e vir ao longo dos últimos cinco anos, e disse que salários mais altos para menos horas de trabalho fazem a despesa insustentável.

"Nos fins de semana, eu fico na cozinha e lavando roupas", Rosane, 54 anos, disse em entrevista por telefone. "Nós temos que nos acostumar com o modelo norte-americano, que está chegando aqui. A classe média fica com poucas alternativas. "

Para contatar o repórter desta história: David Biller, no Rio de Janeiro, dbiller1@bloomberg.net; Raymond Colitt, na Redação de Brasília, rcolitt@bloomberg.net;

Para contactar o editor responsável por essa história: Joshua Goodman em jgoodman19@bloomberg.net

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Brasil deve subir cinco colocações em ranking de competitividade industrial.

A Deloitte fez uma pesquisa com 550 executivos-chefes de companhias industrias ao redor do mundo, visando elaborar seu "2013 Global Manufacturing Competitiveness Index". Segundo as impressões dos entrevistados, hoje o Brasil ocuparia o 8º lugar no ranking de competitividade industrial.

Entretanto, a pesquisa também sondou as expectativas dos mesmos executivos acerca da situação dos países em cinco anos. Segundo o relatório (íntegra em PDF aqui), eles acreditam que, em 2017, o Brasil ocupará o 3º lugar no ranking de competitividade industrial, passando países como a Alemanha e os Estados Unidos.

Abaixo, o ranking divulgado no relatório e, depois, o texto da análise específica sobre o Brasil.

2013 Global Manufacturing Competitiveness Index


Surpreendentemente, o  Brasil caiu no ranking GMCI desde 2010, passando do quinto para o oitavo lugar em competitividade atual de produção. Ao contrário da Coréia do Sul e de Taiwan, no entanto, os executivos entrevistados esperam que o ambiente de produção no Brasil melhore rapidamente e acham que o país se tornará a terceira nação mais competitiva do mundo nos próximos cinco anos.

A chave para as vantagens da produção brasileira são os investimentos sectoriais em curso e as ações políticas favoráveis, que ​procuram estimular a competitividade a longo prazo. Especificamente, o recentemente anunciado plano industrial Brasil Maior deverá criar vantagens fiscais favoráveis para os fabricantes brasileiros, bem como reduzir os custos de empréstimos e de energia. Segundo o plano, o governo brasileiro também espera atacar um conjunto obstáculos fiscais, legais, financeiros e de infra-estrutura comumente referidos como o "Custo Brasil", que ajudaram a minar a competitividade das empresas brasileiras, bem como a competitividade de todo o mercado interno quanto à capacidade de importadores e exportadores de lidarem com a competição internacional.

Felizmente, os preparativos para a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016 devem impulsionar uma série de melhorias. Por exemplo, o Brasil deverá melhorar a infra-estrutura e trazer investimento estrangeiro, o que, provavelmente, terá uma influência positiva sobre na melhora da indústria e do ranking competitivo do país. O Brasil também é um dos poucos países com uma base suficientemente grande de recursos naturais, juntamente com uma infra-estrutura de pesquisa relativamente avançada. Isso coloca o país em uma posição única para capturar etapas mais lucrativas da cadeia de valor através do uso de fontes de energia alternativas ecologicamente sustentáveis.

Os executivos que participaram da pesquisa GMCI/2013 expressaram preocupação com a força de trabalho do Brasil, que alguns sentem representar uma desvantagem competitiva. Isto poderia ser devido a escassa disponibilidade de trabalhadores especializados, agravada pelo alto custo do trabalho no Brasil.

Apesar de algum questionamento acerca da eficácia de longo prazo do Plano Industrial Brasil Maior, a maioria dos executivos concordam que o ambiente de produção no país vai continuar a melhorar enquanto o Brasil enfrentar de forma proativa os desafios políticos, regulamentatórios e de força de trabalho. Investimentos adicionais de empresas da China, Coréia do Sul e América do Norte, que procuram tirar vantagem das oportunidades decorrentes da Copa do Mundo e Olimpíadas, também irá aumentar competitividade.

sábado, 6 de outubro de 2012

O cachorro que dedurou o prefeito gatuno (da entrevista da Dilma no FT)

Eu gosto de ler, e colar no blog, textos estrangeiros sobre o que acontece por aqui. Certo, certo, na verdade, só trago pra cá aqueles que sejam de alguma forma positivos. Confesso.

Este perfil / entrevista aí abaixo até preenche o requisito, mas, como meio que chove no molhado, quase desisti de publicá-lo. O que o salvou foi a historieta sobre o cachorro que denunciou o prefeito - que está lá no penúltimo parágrafo. 

FT Entrevista: Dilma Rousseff 
Por Joe Leahy 

A 36ª presidente do Brasil se inclina para frente e lança um olhar atento ao redor da mesa, assegurando que ninguém perdeu sua ideia simples, mas ousada do que ela quer para o país.

Depois de quase 10 anos de governo do Partido dos Trabalhadores (PT), a maior economia da América Latina reduziu as taxas de pobreza e percorreu um longo caminho na redução da desigualdade - uma tendência que contraria o alargamento da distância noutros lugares.

"Isso, eu acho, é um ganho muito importante para o Brasil – isto é, transformar o Brasil numa população de classe média", diz Dilma Rousseff em seu escritório no Palácio do Planalto, em Brasília, a maravilha modernista de mármore projetada por Oscar Niemeyer, o arquiteto brasileiro. "Nós queremos isto; queremos um Brasil de classe média."

Um notável progresso tem sido feito para melhorar o destino de milhões de pessoas nesta que continua sendo uma das sociedades mais desiguais do mundo. Seu milagre econômico ajudou a elevar 30 a 40 milhões de pessoas da pobreza, criou mercados para empresas nacionais e multinacionais e atraiu investidores globais.

No entanto, após quase uma década de condições globais altamente favoráveis, de repente a economia desacelerou para um nível rasteiro. Para consolidar sua prosperidade recém-descoberta e continuar sendo um dos motores do crescimento global, ao lado de Rússia, Índia e China, os outros países dos BRICs, Dilma deve encontrar um novo modelo de desenvolvimento. Em um mundo afligido pela crise econômica, a questão é se ela pode impulsionar as mudanças necessárias para o arranque de uma segunda década de crescimento. Isso inclui resolver as questões espinhosas da falta do Brasil de competitividade e dos altos custos trabalhistas.

"Temos que fazer as coisas difíceis", diz José Scheinkman, professor de economia brasileira na Universidade de Princeton.

Mas se Dilma está sentindo a pressão, não há nenhum sinal disso quando ela entra na modesta sala de conferências ao lado de seu escritório no palácio presidencial, parecendo confiante, mas, aparentemente, evitando correr riscos: no pulso, há um tradicional amuleto para afastar o mal olhado.

Ela tem a reputação de uma gestora dura, conhecida por fazer ministros chorarem em reuniões se não tiverem feito seu dever de casa. Mas quando um falante de espanhol na sala tenta falar português com um forte sotaque, ela gentilmente provoca-lhe imitando seu ritmo? "Nós falamos espanhol aqui também", diz ela, bem humorada.

Quando Dilma chegou ao poder, em janeiro do ano passado, como sucessora ungida por Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-presidente, havia ceticismo sobre se esta tecnocrata, que nunca havia ocupado um cargo eletivo, seria capaz de controlar sua coalizão de mais de 10 partidos, liderada pelo PT. Com o que os críticos não contavam, no entanto, era a determinação da primeira mulher eleita presidente do Brasil. Em 1967, ela se juntou a um grupo de militantes de esquerda rebelados contra a ditadura de direita do país, adotando o nome de guerra de Estela. No início dos anos 1970, ela foi amargou a captura, a tortura e quase três anos de prisão.

Quando o Sr. Lula da Silva chegou ao poder em 2003, ele escolheu Dilma Rousseff, economista de formação, como sua ministra de energia e, em seguida, sua chefe de gabinete. Como presidente, ela tem compensado sua falta de experiência eleitoral sendo diferente. No ano passado, quando ministros seus se viram envolvidos em escândalos de corrupção, ela fez algo incomum em Brasília: não os defendeu, mas, em vez disso, simplesmente os demitiu - sete deles no total. Os Eleitores aplaudiram.

Enquanto isso, a taxa de desemprego continuou a cair, atingindo este ano um recorde de baixa, inferior a 6%, e levando sua popularidade para um recorde - mais de 70%.

"As pessoas diziam que ela não tinha experiência política", disse Fernanda Montenegro, a estrela de cinema brasileira indicada ao Oscar e, diz-se, atriz favorita de Dilma Rousseff, em um evento em sua homenagem no ano passado em Nova York. "Eu acredito, no entanto, que nós ganhamos com Dilma porque ela ... não se enquadrar na maneira tradicional de fazer política no Brasil. "

Mas, enquanto o ano passado testou suas habilidades políticas, este ano ela está sob pressão para reavivar a economia. Depois de atingir 7,5% em 2010, na carreira dos altos preços das commodities e  de um boom de crédito e de consumo, o crescimento no ano passado caiu para 2,7%. Este ano ele pode ser tão baixo quanto 1,5%.

Convidada a citar os principais desafios, Dilma aponta para um suspeito habitual. A política monetária frouxa nos EUA, quando não acompanhada de políticas fiscais para absorver excesso de fundos, leva à desvalorização da moeda competitivos e inflação. "Políticas monetárias expansionistas que levam à desvalorização da moeda são as políticas que criam assimetrias nas relações comerciais - assimetrias graves", diz ela.

Com os EUA e outros países querendo sair da crise por meio das exportações, o Brasil recusou-se a se tornar um mercado de bens favorecidos por dumping. O governo tem tentado proteger suas indústrias através de medidas como aumento de impostos sobre carros compostos por mais de 40% de componentes importados.

Isso, e uma recente medida de aumento de tarifas sobre centenas de produtos, de tubos de ferro a pneus de ônibus, levou a queixas de parceiros comerciais, incluindo os EUA. No entanto, Dilma Rousseff, em discurso na Assembléia Geral da ONU no mês passado, rebateu que "medidas legítimas de defesa" não podem rotuladas como protecionismo.

"Este país não montar coisas, apenas", diz Dilma. "Nós queremos um país que produz, que cria conhecimento e o aplica aqui; queremos uma força de trabalho qualificada."

Mas ela reconhece que muitos dos problemas do Brasil são também caseiros. Elevados custos do trabalho, baixa produtividade, infra-estrutura precária e alta tributação - com gastos do governo em 36% do produto interno bruto, o equivalente a muitos países avançados europeus, mas sem os mesmos níveis de eficiência - criaram uma situação em que a inflação surge sempre que o economia começa a crescer.

Tony Volpon, economista da Nomura, em Nova York, afirma que a taxa de crescimento potencial do Brasil - a velocidade em que ela pode se expandir sem gerar inflação alta - caiu de 4%, na última década, para mais perto de 3%. Isso porque o crescimento na última década foi, em parte, o resultado da entrada de grande número de pessoas na força de trabalho formal. Hoje, com o desemprego relativamente baixo, essa low-hanging fruit desapareceu.


"A questão é: nós seremos mais ambiciosos e resolveremos outras coisas?", pergunta o Sr. Volpon, "ou não, e seremos uma economia que cresce de 3% com inflação alta." 

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Embora a presidenta não prometa um explosivo pacote de reformas - como visto recentemente na Índia, que desregulamentou os setores de varejo e de companhias aéreas –, Dilma diz que o Brasil está cortando o custo do trabalho, reduzindo os impostos sobre a folha de pagamento. Até agora, 40 setores industriais foram beneficiadas. Outras medidas fiscais estão por vir. "Isso é importante porque não queremos penalizar aqueles que empregam as pessoas", diz ela.

O governo também está acelerando a entrega de concessões de infra-estrutura, já tendo concedido aeroportos em São Paulo, Campinas e Brasília, os maiores do país. Ele também está se preparando para descarregar R$ 133 bilhões em concessões rodoviárias e ferroviárias. Portos são os próximos. Esses grandes projetos são vistos como cruciais antes do Brasil sediar a Copa do Mundo de Futebol em 2014 e os Jogos Olímpicos dois anos depois. "Queremos parceiros do setor privado, de qualquer origem", diz ela.

Outro grande projeto do governo é reduzir os índices tradicionalmente altos de juros do Brasil. O Banco Central cortou as taxas em 500 pontos-base em 12 meses, para uma baixa recorde de 7,5%. Mas Dilma e seus ministros entraram com força, intimidando os bancos a abaixar os juros de empréstimos. Enquanto os bancos são criticados por cobrar taxas usurárias no Brasil - nos cartões de crédito pode exceder os 100 % - a intervenção verbal do governo levantou temores de interferência no mercado. Dilma Rousseff é não se desculpa.

O Brasil foi o último almoço grátis no mundo para os bancos, diz ela, referindo-se às altas taxas de juros que cobradas dos clientes. "Estamos a voltando para um lugar com níveis normais de rentabilidade. Isso significa que alguns de nós precisaremos começar a procurar lucros adequados em atividades produtivas que são boas para o país. "

Ela é igualmente inflexível sobre uma outra área em que o governo é acusado de interferência no setor privado - a sua decisão de cortar os lucros que as operadores de energia elétrica estão autorizados a fazer. Puxando um bloco de notas, ela desenha um gráfico representando a vida média de uma planta hidrelétrica, em que a unidade continua a produzir energia por muito tempo após o investimento inicial ter sido pago - mas as empresas querem continuar a cobrar os mesmos preços elevados.

Então, o governo tem dado aos operadores uma escolha: reduzir os preços agora, e renovar o contrato, ou aguardar o contrato a expirar, e arriscar perdê-lo. O resultado foi um corte de 16% nas tarifas da energia para os consumidores e uma redução de 28% nas tarifas para os clientes industriais. "Isso é muito importante, pois precisamos reduzir os custos", diz Dilma Rousseff sobre a iniciativa.

Enquanto seu antecessor apreciava a ribalta internacional, Dilma Rousseff é uma diplomata indiferente. Ela arrepiou as penas americanas e europeias na Assembléia Geral da ONU, mês passado, alegando que a islamofobia está em ascensão em países desenvolvidos. Mas, geralmente, ela descreve um Brasil que é amigo de todos, com relações especiais com os países africanos lusófonos e laços estreitos com a Europa através da imigração. "O mundo para nós é multipolar", diz ela.

Mais perto de casa, ela não quis comentar o paradigmático processo de corrupção na Supremo Curte, datado do primeiro mandato de Lula da Silva. O chamado Mensalão, ou "grande subsídio mensal ", envolve muitos chefes do partido do ex-presidente, acusados ​​de usar fundos públicos para pagar políticos da oposição para apoiar a agenda legislativa do governo no Congresso. Alguns já foram condenados.

[Sim, eu vou fazer um comentário. A historinha de compra de votos de parlamentares aliados é tão inverossímil, que o coitado jornalista americano se enrolou e, usando um pouco de lógica, errou na descrição da acusação. Segundo ele, membros do partido do governo seriam acusados ​​de usar fundos públicos para pagar políticos da oposição  para apoiar a agenda legislativa do governo no Congresso".]

Mas Dilma parece claramente preocupada com a governança. Ela conta a história de um prefeito que deveria estar construindo duas escolas com recursos do governo federal, mas, de fato, estava construindo apenas uma e embolsando o resto. Ele foi obrigado a postar fotos na internet das escolas sendo construídas. Mas acabou sendo pego quando o mesmo cão apareceu em fotos do que deveriam ser duas escolas diferentes.

"Você tem que estar pronto para tudo na vida - mas um cão denunciando um prefeito?", diz a presidenta, rindo. De repente, ela se torna grave. "Estamos informatizando toda a estrutura do governo, porque isso vai nos permitir controlar o que é feito." Esses processos são "triviais", mas necessários, diz ela.

Uma presidente que dá atenção aos detalhes, ainda que triviais, é talvez o que o Brasil precisa ao procurar consolidar as conquistas da última década e continuar a sua emergência como um país de classe média. Mas, com a reforma apenas começando, muito ainda vai depender de quanto ela está disposta a fazer as "coisas difíceis".

terça-feira, 25 de setembro de 2012

De 1991 a 2011, a renda dos 10% mais pobres cresceu 550% mais que a dos 10% mais ricos.

Matéria do Rede Brasil Atual.

Estudo do Ipea, com base em dados do IBGE, aponta na última década redução sem precedente da desigualdade desde os anos 1960

Publicado em 25/09/2012

São Paulo – Expressão dos anos 1970, cunhada pelo ex-ministro Delfim Netto, vem à tona em estudo divulgado hoje (25) pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2011, do IBGE. “O tamanho do bolo brasileiro ainda está crescendo mais rápido e com mais fermento entre os mais pobres”, diz o documento – Delfim falava em esperar “o bolo” da economia crescer para então dividi-lo. Mas foi só na década passada que isso começou a ocorrer de fato, embora as fatias continuem desiguais. Se os anos 1990 podem ser chamados os de estabilização da economia, os anos 2000 foram marcados pela redução da desigualdade de renda.

Dos arquivos do blog:
O Brasil é a Nova América?

“Como consequência da manutenção do crescimento com redução da desigualdade, a pobreza mantém uma contínua trajetória decrescente, que vem desde o fim da recessão de 2003 independentemente da linha de pobreza e e da medida usada”, observa o instituto. Uma das conclusões do estudo afirma que “não há na história brasileira, estatisticamente documentada desde 1960, nada similar à redução da desigualdade de renda observada desde 2001”. Daquele ano até 2011, a renda dos 10% mais pobres cresceu 550% mais que a dos 10% mais ricos. No período de 12 meses, até junho deste ano, já com dados da Pesquisa Mensal de Emprego (PME), também do IBGE, o mesmo movimento foi captado, “perfazendo 11 anos consecutivos de quedas do índice de Gini (índice criado para medir a concentração de renda em determinado grupo)”.

Por um lado, a desigualdade no Brasil permanece entre as 15 maiores do mundo, lembra o Ipea, “e levaria pelo menos 20 anos no atual ritmo de crescimento para atingir níveis dos Estados Unidos, que não são uma sociedade igualitária”. Mas, pela Pnad, o país atingiu em 2011 seu menor nível de desigualdade de renda “desde os registros nacionais iniciados em 1960”. Nos anos 1960, o índice de Gini atingia 0,535, chegando ao pico de 0,607 nos anos 1990. Em 2011, chegou a 0,527 – quanto mais próximo de zero, menor a desigualdade.

“Se no futuro um historiador fosse nomear as principais mudanças ocorridas nas sociedade brasileira e latino-americana na primeira década do terceiro milênio, poderia chamá-la de década da redução da desigualdade de renda”, sustenta o estudo do Ipea. “Da mesma forma que a de 90 foi a da estabilidade para nós (depois dos vizinhos), e a de 80, a da redemocratização. Existe paralelo entre a fotografia e os movimentos do Brasil e da América Latina. Em ambos, o nível da desigualdade é dos mais altos do mundo, mas em queda. A má notícia é que ainda somos muito desiguais; a boa notícia prospectiva é que há muito crescimento a ser gerado na base da pirâmide social.”

De 2001 a 2011, no caso de pessoas que vivem em famílias chefiadas por analfabetos, a renda cresceu 88,6% enquanto aquelas cujas pessoas de referência têm 12 ou mais anos de estudo tiveram queda de 11,1%. A renda no Nordeste sobe 72,8% e a do Sudeste, 45,8%. Também houve crescimento maior nas áreas rurais (85,5%) em relação às metrópoles (40,5%) e as demais cidades (57,5%). E a renda dos que se identificam como pretos e pardos sobe mais (66,3% e 85,5%, respectivamente) do que a dos brancos (47,6%). “De maneira geral, a renda de grupos tradicionalmente excluídos, que tinham ficado para trás, foi o que mais prosperou no período. Em particular, analfabetos, negros, crianças, nordestinos, moradores do campo foi onde a renda cresceu mais no século 21”, afirma o Ipea.

Ainda no período 2001-2011, as mudanças no mercado de trabalho representaram mais de três quartos do aumento da renda domiciliar per capita. O segundo fator de elevação da renda foram as transferência da Previdência Social. Já a dinâmica de 2009 a 2011 foi diferente: quase todo o crescimento da renda ocorreu pela elevação dos salários dos trabalhadores ocupados. “Em outras palavras, especialmente no período mais recente, houve uma disjunção entre as causas do crescimento da renda média e da redução da desigualdade. Antes, o mercado de trabalho fora o principal motor de ambos os processos; mais recentemente, como vimos, sua contribuição para a queda da desigualdade diminuiu bastante. Caso essa tendência permaneça nos próximos anos, o objetivo último de promover um crescimento pró-pobre vai enfrentar novos obstáculos”, prevê o instituto.

Ainda segundo o estudo, os rendimentos do trabalho explicam 58% da queda do índice de Gini de 2001 a 2008, sendo 19% atribuídos a aumentos dos benefícios da Previdência e 13% pelo programa Bolsa Família. "Cada ponto percentual de redução do Gini pelas vias da previdência custou 352% mais que o obtido pelas vias do Bolsa Família. Todas essas transferências cresceram no período. Ou seja, a desigualdade poderia ter caído ainda mais se fizéssemos a opção preferencial pelos pobres pelas vias do Bolsa Família”, observa o Ipea.

E quanto a esta década? O estudo aponta alguns caminhos. “Se for a da qualidade de educação pode-se incluir no Bolsa Família a educação da primeira infância, a presença dos pais nas escolas e prêmios extras por performance escolar medidos pelo sistema de avaliação de proficiência instalado”, diz o Ipea, citando itens como Prova Brasil e Enem. “Se for a década do maior protagonismo dos pobres novas portas de entrada à cidadania e aos mercados podem ser abertas pelo Bolsa Família através de crédito, seguro e poupança. Se for a da responsabilidade fiscal o Bolsa Família custa hoje aos cofres federais menos de 0,5% do PIB. Se for a da erradicação da miséria proposta, o Bolsa Familia é o caminho mais curto para se chegar lá principalmente se acompanhado de upgrades que dê mais a quem tem menos, que trate os diferentes pobres na medida de sua diferença. A segunda década do novo milênio parece ser a de múltiplos caminhos em direção à superação da pobreza. Diversos deles serão trilhados sobre a estrutura do Bolsa Família.”

domingo, 9 de setembro de 2012

Alunos de escolas com 12ª melhor média do País no Ideb são beneficiários do Bolsa Família.


Ilustração de Remy Charlip para A Day of Summer.
Ilustração de Remy Charlip.


Alunos de escolas com 12ª melhor média do País no Ideb em Pedra Branca moram no campo, mas recebem incentivo de professores e familiares para se dedicar aos estudos
Daniel Aderaldo - iG Ceará | 06/09/2012 05:00:28

Os 360 alunos das duas escolas com maior nota do Ceará no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) 2011 na avaliação dos anos iniciais (1ª à 4ª série) são filhos de pequenos agricultores e beneficiários do programa federal Bolsa Família.

Encravada em uma serra castigada pela seca, a 300 quilômetros de Fortaleza, a pequena Pedra Branca tem uma rede municipal de ensino formada por 60 instituições de ensino e foram justamente as escolas de Ensino Infantil e Fundamental Cícero Barbosa Maciel e Sebastião Francisco Duarte, localizadas na zona rural, onde normalmente os resultados são inferiores, que obtiveram nota 8,1. Esse resultado representa a 12ª melhor pontuação entre todas as instituições públicas do País.

Maria Ducilene Pereira da Silva é diretora da Escola Cícero Barbosa Maciel há seis anos. Conhece bem seus alunos e, a todo instante, cuidava de dividir o mérito do sucesso no Ideb entre gestores, professores, alunos e pais.

Dos arquivos do blog:
Desde a implantação do Bolsa Família, a Taxa de Natalidade já caiu 25%

“Embora tenhamos aqui praticamente 100% filhos de agricultores que vêm de famílias simples, eles tem um diferencial. Não temos problemas com violência, com drogas, com desrespeito de alunos para com professores ou a direção da escola. Nós não temos atritos entre alunos”, afirmou.


Filha de agricultores, Francisca Diany Martins do Nascimento, 11 anos, orgulha-se das notas que tira na escola e, como praticamente todos os colegas, alimenta o sonho de ser “doutora” – médica. O pai passa mais tempo em São Paulo do que em Pedra Branca. Seguiu a sina de ir cortar cana-de-açúcar para tentar fazer chegar à mesa de casa um pouco mais do que o programa federal Bolsa Família proporciona.

“Ele liga para mim sempre para saber se eu estou bem nos estudos. Eu conto que estou bem nas provas: tirei oito, nove, dez

A realidade de Diany é compartilhada por Ana Carla Alves Furtuoso, 11 anos, assim como ocorre com quase todos os alunos matriculados nas duas escolas campeãs em Pedra Branca. A casa simples da família, de paredes pintadas com cal e chão de cimento frio, tem quatro cômodos, que são divididos com duas irmãs mais velhas e os pais, pequenos agricultores.

Uma saca de milhão (60 quilos) e meia saca de feijão é o saldo do que foi plantado no início do ano, antes da quadra chuvosa mais uma vez decepcionar. Do pouco colhido, a família separa uma parte do feijão para a alimentação e outra é vendida. A própria prefeitura compra a safra, que vai para a merenda escolar das crianças, toda baseada na agricultura familiar. O milho fica para o consumo da criação de animais.


Estudante do turno da manhã da 6ª série na Escola Sebastião Francisco Duarte, Carla já havia feito a tarefa de casa quando a reportagem do iG pediu para que ela mostrasse onde e como estudava em casa. Tímida, a menina buscou no quarto o caderno de capa dura e o livro de Matemática, mas não o lápis. Explicou que havia emprestado para uma colega, moradora de um sítio vizinho, que estava com o material escolar incompleto. “Ela passou aqui e levou para fazer o dever de casa também”.

Com uma caneta, revisou a lição feita no dia anterior. Tudo sob a supervisão da mãe. Como estudou somente até o ensino fundamental, a ajuda de Gonçalina Alves Feitosa, ou simplesmente Dona Branca, limita-se ao incentivo. “Quem tira as dúvidas mesmo é a irmã mais velha”

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

O Brasil é a Nova América?

O artigo abaixo foi publicado no Bullish on Books, um blog da CNBC sobre livros de negócios. O autor, James Dale Davidson, escreveu também o livro "O Brasil é a Nova América: como o Brasil oferece mobilidade ascendente em um mundo em colapso".

Nem sei se, tomado o conjunto da obra, eu gostaria que o Brasil algum dia vire uma "nova América"; não gosto muito da ideia de que a gente venha a repetir o tal sonho americano - que, claro, tem aspectos positivos. Prefiro que a gente construa um outro tipo de sociedade, ainda que aproveitando coisas boas que eles, os norte-americanos, fizeram por lá.

Mas não deixa de ser interessante ver um autor norte-americano fazendo aquilo que, por aqui, é coisa rara: louvar o que nós temos conquistado. 

Capa do livro "O Brasil é a Nova América: como o Brasil oferece mobilidade ascendente em um mundo em colapso"
Brazil Is the New America: How Brazil Offers Upward Mobility in a Collapsing World



Há não muito tempo atrás, havia uma crença generalizada de que os Estados Unidos era o melhor destino do mundo para alcançar ascenção social, uma aspiração que se tornou conhecida como "o sonho americano".

Pela a maior parte dos séculos 19 e 20 isso realmente parece ser verdade.

Mas não mais.

Hoje, o passaporte mais valioso do mundo no mercado negro não é o dos EUA, mas o brasileiro.

O Brasil não só vem crescendo a uma taxa média de 5% enquanto a economia dos EUA patina; o Brasil parece muito mais perspectiva de crescimento no futuro. O Brasil é o maior país tropical do mundo, com uma reserva incrível de recursos inexplorados.

Pra começar, em um mundo árido, o Brasil é a nova superpotência da água. A revista The Economist afirmou: "segundo a avaliação da ONU sobre a água do mundo, de 2009, o Brasil tem mais de 8 trilhões de km³ de água renovável a cada ano, sem dificuldades, mais do que qualquer outro país." Para referência, existem 264 bilhões de galões em um km³. Então, 8 trilhões (ou 8 trilhões) de km³ é um monte de água.

Dos arquivos do blog:


Trinta e cinco anos atrás, o Brasil importava alimentos. Hoje, é o maior exportador mundial de cinco culturas princípais, bem como de carne e frango. Cientistas brasileiros projetaram novas versões tropicais, de ciclo curto, de culturas temperadas, como soja e milho. Elas amaduressem de 8 a 12 semanas mais rápido do que as versões originais temperadas, tornando possível, aos agricultores brasileiros, produzir duas colheitas por ano em vez de uma, como nos Estados Unidos.

Em 2002, o rendimento médio global para a soja no Brasil (2,6 toneladas / hectare) superou o rendimento médio nos Estados Unidos (2,4 toneladas / hectare). Mais significativamente, o custo de produção de soja no Brasil caiu para cerca de US $ 6, 23 por saca de 60 kg, apenas 50% do nível dos EUA, de US $ 11,72.

Enquanto ninguém, fora alguns investidores profissionaism, estava olhando, o Brasil calmamente ultrapassou os Estados Unidos na liderança mundial para a mobilidade ascendente. Com uma população apenas dois terços do tamanho de os EUA, o Brasil criou mais de 15 milhões de empregos ao longo dos últimos 8 anos, enquanto os EUA perderam milhões de vagas. Combinando a independência energética e vastos recursos naturais, incluindo 60% das terras ociosas aráveis do mundo e 25% de sua água doce, o Brasil é a primeira superpotência tropical do mundo, oferecendo uma nova fronteira de crescimento.

Mas não cometa o erro de pensar que o Brasil é apenas um grande e bem regada fazenda. O Brasil tem uma economia diversificada e moderna. Na verdade, a agricultura representa apenas 5,5% da economia brasileira. O Brasil tem também um grande setor de mineração, mas 84% ​​das exportações brasileiras são de produtos manufaturados. Começando com os automóveis e aviões (o Brasil é 3 º produtor mundial de aviões comerciais), aço, ferramentas, têxteis e vestuário, calçados, cimento, produtos químicos, fertilizantes, vagões e locomotivas também são importantes exportações brasileiras. E provavelmente surpreenderia a maioria dos americanos saber que, em vários momentos na última década, o Brasil também foi o maior exportador mundial de programas de televisão, habilmente dublados do português para outras línguas.

Consideremos o embaraçoso tema da independência energética. Os políticos norte-americanos tem falado sobre alcançar a independência energética por décadas. No entanto, eles fizeram pouco ou nada para avançar para esse objetivo. A importação de petróleo pelos EUA subiram de cerca de 30% do consumo, em 1970, para em torno de 70% recentemente.

O Brasil, por outro lado, fez um progresso dramático. Em 1974, o Brasil importou cerca de 80% do seu petróleo. Hoje, a percentagem líquida das importações de petróleo pelo Brasil é inferior a zero. O Brasil se tornou um exportador de petróleo em 2009. Hoje o Brasil tem cerca de 100 bilhões de barris de reservas de petróleo e é amplamente reconhecido como líder mundial em biocombustíveis.

O salário real médio nos Estados Unidos tem estado estagnado durante um quarto de século e um em cada sete americanos agora participa do programa de cupons de alimentação, refletindo um crescimento preocupante da pobreza. (Pelos cálculos oficiais, 5,4 milhões de norte-americanos afundaram na pobreza durante o primeiro ano da presidência de Obama). Enquanto isso, quase 40 milhões de brasileiros saíram da pobreza para a classe média na última década.

Enquanto o crescimento do emprego nos Estados Unidos foi rudimentar, e mais americanos se qualificaram para invalidez permanente do que encontraram empregos durante o atual mandato presidencial, o desemprego brasileiro está em 5,8% e os salários estão subindo devido à escassez de trabalhadores.

Não muito tempo atrás, quem queria viver o "sonho americano" de mobilidade ascendente tinha que viver nos Estados Unidos. Mas o que era verdade nos séculos 19 e 20 já não é no despetar do século 21. Não só 40 milhões de brasileiros saíram da pobreza para entrar na classe média na última década; o Brasil tornou-se um ótimo lugar para ficar rico, somando 19 novos milionários a cada dia desde 2007. Nada mal em comparação com os Estados Unidos, que perdeu 353 milionários a cada dia, só em 2011.

Não é de admirar que um número crescente de americanos estão migrando para o Brasil por  uma oportunidade. Como Scott e Mandy Harker disseram sobre sua decisão de deixar os EUA para o Brasil, "Para nós, era como estar em um navio afundando, esperando ele ir para baixo."

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Rio, a cidade que faz a alma cantar

Paixão por uma cidade ou um país - o patriotismo, enfim - pode ser mesmo uma doença bem infantil. E, sim, feliz ou infelizmente, eu sou doente.




PS: o vídeo me chegou por uma publicação do Gizmodo. É lindo, mas fica ainda melhor quando se tira o som do Vimeo e o assiste ouvindo o Samba do Avião.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Bolha imobiliária?

Abaixo, o trecho do boletim Conjuntura em Foco, do IPEA, que trata dos riscos de uma bolha imobiliária no Brasil. A íntegra está disponível aqui (em PDF).

Boletim Conjuntura em Foco do IPEA: Crédito às pessoas físicas, inadimplência e a crise econômica internacional foram os temas principais (trecho)

O crescimento do crédito e, mais recentemente, da inadimplência na economia brasileira vem suscitando preocupações com a evolução do atual nível de endividamento das famílias. Por isso, torna-se importante entender se o movimento recente dessas séries no Brasil assemelha-se ao ocorrido em determinados países, como, por exemplo, os Estados Unidos – onde a expansão irresponsável do crédito resultou na formação da chamada “bolha imobiliária”. Não se pretende, neste texto, empreender uma análise minuciosa sobre os determinantes da crise internacional, as apenas examinar de forma comparada o recente fenômeno do avanço do crédito e da inadimplência na economia brasileira.



Nesse sentido, voltando ao caso dos Estados Unidos, no período anterior a 2007, o sistema financeiro concedia crédito (notadamente, financiamento imobiliário) a pessoas físicas que não percebiam renda compatível com o serviço da dívida (subprime). Até mesmo imigrantes ilegais, que não tinham documentos do país nem comprovação formal de renda, conseguiam financiar a compra da casa própria com certa facilidade. Com a ampliação do crédito, o preço dos imóveis – num cenário de crescimento econômico – aumentou continuamente ao longo de vários anos.

A legislação permitia – e o sistema financeiro estimulava – que a pessoa que tivesse financiado a compra de um imóvel pudesse renegociar o contrato de empréstimo (muitas vezes com outro agente financeiro), com base nas novas cotações do mercado imobiliário, obtendo, assim, volumes superiores de crédito – o percentual de contratos de refinanciamento em que isso acontecia chegou a alcançar 72,9% do volume total, como mostra o gráfico 1.

Gráfico - Parcela dos refinanciamentos imobiliários dos Estados Unidos na qual o devedor recebeu dinheiro do banco com o novo contrato (cash out refinancing)
Gráfico 1
Assim, as famílias passaram a alavancar suas posições devedoras com vistas à ampliação do consumo e/ou à aquisição de novos imóveis. Quando, por uma série de razões, os preços dos imóveis começaram a cair, a dinâmica se inverteu. Os bancos executavam as garantias, vendiam imóveis, não conseguiam reaver todo o saldo devedor e, ainda, aprofundavam a tendência de queda dos valores imobiliários. Desse modo, a inadimplência de contratos de crédito no setor imobiliário da economia norte-americana tornou-se um importante componente da crise econômica (gráfico 2).

Gráfico - Taxa de inadimplência do sistema financeiro dos EUA
Gráfico 2
No caso da economia brasileira, o crédito tem crescido a taxas elevadas há alguns anos. Não obstante, o endividamento das famílias com o sistema financeiro (medido em relação à renda acumulada dos últimos doze meses) ainda é baixo comparativamente ao nível alcançado nas regiões atualmente em crise (gráfico 3). Mesmo o crédito imobiliário, que cresceu bem acima da média das demais modalidades nos últimos anos – passando de 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB) no início de 2007, para 4,5% do PIB no final de 2011 e 5,5% do PIB em junho deste ano – ainda se encontra num patamar muito inferior ao apresentado pelos Estados Unidos (65% do PIB) e mesmo por países emergentes, como, por exemplo, a África
do Sul (27% do PIB). [1]

Gráfico - Endividamento das famílias com o sistema financeiro (EUA, Reino Unido, Africa do Sul e Brasil)
Gráfico 3
Na verdade, o dado que suscita maior preocupação (em função do forte ritmo de crescimento nos últimos anos e do alcance de um patamar elevado na comparação internacional) é o de comprometimento de renda das famílias com o serviço das dívidas (juros e amortizações) junto ao sistema financeiro, o qual, não obstante, se mantém em torno de 22% desde o segundo semestre de 2011 (gráfico 4). De acordo com dados divulgados no relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre o Brasil (no 12/191 de julho de 2012), o nível de comprometimento da renda no Brasil está alto na comparação com outros países emergentes da América Latina; por exemplo, em relação ao México (em torno de 5%) e Chile (algo como 15%) – no caso dos Estados Unidos, o nível de comprometimento da renda estava em 11% no primeiro trimestre deste ano, segundo dados do FED.

Gráfico - Comprometimento de renda das famílias com o serviço das dívidas com o Sistema Financeiro Nacional - Brasil
Gráfico 4
Uma hipótese que tem sido aventada no debate recente é que esse elevado grau de comprometimento da renda, juntamente com a alta da taxa de inadimplência (examinada a seguir), pode estar limitando o avanço do mercado de crédito no Brasil como reação à flexibilização da política monetária.

Por outro lado, de acordo com dados do BCB, o saldo das parcelas a vencer no curto prazo representam 43% das dívidas de pessoas físicas com o sistema financeiro. Se forem acrescentados também os valores referentes ao crédito com vencimento no médio prazo (361 a 1.088 dias), chega-se a mais de 73% do total. Isso significa, portanto, que o elevado grau de comprometimento da renda das famílias no Brasil, da mesma forma que cresceu rapidamente, também pode cair em pouco tempo. De fato, os últimos dados disponíveis, de maio de 2012, apontam para uma gradual redução desse indicador. Em primeiro lugar, tal queda tende a se acelerar com a trajetória declinante das taxas de juros e o processo crescente de renegociação das dívidas. Em segundo lugar, o próprio denominador da razão constituinte desse indicador, o rendimento do trabalho, tem permanecido em alta apesar do agravamento recente da crise internacional. Finalmente, o aumento da participação do crédito habitacional tende a aumentar o prazo médio de pagamento das dívidas e, com isso, a reduzir os desembolsos mensais com serviços da dívida em relação ao nível de endividamento da população.

Os dados sugerem que o aumento recente do grau de comprometimento da renda com juros e amortizações também está positivamente correlacionado com a alta da taxa de inadimplência (gráficos 4 e 5). Entretanto, para melhor entender o movimento recente de alta da inadimplência na economia brasileira, torna-se necessário, antes de tudo, examinar as mudanças institucionais implantadas nos anos 2000, fundamentais para o avanço do crédito no período subsequente. Dentre tais mudanças, destacam-se:

• a regulamentação do crédito consignado (Lei no 10.820, de 17/12/2003), que ampliou o acesso de trabalhadores com carteira assinada e aposentados a uma linha de crédito com juros bem menores que os do crédito pessoal tradicional;
• a criação do Sistema de Informações de Crédito do Banco Central (SCR), que deu mais segurança ao sistema financeiro. [2] A coleta de informações para o SCR iniciou-se em maio de 2002;
• a Resolução no 3.005, de julho de 2002, do BCB produziu alterações na contabilização do Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS), que implicaram o aumento da parcela de recursos da poupança destinada ao financiamento habitacional;
• a aprovação da Lei no 10.931, de 2/8/2004, que disciplinou a aplicação da alienação fiduciária criada em 1997, simplificando a retomada do bem dado como colateral para o empréstimo, e instituiu o valor incontroverso – instrumento que estabelece, nos casos de disputas judiciais, a continuidade do pagamento da parte da prestação não contestada; e
• a mesma Lei no 10.931 instituiu o patrimônio de afetação, que consistiu na adoção de um patrimônio próprio para cada empreendimento, e o regime especial de tributação (RET) do patrimônio de afetação, para blindar o empreendimento em relação a débitos do empreendedor dando segurança aos compradores de imóveis na planta em caso de problemas financeiros da construtora.

Gráfico - Taxa de inadimplência acima de 90 dias em relação ao total da modalidade das operações de crédito
Gráfico 5
Essas importantes reformas institucionais tiveram impactos diferentes em cada categoria de crédito. A normatização do crédito consignado resultou numa maior oferta de crédito pessoal com juros significativamente mais baixos do que aqueles cobrados nos empréstimos sem garantia. O aumento da participação do crédito consignado reduziu o risco e, por conseguinte, a taxa de inadimplência do crédito pessoal. Como pode ser visto no gráfico 5, apesar das oscilações conjunturais, a inadimplência do crédito pessoal apresenta uma tendência de queda nos últimos anos.

Note-se que, desde o início de 2011, o movimento geral de alta da inadimplência tem sido liderado pelo crédito para a aquisição de veículos. Nessa categoria ocorreram mudanças comportamentais importantes tanto na demanda por crédito, devido aos crescimentos da renda e do grau de formalização do trabalho, como na sua oferta, impulsionadas pelas alterações de legislação já mencionadas.

O estudo de Assunção, Benmelech e Silva (2012) [3]utiliza um modelo econométrico estimado a partir de microdados fornecidos por um dos maiores bancos privados do Brasil para analisar justamente os impactos que a reforma legal de 2004 teve sobre o crédito automotivo.

Os modelos estimados no referido estudo sugerem que as mudanças legais de 2004 resultaram em empréstimos maiores com spreads menores, prazos de vencimentos mais longos, maior exposição ao risco (por parte dos bancos) e, consequentemente, numa maior “democratização” do crédito – permitindo que tomadores com classificação mais arriscada e menores rendas obtivessem financiamentos associados à aquisição de carros mais novos e mais caros. Ou seja, verificou-se um processo de inclusão no mercado de uma parcela da população sem acesso ao crédito de automóveis.

O problema é que, juntamente com a ampliação desse acesso, cresceu também o número de tomadores sem conhecimento dos custos envolvidos na manutenção dos veículos (combustível, seguro, revisões etc.) e, portanto, de inadimplentes. Os bancos e montadoras, por sua vez, chegaram a oferecer financiamentos sem entrada, com prazos longos (acima de 60 meses) e até mesmo o chamado “troco na troca”, onde o financiamento era maior que o valor do carro dado como parte do pagamento.

Antecipando possíveis problemas com financiamentos deste tipo, o BCB incluiu entre as medidas macroprudenciais adotadas em dezembro de 2010 restrições de prazo (máximo de 60 meses) e percentual mínimo de valor de entrada (de acordo com o prazo de financiamento).

Cumpre destacar aqui, no entanto, que as dificuldades envolvidas no financiamento para compra de veículos não têm alcance sistêmico ou estrutural. Desde o segundo semestre do ano passado, os bancos passaram a ser mais criteriosos nas suas concessões de crédito, já restringidas, por outro lado, no âmbito das medidas macroprudenciais. De acordo com o Relatório de Estabilidade Financeira (REF) do BCB de setembro de 2011 (p. 18), “as medidas macroprudenciais implementadas desde dezembro de 2010 foram eficazes ao corrigir a velocidade de crescimento do crédito, evitar o alongamento excessivo dos prazos e, no caso específico do financiamento de veículos, melhorar o loan-to-value (LTV)”[4].

Portanto, o movimento da inadimplência nesse tipo de empréstimo aponta para uma tendência de redução gradual.

Gráfico - Saldo das operações de crédito do sistema financeiro para pessoas físicas
Gráfico 6
No segmento do crédito imobiliário, por sua vez, as reformas institucionais tiveram maior amplitude com melhores resultados. A expansão do crédito habitacional ocorreu a um ritmo mais intenso que o do crédito para a aquisição de veículos (tornando seu saldo superior em termos absolutos), ao mesmo tempo em que a taxa de inadimplência no segmento apresentou quedas significativas ao longo de todo o período pósreformas (gráficos 6, 7 e 8).

Gráfico -  Participação percentual de categorias selecionadas no saldo das operações de crédito
Gráfico 7

Gráfico - Situação dos contratos de financiamento habitacional do Sistema Brasileiro de Crédito
Gráfico 8
O elevado déficit habitacional ainda presente no Brasil faz com que a demanda por crédito imobiliário seja, também, ainda muito grande. Por outro lado, a compra do imóvel costuma ser uma decisão mais bem planejada pelas famílias do que a envolvida na aquisição de um automóvel.

Os bancos no Brasil também são mais cuidadosos ao analisar propostas de financiamento imobiliário. Enquanto o processo de análise para a liberação do financiamento de um veículo demora, em geral, um ou dois dias, o crédito habitacional é usualmente concedido somente depois de uma lenta e criteriosa avaliação, com duração de semanas e o envolvimento de diversas etapas (avaliação do imóvel por um perito, levantamento de informações sobre o dono do imóvel etc.).

Outra diferença importante entre os dois segmentos, e que ajuda a explicar a diferença de comportamento entre as respectivas taxas de inadimplência no período pós-reformas, é o fato de a casa própria constituir um bem essencial do ponto de vista das famílias, enquanto o automóvel é encarado, muitas vezes, apenas como um item de conforto. Quando há uma redução de renda e/ou gastos inesperados no setor das famílias, a tendência é priorizar o pagamento de despesas essenciais em detrimento de itens de conforto. Com a simplificação do processo de retomada do bem dado como garantia, o pagamento em dia da prestação da casa própria tornou-se ainda mais importante.

Outro motivo para uma redução tão expressiva da inadimplência dos financiamentos habitacionais é o efeito composição. Com o crescimento acelerado desse segmento de crédito, houve uma rápida redução da participação dos contratos firmados no período de inflação alta, que têm taxas de inadimplência superiores a 50%.

Uma variável que tem efeitos importantes sobre as taxas de inadimplência dos diferentes segmentos de crédito é a taxa de desemprego, que conta com um cenário positivo para este ano. Em que pese o efeito da crise internacional em alguns setores da economia brasileira, o mercado de trabalho vem mostrando um comportamento bem favorável, ao longo dos últimos anos. Para os próximos meses, a tendência é de manutenção deste cenário positivo para o emprego, possibilitado, sobretudo, pela melhora no desempenho da atividade econômica no país ao longo do segundo semestre deste ano. Desta forma, a taxa de desocupação deve permanecer em níveis historicamente baixos.

No que diz respeito aos rendimentos reais, a expectativa é de uma desaceleração nas taxas de crescimento, uma vez que a maior parte do impacto dos reajustes do salário mínimo já foi dissipada. Entretanto a trajetória ascendente dos salários deve continuar.

Outra variável que indica uma tendência de queda da taxa de inadimplência é o indicador de perspectiva de inadimplência do consumidor da Serasa Experian. Como mostra o gráfico 9, esse indicador está em queda, abaixo do nível 100 (nível de equilíbrio de longo prazo), e mostra um comportamento bem próximo ao da taxa de inadimplência do BCB (constituindo um bom indicador de antecedente desta última).

Gráfico - Taxa de inadimplência das pessoas físicas do BCB versus indicador de perspectiva de inadimplência do Serasa
Gráfico 9
Em síntese, a situação atual do mercado de crédito no Brasil é bem diferente da observada nos países, como os Estados Unidos, em que houve crise do sistema financeiro. O volume de crédito ainda é relativamente baixo e de curto prazo. Com a tendência de continuação do cenário positivo no mercado de trabalho e a redução da taxa de juros, o indicador de comprometimento da renda com o serviço da dívida e a taxa de inadimplência devem apresentar trajetórias descendentes. Nesse sentido, ainda, outras diferenças positivas marcantes no caso brasileiro são a solidez do sistema financeiro, o maior cuidado dos bancos na concessão de crédito e o menor grau de alavancagem das famílias.


1. Os dados de crédito imobiliário do Brasil foram calculados com base nas informações do Banco Central do Brasil (BCB) – crédito livre e direcionado. Os dados dos
Estados Unidos e da África do Sul são de 2011 e foram obtidos no site da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
2. “O SCR é um instrumento de registro e consulta de informações sobre as operações de crédito, avais e fianças prestados e limites de crédito concedidos por instituições financeiras
a pessoas físicas e jurídicas no país” (Banco Central do Brasil. SCR, 2004, documento disponível em:<http://www.bcb.gov.br/fis/crc/ftp/SCR_VisaoGeral_v1.00.pdf>).

3. Assunção, J. J.; Benmelech, E.; Silva, F. S. S. Repossession and democratization of credit. Cambridge, MA: National Bureau of Economic Research, 2012, 35 p.
(Working Paper, no 17.858).
4. Loan-to-value é a razão entre o valor do financiamento contratado e o valor do bem dado como garantia.