quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Businessweek: baixa recorde no desemprego cria escassez de empregadas domésticas no Brasil


Por David Biller and Raymond Colitt

Por uma década, Geane Menezes ganhou não mais que US$ 250 por mês limpando a casa de uma família rica brasileira. Agora, ela vende lembrancinhas em uma loja no aeroporto na cidade nordestina do Recife e planeja abrir um negócio.

"Eu me sinto mais valorizada e ganho duas vezes mais", disse Geane, 34 anos, arrumando as redes e castanhas de caju da loja.

Geane não é a única pendurando seu avental. Com o desemprego em mínimos históricos na maior economia da América Latina, as mulheres pobres, que por décadas formaram uma fonte de trabalho doméstico barato para as classes média e alta, estão buscando empregos melhor remunerados e mais qualificados. O resultado é uma oferta cada vez menor de ajuda, o que permitiu que as babás, empregadas domésticas e cozinheiras restantes exigissem aumentos salariais maiores que o dobro da taxa de inflação desde 2006.

Dos arquivos do blog:


Os custos podem subir ainda mais rápido, e deixar o serviço doméstico inatingível para a classe média, se o Congresso aprovar uma legislação que garante aos empregados domésticos o pagamento de horas-extras, bónus anuais e outros direitos atualmente desfrutados pelo resto da força de trabalho do Brasil. A defensora do projeto, a deputada Benedita da Silva, do Partido dos Trabalhadores, diz que tais benefícios estão muito atrasados.

Mesmo com os recentes avanços  na redução da pobreza, o Brasil ocupa o 14º pior lugar em igualdade de renda (abaixo da Nigéria e Rússia) dentre os 154 países listados nos Indicadores de Desenvolvimento Mundial do Banco Mundial .

"Hoje, eu não teria que ser uma empregada doméstica", disse Benedita da Silva, de 70 anos de idade, que em sua juventude trabalhou como uma no Rio de Janeiro, enquanto vivia em uma favela. "O mercado de trabalho oferece oportunidades muito melhores."

Redução da Pobreza
O Brasil liderou a redução da pobreza na América Latina na última década, com uma expansão  de mais de 40% em sua classe média (aqueles que ganham de US$10 a US$ 50 por dia), de acordo com um estudo do Banco Mundial publicado neste mês.

Por tráz do progresso,  a inflação baixa e a estabilidade econômica, que levou a um crescimento médio anual na década de 3,8%, além de uma expansão nos gastos com combate à pobreza durante a presidência de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011), um ex-metalúrgico. A Taxa de desemprego em todo o país mergulhou para um quase recorde de 5,4% em setembro, menos da metade do nível de uma década antes.

Enquanto o Brasil ganha mobilidade social, o número de empregados domésticos caiu de 7,2 milhões em 2009 para 6,7 ​​milhões no ano passado, de acordo com a última pesquisa da agência nacional de estatística.

Idade Média
A média de idade também está aumentando, enquanto a juventude brasileira fica mais tempo na escola, se preparando para obter empregos melhor remunerados onde a escassez de mão de obra qualificada existe atualmente, como na engenharia e comércio. Apenas 5,8% dos empregados domésticos têm entre 18 e 24 anos, em comparação com 14,8% no total da força de trabalho, de acordo com um estudo do ministério das finanças em 2011. Tradicionalmente, as mulheres pobres no Brasil começavam a limpar casas em seus 20 anos ou, às vezes, até como adolescentes.

"A filha do empregada já não quer ser empregada doméstica", disse Marcelo Neri, um economista que pesquisa tendências de pobreza e é presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, do governo federal, conhecido como IPEA. "Ela está estudando, indo para a escola secundária, e quer uma profissão melhor."

Por mais de um século, o Nordeste do Brasil, origem de Lula e Geane, produziu uma constante migração de trabalhadores para as cidades do sul industrializado – e muitos deles acabaram trabalhando como empregados domésticos. Agora, os empregos estão sendo criados no Nordeste, onde o crescimento econômico supera o resto do país, e as empregadas estão voltando para casa, disse Fernando Aquino, presidente do Conselho de Regional de Economia de Pernambuco.

A Montadora italiana Fiat, que está construindo uma fábrica de R$ 3,5 bilhões (US $ 1,7 bilhão) em Pernambuco, e a Kimberly-Clark Corp, com sede em Dallas,  estão entre os fabricantes se estabelecendo na região para explorar o seu mercado de trabalho e crescente classe consumidora.

Escola noturna
Geane disse que ela está fazendo planos de frequentar a escola notirna para estudar turismo e hospitalidade, e um dia quer abrir sua própria loja em frente à praia em Recife. Ela disse que confia o crédito governamental vai ajudar a alcançar esse objetivo.

"Eu espero não ter que voltar para a limpeza", disse ela.

Sob Lula, o Brasil aumentou os gastos com os pobres. Ele expandiu o seu principal programa social para os pobres, o Bolsa Família, de 3,6 milhões de famílias em 2003 para 12,7 milhões em 2010, de acordo com o IPEA. Sua protegida e sucessora, Dilma Rousseff, mais do que duplicou o seu programa habitacional, que, até agosto de 2012, subsidiou o crédito para 1 milhão de famílias, pobres em sua maioria, comprarem sua primeira casa.

Número cada vez menor
Os números cada vez menores de pessoas dispostas a trabalhar como empregada fazem encontrar funcionário um desafio para as agências de colocação, como a Maid in Brasil. Ela analisa 20 mulheres oferecendo serviços de limpeza por dia em 2008, quando começou a conectar famílias do Rio de Janeiro com a ajuda, disse a co-diretora Magaly Mega. Agora, é sorte entrevistar apenas 7 empregadas domésticas por dia - a maioria das quais é menos qualificada, exige melhores salários e demite-se sem hesitação, se o seu empregador é muito exigente, ela disse.

"Houve uma mudança radical," Magaly disse em uma entrevista por telefone. "Antes, havia uma grande quantidade de pessoas dispostas a ser empregada doméstica e morar no serviço, e todas aceitavam o salário mínimo imediatamente", disse ela. "Agora, isso é muito raro."

A escassez também se reflete nos salários para os trabalhadores domésticos, que aumentaram 83% desde 2006, mais do dobro da taxa de inflação, de acordo com a agência nacional de estatística. O salário médio mensal para os trabalhadores domésticos foi de R$723 em setembro, de acordo com a agência de estatísticas. O salário mínimo legal do Brasil é atualmente de R$ 622.

Dependências de empregada
A mudança afeta atitudes culturais, refletidas até na forma como casas estão sendo projetados. Menos casas de classe média estão sendo construídas com quartos de dormir para empregadas domésticas, e elevadores de serviço, tradicionalmente utilizadas pela ajuda, já não são um acessório comum.

"A maneira como as pessoas cuidam de suas próprias casas, utilizando mais as máquinas de lavar e contratando uma diarista em vez de empregadas residente, é um sinal de modernização", disse Neri, Ipea. "Isso é difícil para as famílias acostumadas a serem servidas."

O boom de empregos contribuiu para um aumento de 91% na renda dos 10% mais pobres do Brasil na última década, mais de cinco vezes mais rápido do que o poder aquisitivo dos 10% mais ricos, de acordo com um estudo do IPEA publicado em setembro.

No entanto, quase 3/4 dos empregados domésticos são pagos por baixo dos panos, privando-os dos direitos legais, como aposentadoria.

'Herança Maldita'
A congressista Benedita da Silva disse que sua proposta de emenda constitucional, que, no início do mês, passou em uma comissão da Câmara por unanimidade, tem como objetivo acabar com tais práticas e ser mais um passo para acabar com a "herança maldita" de injustiça econômica do Brasil.

O Brasil foi o último país do hemisfério ocidental a abolir a escravidão, em 1888, e seu legado continua a penetrar o tecido social do país. Embora a proposta de lei garanta direitos adicionais, os custos adicionais podem levar os empregadores a demitir cerca de 10% das empregadas atualmente com contratadas, de acordo com Mario Avelino, que dirige uma organização sem fins lucrativos chamada Doméstica Legal, que promove direitos trabalhistas para empregadas domésticas.

"É como um tiro no pé", Avelino disse por telefone do Rio de Janeiro. "A classe alta não vai desistir de ter uma empregada. É a classe média, em que ambos os pais têm que trabalhar, que vai sentir o impacto. "

Rosane Aguiar, uma pediatra com uma casa em Santo da cidade Antonio de Pádua, no Rio de Janeiro, perdeu a conta de quantas empregadas domésticas ela viu ir e vir ao longo dos últimos cinco anos, e disse que salários mais altos para menos horas de trabalho fazem a despesa insustentável.

"Nos fins de semana, eu fico na cozinha e lavando roupas", Rosane, 54 anos, disse em entrevista por telefone. "Nós temos que nos acostumar com o modelo norte-americano, que está chegando aqui. A classe média fica com poucas alternativas. "

Para contatar o repórter desta história: David Biller, no Rio de Janeiro, dbiller1@bloomberg.net; Raymond Colitt, na Redação de Brasília, rcolitt@bloomberg.net;

Para contactar o editor responsável por essa história: Joshua Goodman em jgoodman19@bloomberg.net

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