quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Carta Capital: especialista da ONU garante: o Brasil tem feito um grande trabalho no combate à corrupção; o escandalo do DEM seria uma prova disso.

Segue alguns trecho de entrevista publicada no site da Carta Capital. Destaquei apenas alguns trechos, mas ela vale uma visita para leitura de seu texto integral. O link está no título.

Como lidar com crocodilos
10/12/2009 15:14:56
Cynara Menezes

A população de Brasília errou ao dar uma segunda chance a José Roberto Arruda, após o episódio em que o agora governador, à época senador, violou o painel de votação do Senado. A opinião é do americano Stuart Gilman, chefe da iniciativa anticorrupção da ONU e do Banco Mundial. “Em todos os países em que pessoas nessas circunstâncias foram reeleitas, falharam. Ou foram corruptos novamente ou não souberam controlar a corrupção de subordinados”, afirma Gilman. O norte-americano esteve no Brasil para participar do Dia Mundial Anticorrupção, na quarta-feira 9.

Apesar dos últimos escândalos, Gilman afirma que não há motivos para os brasileiros alimentarem a sensação de que todo político é ladrão ou de que o grau de corrupção no País tem aumentado. “É uma época maravilhosa se compararmos o que foi feito de 2005 para cá com os últimos 25 anos. Há duas décadas e meia, quando eu vinha ao Brasil, ninguém estava interessado”, elogia Gilman. O problema central, acredita o consultor, continua sendo a impunidade.

CartaCapital: O senhor atua no combate à corrupção há três décadas. Parece uma tarefa de Sísifo...
Stuart Gilman: E é. Mas não tenho problema em empurrar a rocha, porque sei que ela está se movendo. Estamos agora perto do topo da montanha, pois há muitos outros ombros a meu lado, o time está crescendo. E realmente vejo as diferenças. Penso no Brasil há 30 anos e é um país muito diferente hoje. Para ser bem honesto, 25 anos atrás, quando eu vinha aqui, ninguém estava interessado. Atualmente, coisas impressionantes têm sido feitas na luta anticorrupção. O ministro Jorge Hage Sobrinho é um líder global, seu trabalho na CGU (Controladoria Geral da União) é reconhecido mundialmente. O portal da transparência, onde os cidadãos podem ver onde o dinheiro público supostamente deve ser gasto, foi uma excelente idéia que se tornou um modelo para outros países. O Brasil está fazendo um grande trabalho, de verdade. E é também verdade que ainda há muito por fazer.

CC: O Brasil está mais corrupto ou se descobre mais?
SG: Descobre-se mais. As pessoas estão chateadas com essa história de em Brasília, mas o que é realmente grande sobre ela é como veio à tona, com a polícia descobrindo tudo. No passado só os jornalistas, se eram muito sortudos, descobriam algo assim. Agora é o governo quem está jogando um papel ativo em revelar a corrupção. A boa notícia é que não é só no Brasil, é um movimento global. E é apenas o quarto ano de celebração do dia mundial anticorrupção. Um outro aspecto desta luta ao qual não se presta atenção é construir integridade.

CC: Como se faz isso?
SG: Não se criam escritórios de integridade, não é assim. Vou contar uma história sobre meu próprio país. Em 1837, um fiscal de alfândega em Nova York, Samuel Swartwout, deixou o porto da cidade com 10% de todo o tesouro dos EUA. Foi para a Inglaterra, com quem não havia tratado de extradição, comprou um título de nobreza, e casou com uma beldade loira e de olhos azuis de 21 anos. Mas o mais interessante é que, interrogados, seus funcionários disseram que sabiam de tudo e não o denunciaram porque trabalhavam para ele, não para o governo. Uma coisa simples que os EUA fizeram, um exemplo de como conseguir lealdade, é que quando você entra para o serviço público jura honrar a Constituição, não o governo, nem mesmo o presidente. Como a Constituição dos EUA começa com “nós, o povo”, você trabalha para o povo, não para seu chefe. É bom relembrar os funcionários públicos para quem eles trabalham.

CC: Durante o ano inteiro tivemos boas notícias sobre o Brasil. No entanto, ver gente escondendo dinheiro na cueca, na meia, é algo como: bem-vindo de volta ao Terceiro Mundo...
SG: O dilema é que isso foi positivo. Há três frentes contra a corrupção: primeiro, impedir que ela aconteça, prevenir. Segundo, flagrar o corrupto o mais rápido possível. E terceiro, levá-lo a julgamento também rapidamente, para não dar aos cidadãos a sensação de impunidade. Alguns países estão usando a justiça diferentemente. Um caso não muito conhecido no Brasil é o do americano Jack Abramoff, que se declarou culpado de suborno. Foi a mesma coisa: bolsos cheios de dinheiro, viagens à Escócia para jogar golfe... Mas levou oito meses do tempo em que foi descoberto até ser preso. Isso porque a agência anticorrupção lhe deu duas escolhas: ou você vai para a cadeia pelo resto da vida ou restitui o Estado, colabora com a investigação e fica 15 anos preso. Ele pegou os 15 anos. Um outro exemplo é ter a possibilidade de pegar o dinheiro de volta antes da condenação do sujeito. Na Romênia eles fizeram isso. Houve um escândalo envolvendo carteiras de motoristas ilegais e encontraram 500 mil euros em cash na casa do chefe de polícia. Ele até agora não foi julgado, mas três semanas atrás o dinheiro retornou ao governo.

(...)

CC: O problema central no Brasil é a impunidade?
SG: Não leio português, mas quando traduzem algum artigo para mim, vejo que a preocupação dos cidadãos não é com as acusações de corrupção em si mesmas, mas com o fato de que nada vai acontecer com os corruptos. Esse deve ser o foco. O governo precisa trabalhar com o judiciário, mantendo a independência entre os poderes, mas ao mesmo tempo administrando o processo, especialmente nos casos de corrupção. Como fazer de maneira mais rápida, mais eficiente. Sei que a corte suprema aqui julga um número de casos excessivo, como em nenhum país do mundo.

(...)

CC: No Brasil muitos dizem que todos os políticos são ladrões.
SG: É injusto afirmar isso. A questão é como dar aos políticos a chance de provarem que são honestos. Por exemplo: dando transparência a seus rendimentos financeiros. Mostre seu extrato aos jornalistas todo ano, mostre aos cidadãos. Quanto mais transparência, melhor. A luz do sol é o melhor desinfetante, a luz dos postes é o melhor policial, a transparência no governo é o melhor seguro anticorrupção. Abra suas contas, não diga que não é da conta de ninguém. Eu estava nos EUA em 1978 quando forçaram todos os funcionários públicos pela lei a revelar seu extrato todo ano. Houve um editorial no Washington Post dizendo que ninguém ia querer mais se tornar servidor público. E aconteceu alguma coisa? Nada. As pessoas se acostumam, passa a ser considerado normal. Posso sentar no meu escritório e pedir uma cópia do extrato do presidente Obama do ano passado. Ou da movimentação financeira dos últimos seis anos do ex-presidente Bush.

CC: Alguns anos atrás o governador de Brasília violou o painel de votação do Senado, se disse arrependido, chorou e recebeu uma segunda chance... Um corrupto nunca muda?
SG: Você conhece o termo lágrimas de crocodilo? Enquanto eles o devoram, choram... Todo criminoso sempre tem uma desculpa: fiz por causa dos meus filhos, não sabia o que estava fazendo, que o crime era tão sério, me sinto tão mal... Muito poucas vezes estão falando a verdade. Em todos os países onde pessoas nessas circunstâncias foram reeleitas, falharam. Ou foram corruptos novamente ou não souberam controlar a corrupção de subordinados. Por que elegê-los uma segunda vez? É preciso aprender a lidar com os crocodilos.

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