Texto de Kei Otsuki, pesquisadora associada na Universidade Instituto para a Sustentabilidade e Paz das Nações Unidas, publicado no site da
Aljazeera.
Alterações na aquisição pública de alimentos melhoraram a qualidade da merenda escolar no Brasil , escreve o autora.
Kei Otsuki
As discussões sobre a economia verde estão mudando a ênfase do desenvolvimento da quantidade para a qualidade: o foco limitado do crescimento econômico está se abrindo para incluir as preocupações com a sustentabilidade ambiental e equidade social. A aquisição de alimentos pelo setor público é uma área onde as preocupações com o preço tipicamente triunfou sobre o valor nutricional. Mas, em países como o Brasil, a crescente evidência de problemas de saúde, juntamente com uma dieta pobre e hábitos alimentares está levando as pessoas a repensar como fornecer alimentos em instituições públicas, como escolas.
No Brasil, esse repensar trouxe a nutrição e a sustentabilidade para o foco, levando a iniciativas que visam promover o abastecimento local com produtos agrícolas frescos para a merenda escolar. Estes programas são projetados para aumentar a capacidade de produção e distribuição de cooperativas locais de agricultores, envolver ativamente os cidadãos-consumidores em negociações com as autoridades locais e, finalmente, criar um quadro institucional que promova o engajamento deliberativo e garanta a qualidade dos alimentos utilizados. A produção local, aliada ao consumo local, também reduz a pegada ecológica associada a aquisição de alimentos, o que contribui para o verde, no desenvolvimento econômico e social em curso.
Dos arquivos do blog:
As inovações brasileiras não são únicas. Países desenvolvidos, como Japão e Itália, têm programas nacionais de alimentação escolar voltados para a agricultura local. No Japão, o plano nacional de educação alimentar, implementado em 2004, promove Chisan-chisho (produção local e consumo local), com 30% do alimento utilizado para refeições de escolas públicas produzidos localmente. A política da Itália vai além, definindo a merenda escolar "como parte integrante tanto do direito das pessoas à educação e quanto do direito dos consumidores à saúde". No entanto, entre os países em desenvolvimento, as reformas do Brasil abriram o caminho, criando um ambiente favorável para que os pequenos agricultores tenham acesso aos mercados e participem das compras, enquanto organizaram os canais de distribuição de seus produtos.
Mais especificamente, o Brasil já atingiu quatro metas internacionalmente estabelecidas para sistemas mais sustentáveis de aquisição pública de alimentos: (1) criar um mercado para os pequenos agricultores; (2) mudar as estruturas de mercado, de modo que uma proporção maior do de mercado vai para os agricultores locais; (3) promover um papel mais forte para os agricultores locais na cadeia de abastecimento através da redução da relevância de intermediários no processo de compra, e (4) assegurar que os pequenos agricultores produzam uma quantidade suficiente de produtos de boa qualidade para que possam responder à demanda do mercado.
Estas intervenções baseiam-se num sistema de padronização e distribuição e na cooperação entre uma vasta gama de participantes na cadeia de alimentos, a fim de garantir a transparência e a prestação de contas. Esse mecanismo de participação é o que caracteriza a aquisição de alimentos orientada pela qualidade no Brasil.
Da centralização à descentralização
As origens da aquisição local de alimentos no Brasil pode ser rastreada até os debates iniciais sobre a segurança alimentar durante os anos 1930. Durante este tempo, nutricionistas sociais foram treinados para combater a desnutrição em crianças em áreas rurais do Nordeste, a região mais pobre do país, conhecida por sua vulnerabilidade a secas. Estes nutricionistas procuraram ajuda do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e do Programa Alimentar Mundial (PAM), ao mesmo tempo pressionaram o governo federal a estabelecer programas nacionais de nutrição.
Em 1955, uma campanha nacional de alimentação escolar ofereceu leite em pó e suplementos em algumas escolas do Nordeste, Norte, Sudeste. No entanto, os programas governamentais não alcançaram as regiões do interior do Norte e alguns nutricionistas ligados a igrejas começaram a divulgar a "alimentação alternativa" chamada multimistura, uma mistura de grãos moídos contendo farinha de arroz e trigo, diferentes tipos de sementes e nozes, e folhas secas comestíveis, colhidas em florestas próximas.
Em 1976, sob o regime militar, todo o sistema de programas nacionais de alimentação escolar foi centralizado. No âmbito deste programa, a comida, juntamente com outros materiais escolares, era armazenada em armazéns centrais, tanto a nível federal quanto estadual, e, em seguida, enviada para as escolas. Devido aos precários sistemas de distribuição nas áreas do interior, muitas escolas não recebiam comida regularmente e, portanto, a freqüência escolar era pequena, especialmente no Norte.
Na década de 1990, para neutralizar este problema, o governo procurou descentralizar a operação de alimentação escolar, principalmente no Sudeste, relativamente desenvolvido. Este esforço de descentralização, no entanto, diminuiu em outras partes do país, e em particular no Norte e Centro Oeste, devido a fraca coordenação institucional entre as diferentes agências governamentais responsáveis pela operação de aquisição de alimentos. Após a democratização, em 1988, a descentralização foi revivida a fim de distribuir materiais escolares e alimentos, bem como melhorar o transporte, mas apenas em 1998 a aquisição de alimentos foi totalmente atribuída aos municípios, após uma onda de opinião pública negativa sobre a qualidade da alimentação escolar .
Inicialmente, a descentralização não significou necessariamente melhor qualidade ou comida local, devido à falta de financiamento e conhecimento. Em 2003, o novo governo liderado pelo Partido dos Trabalhadores, de Luiz Inácio Lula da Silva (Lula), ampliou o programa de ajuda financeira chamado Bolsa Família para melhorar as taxas de matrícula escolar por meio da transferência de dinheiro para famílias pobres. O Partido dos Trabalhadores ligou este programa a um novo projeto chamado Projeto Fome Zero (Fome Zero).
O governo Lula alocou 14% do produto interno bruto (PIB) para o Ministério do Desenvolvimento Social, que administra o projeto. Por meio dessa conexão, o orçamento para a aquisição de alimentação escolar foi elevada para R$ 1,5 bilhões em 2006, a maior soma já utilizada para a alimentação escolar no Brasil.
Ao mesmo tempo, o governo Lula promoveu um programa de compra direta, para permitir que os pequenos agricultores de base familiar acessem os mercados sem lidar com intermediários exploradores. Em 2009, uma lei foi implementada para incluir o programa de compra direta na aquisição escolar nacional, e ela obrigou os governos municipais a utilizar pelo menos 30% do orçamento alocado na compra de comida para adquirir produtos de agricultores de base familiar locais.
Acompanhando a lei, houve uma campanha para promover a "soberania alimentar", incluindo o conceito de "cultura alimentar" e de fornecimento de comida local como parte do desenvolvimento da agricultura familiar. A cultura alimentar foi incorporada ao desenvolvimento de cardápio, tendo o governo estabelecido uma meta de 15 a 30% do consumo de nutrientes fornecidos por meio de legumes frescos, frutas e carne de aquisição local.
Estes produtos são solicitados aos agricultores locais, enquanto aquisições mais centralizadas e em grande escala são mantidas para alimentos não perecíveis básicos, como arroz, feijão, farinha, sal, açúcar e óleo. Alguns municípios e escolas também criaram hortas comunitárias ou escolares, a fim de produzir vegetais básicos por conta própria. Neste processo, alunos, professores e pais foram envolvidos no cultivo de alimentos, como parte do programa educacional para informá-los sobre a cultura alimentar.
Cerca de metade dos mais de 5.500 municípios no Brasil criaram Conselhos de Alimentação Escolar (CAEs), compostos por autoridades locais, pais e associações de professores. Esses conselhos têm tomado a frente da aquisição local de alimentos escolares; como resultado, as refeições escolares contêm produtos frescos, como legumes, frutas e carnes, e menus que refletem os desejos e as necessidades alimentares das crianças e seus pais. Junto como os já antigos arranjos informais de provisão das multimisturas pelas igrejas e as refeições escolares informais das organizações de trabalhadores rurais em áreas remotas, este tornou-se um mecanismo institucional de participação pública na garantia da qualidade da alimentação escolar no Brasil.
O exemplo de Campinas
São Paulo é um dos estados que tem promovido vigorosamente o programa de alimentação escolar descentralizada e, no dentro do estado, Campinas foi o município mais ativo na melhoria da qualidade de alimentação escolar em sua rede escolar. Na década de 1990, o governo municipal contratou três empresas privadas agro-industriais para administrar a alimentação escolar. Insatisfeito com o seu serviço, em 2002, o governo municipal se voltou para um atacadista estatal, Central de Abastecimento e Serviços Auxiliares (CEASA), para o abastecimento de alimentos para escolas.
A filial de Campinas da CEASA supervisiona mais de 1.000 atacadistas e produtores cadastrados. Para os produtores locais de Campinas e do interior do estado de São Paulo, o CEASA é o principal centro de comercialização, armazenamento e distribuição. Em 2003, a CEASA criou um banco local de alimentos, que compra diretamente dos pequenos agricultores no estado de São Paulo e doa para a população mais pobre do município. O mesmo programa também iniciou um projeto chamado Prato Cheio, que oferece 6.000 cestas de alimentos básicos (cesta básica) e mais de 10.000 sacos de frutas e legumes, doados pelos atacadistas para os beneficiários do Bolsa Família.
No âmbito deste programa, a CEASA criou o Departamento de Alimentação Escolar, que organiza o desenvolvimento menu e a aquisição e armazenamento dos alimentos, e também envia nutricionistas e cozinheiros às escolas, quando solicitado. Em 2006, ele também criou o Centro Administrativo de Alimentação Escolar. com a ajuda financeira de um atacadista, o De Marchi. Em 2007, o Departamento de Alimentação Escolar contratou 10 nutricionistas e 30 outros administradores, que constantemente criam novos menus com base no que esta disponível para adquirir durante o ano.
O programa de alimentação orientado pela CEASA aumentou significativamente o uso de frutas e legumes frescos na merenda escolar; eles agora aparecem quatro dias por semana e em um lanche no quinto dia de escola. Antes deste acordo, o menu era "industrial", incluindo itens como arroz doce, mingau de aveia, macarrão e suco de soja. Muitas crianças não aprovavam a qualidade da comida e alguns levavam sua própria comida para a escola ou iam para casa para comer. Depois que o novo arranjo foi introduzido pela CEASA, os nutricionistas realizaram uma pesquisa, que mostrou que quase 80% dos estudantes aprovaram o novo menu, que consiste de carne e salada ou frango cozido e suco fresco.
A carne fresca, as frutas e os legumes são enviados diretamente pelos atacadistas que fecham contratos com o governo municipal para o ano. Duas vezes por ano, os cozinheiros são treinados na CEASA sobre o aspecto nutricional dos cardápior, as questões sanitárias, e as experiências culinárias. Estes cardápios são testados em cada escola e precisam ser aprovado pelos Comitês de alimentação escolar em cinco distritos diferentes dentro do território do município de Campinas.
De acordo com um nutricionista da CEASA, o custo da alimentação escolar depende de cada cardápio, mas, em média, a comida custa R$ 0,50 R$ 0,25 por criança por dia. Em 2007, o governo federal forneceu R$ 0,18 por aluno por dia, o governo do Estado de São Paulo R$ 0,22 , e o governo municipal, aproximadamente R $ 0,34 por aluno, a fim de melhorar o menu e para cobrir outros custos (por exemplo, fornecendo o equipamento de cozinha necessário e envio de cerca de 600 cozinheiros para as escolas).
Em 2008, a CEASA desenvolveu 15 cardápio diferentes em Campinas, que cobriram 164.000 alunos em 512 creches, escolas primárias e centros públicos de aprendizagem de adultos. Naquele ano, no total, o programa de alimentação escolar municipal em Campinas teve um orçamento de R$ 37,5 milhões.
O envolvimento ativo do atacadista municipal e o arranjo orçamentário multi-nível para a melhoria da merenda escolar também tem contribuído para as intervenções de aquisição recomendadas. Os pequenos agricultores podem agora acessar um mercado recém-criado de refeições escolares, no qual o governo compra diretamente no atacado seus de produtos frescos para o desenvolvimento do cardápio. Os agricultores, assim, ganham um papel mais forte na cadeia de abastecimento, sem depender de intermediários. Ao mesmo tempo, o mercado atacadista reúne um grande número de pequenos agricultores e a quantidade suficiente de produtos de boa qualidade é garantida.
No entanto, o sucesso em Campinas não tem sido alcançado em municípios do Norte e Nordeste, onde a infraestrutura deficiente e a falta de orçamento municipal continuam a dificultar a entrega de alimentos de qualidade. Em 2010, metade das crianças no estado do Pará, no Norte, por exemplo, não frequentavam a escola porque elas não forneciam alimento de forma regular. Como a capacidade de cada governo municipal não é tão grande quanto a capacidade de Campinas, a promoção municipal orientada para a iniciativa de promoção de alimentos localmente adquiridos, orientada pela municipalidade, é muitas vezes limitado.
Em vez disso, os programas de alimentação escolar nos estados do Norte tendem a ser orientados e conduzidos pelas Secretarias Estaduais de Educação. No Pará, o Estado agora está promovendo a regionalização da alimentação escolar através da contratação de cooperativas que fornecem frutos nutririvos de palmeiras, como o açaí, a acerola e o cupuaçu, que são originárias da região amazônica.
A fim de obter esses produtos regionais, a logística e a infra-estrutura básica precisam ser melhorados no que diz respeito às cooperativas de pequenos agricultores, que por vezes nem sabem como participar dos programas de compras diretas realizadas pelo governo ou como fazer corretamente o acondicionamento dos seus produtos para armazenamento e transporte.
Enfrentar os diferentes níveis de desenvolvimento dentro do país continua a ser uma tarefa difícil para o Brasil. Enquanto isso, as igrejas e as organizações de trabalhadores rurais continuam a fornecer alimentos alternativos como parte do movimento catequista e de educação agrícola. Parents also often start taking the initiative of private rural schooling, where they take it in turn to cook.
Remodelar governança
Apesar desses desafios, o Brasil manteve-se comprometido com sistemas de compras de alimentos totalmente localizados. No processo, o país viu-se no meio de uma mudança fundamental em seu sistema de governaça. Quando aquisição de alimentos escolares era centralizado, o governo central tinha que ser normativo, para orientar como governança local devia funcionar. Com a compra localizada, mesmo no Norte isolado, uma forma mais flexível de governo foi desenvolvida para conectar os cidadãos locais - incluindo produtores, consumidores e as diversas organizações locais - aos municípios e às autoridades nacionais.
Por exemplo, o Comitê de Alimentação Escolar em cada município é um mecanismo largamente cívico, que coloca exigências sobre os governos de vários níveis para melhorar a infra-estrutura e ampliar os serviços para os pequenos produtores e distribuidores e facilitar ainda mais o seu envolvimento nas cadeias de fornecimento. Então, os serviços federais e estaduais são obrigados a ajudar associações de agricultores e cooperativas em cada município. Esta participação cívica ativa nos programas nacionais tem trabalhado para mudar as maneiras como os governos operam em relação às empresas de alimentos, cooperativas de agricultores e atores da sociedade civil.
Por causa da noção amplamente aceita de que a alimentação é um direito básico, o governo federal atua hoje como um tutor de deveres, que monitora a transparência dos Comitês de Alimentação Escolar e da sua conformidade com as normas federais. Desta forma, a operação de aquisição de alimentos inteira deve se tornar transparente para produtores e consumidores, e abrem-se espaços em que práticas mais sustentáveis e localmente apoiadas são geradas.
O caso da aquisição de Alimentação Escolar no Brasil demonstra como fortalecer a relação entre sociedade civil e governo pode levar a um novo tipo de economia, ou seja, uma economia verde, focada na qualidade da produção e do consumo. A descentralização dos serviços públicos tem permitido que cidadãos-consumidores desenhem uma economia local centrada na qualidade.
A desigualdade regional deve ser combatido no Brasil, mas isso também pode tornar-se uma nova oportunidade para pensar em sustentabilidade com base na variabilidade local. Em vez de se concentrar apenas na conservação das florestas, por exemplo, poderíamos seriamente tentar apoiar os estados da Amazônia, no Norte, para incorporar produtos alimentares florestais, como frutas e nozes, à merenda escolar, ligando a atividade conservacionista ao sistema de compras.
A possibilidade vai incentivar o uso sustentável da floresta e a agricultura na Amazônia, assim reduzindo o desmatamento e também reduzindo as emissões de carbono. Além disso, as crianças da Amazônia podem aprender sobre suas valiosas florestas através de merenda escolar e, conseqüentemente, podem vir a se envolver facilmente na conservação das florestas como parte de seu próprio ambiente.
Afinal, como um oficial da CEASA em Campinas comentou, a refeição escolar "não é uma despesa, mas um investimento", que deve dar ao país ao mundo retornos significativos no futuro.
Kei Otsuki é uma associada de pesquisa na Universidade Instituto para a Sustentabilidade e Paz das Nações Unidas. Ela trabalha em mudança social transformadora para o desenvolvimento sustentável na América Latina, Ásia e África. Seu trabalho já apareceu em vários jornais e revistas internacionais. Ela também é uma das autora da nova Série de estudos Routledge em Desenvolvimento Sustentável.