quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Desenhado pra quem quiser entender: a valorização do salário desde 2003.

Imagine um cidadão, o Cessildo, que recebesse salário de R$ 100,00 em 01/01/1995. Imagine também um produto, digamos, o Bobol, que, na mesma data, custasse os mesmíssimos R$ 100,00.

Agora, suponhamos que o salário de Cessildo foi ajustado anualmente pelo índice de reajuste do salário mínimo e que o preço do Bobol sofreu variação idêntica a da inflação, pelo IPCA.

Imaginou.

Pois bem, pelas projeções da inflação que circulam por aí, em 01/01/2015, o Bobol custaria cerca de R$ 395 - quase quatro vezes o preço inicial. Mas o salário de Cessildo seria algo como dez vezes o de vinte anos antes, ou cerca de R$ 1035.


Dos arquivos do blog:


Essa diferença, obviamente equivalente à valorização real do salário mínimo, fica bem clara no gráfico abaixo - que também não deixa dúvidas de quando o ciclo se inciou.

Agora, cada um que tire daí as conclusões econômicas e políticas que quiser - ou nenhuma, se for o caso.



A inflação está voltando?

E, mais uma vez, começa a gritaria: "a inflação voltou". E, mais uma vez, repete-se a mistificação de que, até 2002, ela estava sob controle. E, mais uma vez, alardeia-se que a inflação está cada vez maior. Voltou? Estava sob controle em 2001/2002? Está aumentando?

Dos arquivos do blog:


Sei não, mas acho que estes dados  mostram outro quadro (o que não quer dizer que a inflação não deva preocupar):
- o primeiro governo FHC registrou um IPCA anual médio de 9,71%, tendo começado com a inflação na casa dos 22% e terminado com ela perto de 1,5%;
- no segundo mandato do FHC, a inflação anual média teve pequena queda, para 8,78%, mas a curva ascendente foi bem acentuada, já que o índice saltou de 1,65% no término do primeiro período para 12,53% em 2002;
- o primeiro governo Lula registrou um IPCA anual médio mais baixo, de 6,14%, reverteu a curva ascendente e terminou com uma inflação de 3,14% em 2006;
- o segundo mandato do Lula começou com um IPCA anual de 4,46% e terminou com um índice de 5,91%, registrando, na média, uma inflação anual de 5,15%, ainda mais baixa que a do mandato anterior;
- tendo por base as projeções de inflação para o biêmio 2013/2014, o governo Dilma encerrará com um IPCA médio 5,89%, ligeiramente superior aos 5,15% do segundo governo Lula, mas ainda inferior à metade do índice do último ano sob FHC;
- considerados os dois mandatos de cada um, sob FHC tivermos um IPCA anual médio de 9,24%, frente a uma taxa média de 5,79% registrada ao longo do governo do Lula; e, finalmente,
- tendo por base as projeções de inflação para o biênio 2013/2014, durante todo o governo do PT, a média anual do IPCA seria de 5,82%, dois terços daquela registrada no governo anterior.
Pergunta-se: dá pra dizer a sério que a inflação voltou agora? Que ela estava sob controle no quadriênio 1999/2002, quando registrou-se uma média de quase 9% ao ano - e em curva ascendente?

Abaixo, seguem alguns gráficos que ajudam a visualizar essa sopa de números.

gráfico ipca inflacao anual 1994 2014

gráfico do ipca inflacao media FHC LULA DILMA

grafico do ipca inflacao media I FHC LULA DILMA

Duas observações:
1 – eu sei que o IPCA anual em 1994, ultimo ano do mandato do Itamar e ano do Plano Real, foi de 916,43%; e
2 – os índices marcados com “**”, obviamente, são expectativas, obtidas aqui.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Financial Times: Brasil saiu de moda no mercado financeiro, mas ainda é "o país mais empolgante do mundo".

Matéria da BBC Brasil.

Ruth Costas, da BBC Brasil

Deu no Financial Times: o Brasil é "o país mais empolgante do mundo". Ao menos foi o que defendeu a última edição da revista semanal desse diário econômico britânico, com a manchete Aí vem o Brasil e artigos que tratam de temas ligados ao boom da classe C brasileira.

Dos arquivos do blog:


A realidade, porém, é que desde 2012 ficou mais difícil encontrar quem partilha dessa "empolgação" nos mercados e na imprensa internacional. "Após um período de quase euforia com o Brasil no exterior, por volta de 2009 e 2010, as percepções sobre o país parecem ter sido ajustadas com a decepção gerada pelo desaquecimento da economia", diz Daniel Buarque, jornalista e autor do livro Brasil, um país do presente: A imagem internacional do "país do futuro" (Ed. Alameda), que será lançado no dia 7 de março.

Segundo um levantamento feito a pedido da BBC Brasil pelo consultor Simon Anholt, responsável por um ranking dos países mais admirados do mundo pelo público em geral, em 2012 houve uma queda até na pontuação do Brasil na pesquisa, de 57,91 para 57,86 (de um total de 70 pontos).

Mesmo o FT em sua cobertura diária tem adotado um tom bastante cético e crítico sobre o manejo da economia brasileira desde que o PIB desacelerou dos 7,5%, de 2010, para os 1,6%, de 2012. E a revista britânica The Economist chegou a chamar a economia do país de "criatura moribunda".

A novidade que parece refletida no especial sobre o Brasil do jornal britânico, porém, é que um grupo cada vez maior de observadores externos tem enfatizado que, em meio a esses altos e baixos, é preciso mais “realismo” nas análises sobre o país - e, principalmente, é preciso separar entre as perspectivas de longo e de curto prazo para sua economia.

Ajuste
"Precisamos marcar bem a diferença entre a perspectiva do mercado financeiro e a dos que fazem investimentos diretos e apostam na economia real", enfatiza Richard Lapper, diretor do Brazil Confidential, o serviço de análises sobre o Brasil do Financial Times.

Ele diz que, para os investidores de curto prazo, a queda dos juros, as incertezas sobre a inflação e o fato de que a economia brasileira está crescendo menos que a de países como o México reduziram bastante a atratividade do país.

"Já para o investidor direto, de longo prazo, o Brasil continua a ser um mercado atraente - e foi para essas tendências mais duradouras que olhamos na nossa revista: o desemprego está em níveis historicamente baixos, há estabilidade econômica e política e o consumo continua aquecido com a expansão da classe C, especialmente em alguns setores."

Lapper nota que, apesar da desaceleração do PIB, o volume de investimentos diretos estrangeiros no Brasil permaneceu robusto no ano passado - por volta de US$60 bilhões. O desemprego também foi uma surpresa positiva: ficou em 5,4% em janeiro, o menor para o mês desde o início da série histórica, em 2002.

"Quando o assunto é Brasil é preciso cuidado para distinguir o que é notícia e o que é barulho", opina o criador do termo BRIC, Jim O'Neill, que vem sendo questionado sobre se o País deve ser mantido no grupo das "nações emergentes" mesmo crescendo a um ritmo inferior a China, Rússia e Índia.

Novo 'status'
O'Neill diz acreditar que embora no curto prazo os dados sobre o PIB brasileiro ainda devam decepcionar, as "tendências demográficas e sociais" que sustentam as boas perspectivas para o País e sua mudança de status global são "consistentes".

"É preciso pensar no longo prazo para o Brasil: ainda acho que o país pode muito bem crescer de 4% a 5% ao ano na década", opina.

Para Anthony Pereira, diretor do Instituto Brasil da King's College London, é natural que haja suspeitas sobre a sustentabilidade do crescimento brasileiro, até por uma questão de precedentes históricos: o "milagre econômico" dos anos 70 descambou na pior crise da história do país, nos anos 80.

"Mas uma perspectiva histórica também dá a medida de quão sólidos são os avanços em termos sociais e institucionais, na conquista de estabilidade econômica e política", diz Pereira.

"Os velhos desafios são conhecidos: o Brasil ainda precisa avançar na questão da educação, infraestrutura e burocracia. Mas a decepção também é consequência de um aumento das expectativas - não dá para querer que o país cresça como a Índia, onde a proporção da população rural ainda é equivalente a do Brasil nos anos 60."

Imagem externa
As percepções externas sobre um país importam por uma série de razões, segundo Anholt. No campo econômico, uma boa reputação pode ajudar a atrair investimentos, e impulsionar os fluxos de comércio e turismo.

"Antes de fazer um investimento direto, por exemplo, empresários calculam qual seria a dificuldade para se convencer funcionários-chave a viver naquele lugar", diz o consultor.

Uma melhoria de 10% nos índices gerais de aprovação de um país, calculado por Anholt com base em 38 mil entrevistas, resultaria em um crescimento de 11% na chegada de turistas a seu território. E a correlação seria semelhante para o crescimento das exportações.

"Se um país se torna sinônimo de qualidade, pode cobrar mais por seus produtos. Consumidores tendem a pagar mais caro por um celular japonês que por um aparelho produzido em outro país asiático, por exemplo."

No caso do Brasil, Anholt enfatiza que, apesar de o país ter deixado de ser a menina dos olhos da imprensa e mercados internacionais, a mudança em sua imagem entre o público em geral foi pequena e o país permaneceu na 20ª posição no ranking das nações mais admiradas do globo.

Por outro lado, mesmo durante o período em que o Brasil esteve “na moda”, também avançou pouco - subindo apenas uma posição em 2009.

"No geral, o Brasil ainda está associado a festa, futebol e carnaval. É um país que todo mundo vê com simpatia, mas ninguém leva a sério. Sinônimo de ‘alegria’, que pouquíssimos se aventuram a visitar", afirma o consultor.

Já Buarque - que baseou seu livro em mais de 100 entrevistas com formadores de opinião, elites acadêmicas, políticas e econômicas nos EUA – tem uma perspectiva diferente. Para ele, ao menos entre essas elites tomadoras de decisão, não há como negar que as mudanças na “imagem do país” tem sido bastante significativas.

"Ainda que haja clichês ligados ao imaginário internacional sobre o Brasil, em setores da elite política e econômica global, o país tem de fato se tornado mais relevante no mundo, ainda que seja difícil precisar quanto", afirma.

“Além disso, mesmo que a frequência das demonstrações de 'empolgação' sobre o Brasil tenha diminuído, não acho que tenhamos voltado a uma situação pré 2008-2010 em termos de imagem externa. O que há agora é um maior equilíbrio - a euforia foi substituída por uma avaliação mais sóbria, mesmo quando positiva."

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Matéria da "The Economist" com os avanços e desafios do Minha casa minha vida


Do site da The Economist.

Habitação no Brasil
Um programa para promover a classe trabalhadora casa própria é um bom começo 



ATÉ 2011 Adriana Palugan, mãe de dois filhos, alugava uma casa em Balneário Camboriú, uma cidade litorânea no sul do Brasil. Agora, ela está comprando sua casa própria, uma das 166 em do Colina do Cedro, novo empreendimento em uma colina com vista para a cidade. Ela exalta suas maravilhas: luminoso e espaçoso, com piscina, academia e quadra poliespotiva, segurança 24 horas - e altitude. Seu antigo endereço foi inundado em 2008, e ela perdeu muito do que possuía.

Sem o Minha Casa Minha Vida (MCMV), um programa do governo federal para financiar habitação para as classes pobres e médias do Brasil, inciado em 2009, Ms Palugan, que trabalha para uma concessionária de carros, teria se debatido para comprar algo do tipo. O preço foi interessante: R$ 100.000,00 (U$ 51.000). A Caixa Econômica Federal, um banco estatal, deu-lhe uma hipoteca subsidiada; as parcelas são menores do que o aluguel costumava ser. A Caixa também concedeu ao desenvolvedor, Abramar, financiamento barato para a segunda fase do projeto: dois blocos de apartamentos. O financiamento vem do FGTS e do orçamento federal. Os compradores não podem já possuir casas ou ganhar mais de R$ 5.000 por mês. Quem ganha menos recebe maiores subsídios.
O MCMV está tranferindo o interesse das construtoras da minoria rica para o mercado médio. Até recentemente, as hipotecas praticamente não existiam, já que as taxas de juros eram muito altas e despejar inadimplentes era quase impossível. Imóveis antigos seriam trocados por novos, complementando-se com dinheiro, um carro ou mesmo um barco. Os pobres construiam por conta própria, sem título, muitas vezes em locais precários, em margens de rios ou colinas íngremes. Um censo de 2010 encontrou 11.4 milhões de brasileiros vivendo em favelas; milhões mais se apertam com parentes ou vivem em moradias formais, mas precárias.

Uma mudança nas regras de hipotecas, em 2005, fez a reintegração de posse mais fácil. Juntamente com as taxas de juros em queda, isso fez o financiamento habitacional mais atraente, e a nova classe média do Brasil parecia pronta para comprar. Em 2007, 17 construtoras abriram o capital. Muitas partiram pra uma farra de compra de terra – só para sem dinheiro, enquanto os custos de construção subiram.

De início, MCMV parecia uma tábua de salvação. Mas ele começou lentamente, levando até dezembro passado para colocar 1 milhão de famílias em casas novas. A burocracia foi uma grande parte do problema: entre o governo local, o planejamento e as regras da Caixa, a Abramar levou 18 meses para aprivar a segunda fase do Colina do Cedro. (A maratona de papel continuou: cada venda gerou um contrato de hipoteca 280 páginas; cada página teve que ser assinadas ou rubricadas.). Ele só sobreviveu pegando empréstimos de curto prazo, a taxas de fazer chorar.

Pior do que a papelada, diz Yannick Rault, um francês e um dos parceiros Abramar, foi "gestão de orçamentos e cronogramas em um país onde todo mundo é um otimista." No passado, a maioria dos contratos brasileiros de construção eram "cost-plus", ou seja, os construtores nunca aprenderam a planejar. A empresa criou seu próprio software de gerenciamento de projeto para construção e planeja ganhar dinheiro com a venda do programa para outras construtoras.

Nem todo comprador pelo MCMV foi tão afortunado como Ms Palugan. O YouTube tem muitos vídeos de mau acabamentos, parte elétrica e goteiras. A elevação dos preços da terra levou alguns desenvolvimentos para milhas de qualquer lugar; o pior risco é que degenerem em favelas, que estavam destinadas a substituir.