Estudo do Ipea, com base em dados do IBGE, aponta na última década redução sem precedente da desigualdade desde os anos 1960
Publicado em 25/09/2012
São Paulo – Expressão dos anos 1970, cunhada pelo ex-ministro Delfim Netto, vem à tona em estudo divulgado hoje (25) pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2011, do IBGE. “O tamanho do bolo brasileiro ainda está crescendo mais rápido e com mais fermento entre os mais pobres”, diz o documento – Delfim falava em esperar “o bolo” da economia crescer para então dividi-lo. Mas foi só na década passada que isso começou a ocorrer de fato, embora as fatias continuem desiguais. Se os anos 1990 podem ser chamados os de estabilização da economia, os anos 2000 foram marcados pela redução da desigualdade de renda.
Dos arquivos do blog:
O Brasil é a Nova América?
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“Como consequência da manutenção do crescimento com redução da desigualdade, a pobreza mantém uma contínua trajetória decrescente, que vem desde o fim da recessão de 2003 independentemente da linha de pobreza e e da medida usada”, observa o instituto. Uma das conclusões do estudo afirma que “não há na história brasileira, estatisticamente documentada desde 1960, nada similar à redução da desigualdade de renda observada desde 2001”. Daquele ano até 2011, a renda dos 10% mais pobres cresceu 550% mais que a dos 10% mais ricos. No período de 12 meses, até junho deste ano, já com dados da Pesquisa Mensal de Emprego (PME), também do IBGE, o mesmo movimento foi captado, “perfazendo 11 anos consecutivos de quedas do índice de Gini (índice criado para medir a concentração de renda em determinado grupo)”.
Por um lado, a desigualdade no Brasil permanece entre as 15 maiores do mundo, lembra o Ipea, “e levaria pelo menos 20 anos no atual ritmo de crescimento para atingir níveis dos Estados Unidos, que não são uma sociedade igualitária”. Mas, pela Pnad, o país atingiu em 2011 seu menor nível de desigualdade de renda “desde os registros nacionais iniciados em 1960”. Nos anos 1960, o índice de Gini atingia 0,535, chegando ao pico de 0,607 nos anos 1990. Em 2011, chegou a 0,527 – quanto mais próximo de zero, menor a desigualdade.
“Se no futuro um historiador fosse nomear as principais mudanças ocorridas nas sociedade brasileira e latino-americana na primeira década do terceiro milênio, poderia chamá-la de década da redução da desigualdade de renda”, sustenta o estudo do Ipea. “Da mesma forma que a de 90 foi a da estabilidade para nós (depois dos vizinhos), e a de 80, a da redemocratização. Existe paralelo entre a fotografia e os movimentos do Brasil e da América Latina. Em ambos, o nível da desigualdade é dos mais altos do mundo, mas em queda. A má notícia é que ainda somos muito desiguais; a boa notícia prospectiva é que há muito crescimento a ser gerado na base da pirâmide social.”
De 2001 a 2011, no caso de pessoas que vivem em famílias chefiadas por analfabetos, a renda cresceu 88,6% enquanto aquelas cujas pessoas de referência têm 12 ou mais anos de estudo tiveram queda de 11,1%. A renda no Nordeste sobe 72,8% e a do Sudeste, 45,8%. Também houve crescimento maior nas áreas rurais (85,5%) em relação às metrópoles (40,5%) e as demais cidades (57,5%). E a renda dos que se identificam como pretos e pardos sobe mais (66,3% e 85,5%, respectivamente) do que a dos brancos (47,6%). “De maneira geral, a renda de grupos tradicionalmente excluídos, que tinham ficado para trás, foi o que mais prosperou no período. Em particular, analfabetos, negros, crianças, nordestinos, moradores do campo foi onde a renda cresceu mais no século 21”, afirma o Ipea.
Ainda no período 2001-2011, as mudanças no mercado de trabalho representaram mais de três quartos do aumento da renda domiciliar per capita. O segundo fator de elevação da renda foram as transferência da Previdência Social. Já a dinâmica de 2009 a 2011 foi diferente: quase todo o crescimento da renda ocorreu pela elevação dos salários dos trabalhadores ocupados. “Em outras palavras, especialmente no período mais recente, houve uma disjunção entre as causas do crescimento da renda média e da redução da desigualdade. Antes, o mercado de trabalho fora o principal motor de ambos os processos; mais recentemente, como vimos, sua contribuição para a queda da desigualdade diminuiu bastante. Caso essa tendência permaneça nos próximos anos, o objetivo último de promover um crescimento pró-pobre vai enfrentar novos obstáculos”, prevê o instituto.
Ainda segundo o estudo, os rendimentos do trabalho explicam 58% da queda do índice de Gini de 2001 a 2008, sendo 19% atribuídos a aumentos dos benefícios da Previdência e 13% pelo programa Bolsa Família. "Cada ponto percentual de redução do Gini pelas vias da previdência custou 352% mais que o obtido pelas vias do Bolsa Família. Todas essas transferências cresceram no período. Ou seja, a desigualdade poderia ter caído ainda mais se fizéssemos a opção preferencial pelos pobres pelas vias do Bolsa Família”, observa o Ipea.
E quanto a esta década? O estudo aponta alguns caminhos. “Se for a da qualidade de educação pode-se incluir no Bolsa Família a educação da primeira infância, a presença dos pais nas escolas e prêmios extras por performance escolar medidos pelo sistema de avaliação de proficiência instalado”, diz o Ipea, citando itens como Prova Brasil e Enem. “Se for a década do maior protagonismo dos pobres novas portas de entrada à cidadania e aos mercados podem ser abertas pelo Bolsa Família através de crédito, seguro e poupança. Se for a da responsabilidade fiscal o Bolsa Família custa hoje aos cofres federais menos de 0,5% do PIB. Se for a da erradicação da miséria proposta, o Bolsa Familia é o caminho mais curto para se chegar lá principalmente se acompanhado de upgrades que dê mais a quem tem menos, que trate os diferentes pobres na medida de sua diferença. A segunda década do novo milênio parece ser a de múltiplos caminhos em direção à superação da pobreza. Diversos deles serão trilhados sobre a estrutura do Bolsa Família.”
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