Como lidar com crocodilos
10/12/2009 15:14:56
Cynara Menezes
A população de Brasília errou ao dar uma segunda chance a José Roberto Arruda, após o episódio em que o agora governador, à época senador, violou o painel de votação do Senado. A opinião é do americano Stuart Gilman, chefe da iniciativa anticorrupção da ONU e do Banco Mundial. “Em todos os países em que pessoas nessas circunstâncias foram reeleitas, falharam. Ou foram corruptos novamente ou não souberam controlar a corrupção de subordinados”, afirma Gilman. O norte-americano esteve no Brasil para participar do Dia Mundial Anticorrupção, na quarta-feira 9.
Apesar dos últimos escândalos, Gilman afirma que não há motivos para os brasileiros alimentarem a sensação de que todo político é ladrão ou de que o grau de corrupção no País tem aumentado. “É uma época maravilhosa se compararmos o que foi feito de 2005 para cá com os últimos 25 anos. Há duas décadas e meia, quando eu vinha ao Brasil, ninguém estava interessado”, elogia Gilman. O problema central, acredita o consultor, continua sendo a impunidade.
CartaCapital: O senhor atua no combate à corrupção há três décadas. Parece uma tarefa de Sísifo...
Stuart Gilman: E é. Mas não tenho problema em empurrar a rocha, porque sei que ela está se movendo. Estamos agora perto do topo da montanha, pois há muitos outros ombros a meu lado, o time está crescendo. E realmente vejo as diferenças. Penso no Brasil há 30 anos e é um país muito diferente hoje. Para ser bem honesto, 25 anos atrás, quando eu vinha aqui, ninguém estava interessado. Atualmente, coisas impressionantes têm sido feitas na luta anticorrupção. O ministro Jorge Hage Sobrinho é um líder global, seu trabalho na CGU (Controladoria Geral da União) é reconhecido mundialmente. O portal da transparência, onde os cidadãos podem ver onde o dinheiro público supostamente deve ser gasto, foi uma excelente idéia que se tornou um modelo para outros países. O Brasil está fazendo um grande trabalho, de verdade. E é também verdade que ainda há muito por fazer.
CC: O Brasil está mais corrupto ou se descobre mais?
SG: Descobre-se mais. As pessoas estão chateadas com essa história de em Brasília, mas o que é realmente grande sobre ela é como veio à tona, com a polícia descobrindo tudo. No passado só os jornalistas, se eram muito sortudos, descobriam algo assim. Agora é o governo quem está jogando um papel ativo em revelar a corrupção. A boa notícia é que não é só no Brasil, é um movimento global. E é apenas o quarto ano de celebração do dia mundial anticorrupção. Um outro aspecto desta luta ao qual não se presta atenção é construir integridade.
CC: Como se faz isso?
SG: Não se criam escritórios de integridade, não é assim. Vou contar uma história sobre meu próprio país. Em 1837, um fiscal de alfândega em Nova York, Samuel Swartwout, deixou o porto da cidade com 10% de todo o tesouro dos EUA. Foi para a Inglaterra, com quem não havia tratado de extradição, comprou um título de nobreza, e casou com uma beldade loira e de olhos azuis de 21 anos. Mas o mais interessante é que, interrogados, seus funcionários disseram que sabiam de tudo e não o denunciaram porque trabalhavam para ele, não para o governo. Uma coisa simples que os EUA fizeram, um exemplo de como conseguir lealdade, é que quando você entra para o serviço público jura honrar a Constituição, não o governo, nem mesmo o presidente. Como a Constituição dos EUA começa com “nós, o povo”, você trabalha para o povo, não para seu chefe. É bom relembrar os funcionários públicos para quem eles trabalham.
CC: Durante o ano inteiro tivemos boas notícias sobre o Brasil. No entanto, ver gente escondendo dinheiro na cueca, na meia, é algo como: bem-vindo de volta ao Terceiro Mundo...
SG: O dilema é que isso foi positivo. Há três frentes contra a corrupção: primeiro, impedir que ela aconteça, prevenir. Segundo, flagrar o corrupto o mais rápido possível. E terceiro, levá-lo a julgamento também rapidamente, para não dar aos cidadãos a sensação de impunidade. Alguns países estão usando a justiça diferentemente. Um caso não muito conhecido no Brasil é o do americano Jack Abramoff, que se declarou culpado de suborno. Foi a mesma coisa: bolsos cheios de dinheiro, viagens à Escócia para jogar golfe... Mas levou oito meses do tempo em que foi descoberto até ser preso. Isso porque a agência anticorrupção lhe deu duas escolhas: ou você vai para a cadeia pelo resto da vida ou restitui o Estado, colabora com a investigação e fica 15 anos preso. Ele pegou os 15 anos. Um outro exemplo é ter a possibilidade de pegar o dinheiro de volta antes da condenação do sujeito. Na Romênia eles fizeram isso. Houve um escândalo envolvendo carteiras de motoristas ilegais e encontraram 500 mil euros em cash na casa do chefe de polícia. Ele até agora não foi julgado, mas três semanas atrás o dinheiro retornou ao governo.
(...)
CC: O problema central no Brasil é a impunidade?
SG: Não leio português, mas quando traduzem algum artigo para mim, vejo que a preocupação dos cidadãos não é com as acusações de corrupção em si mesmas, mas com o fato de que nada vai acontecer com os corruptos. Esse deve ser o foco. O governo precisa trabalhar com o judiciário, mantendo a independência entre os poderes, mas ao mesmo tempo administrando o processo, especialmente nos casos de corrupção. Como fazer de maneira mais rápida, mais eficiente. Sei que a corte suprema aqui julga um número de casos excessivo, como em nenhum país do mundo.
(...)
CC: No Brasil muitos dizem que todos os políticos são ladrões.
SG: É injusto afirmar isso. A questão é como dar aos políticos a chance de provarem que são honestos. Por exemplo: dando transparência a seus rendimentos financeiros. Mostre seu extrato aos jornalistas todo ano, mostre aos cidadãos. Quanto mais transparência, melhor. A luz do sol é o melhor desinfetante, a luz dos postes é o melhor policial, a transparência no governo é o melhor seguro anticorrupção. Abra suas contas, não diga que não é da conta de ninguém. Eu estava nos EUA em 1978 quando forçaram todos os funcionários públicos pela lei a revelar seu extrato todo ano. Houve um editorial no Washington Post dizendo que ninguém ia querer mais se tornar servidor público. E aconteceu alguma coisa? Nada. As pessoas se acostumam, passa a ser considerado normal. Posso sentar no meu escritório e pedir uma cópia do extrato do presidente Obama do ano passado. Ou da movimentação financeira dos últimos seis anos do ex-presidente Bush.
CC: Alguns anos atrás o governador de Brasília violou o painel de votação do Senado, se disse arrependido, chorou e recebeu uma segunda chance... Um corrupto nunca muda?
SG: Você conhece o termo lágrimas de crocodilo? Enquanto eles o devoram, choram... Todo criminoso sempre tem uma desculpa: fiz por causa dos meus filhos, não sabia o que estava fazendo, que o crime era tão sério, me sinto tão mal... Muito poucas vezes estão falando a verdade. Em todos os países onde pessoas nessas circunstâncias foram reeleitas, falharam. Ou foram corruptos novamente ou não souberam controlar a corrupção de subordinados. Por que elegê-los uma segunda vez? É preciso aprender a lidar com os crocodilos.
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