quarta-feira, 25 de maio de 2016

O ódio e cada um de nós. O ódio e eu.

Isto não é um artigo; isto não tem qualquer relevância. É um questionamento pessoal, um desabafo, um descarrego, uma descarga. E, como tal, terá, é provável, o conteúdo e forma do que normalmente vai nelas. Será publicado sem revisão ou releitura.

A gente, quase todo mundo, se impressiona com o caldo de ódio em que nos metemos. A gente, quase todo mundo, se assusta com ele. A gente, quase todo mundo, o critica. A gente, quase todo mundo, vai sendo arrastado para ele sem perceber. A gente faz parte: de dentro; de fora calando; de fora sendo arrastado; de fora criticando, talvez também.

Aliás, de fora criticando, a gente pode também acabar inviabilizando o debate. De fora criticando, a gente pode acabar louvando a imparcialidade inoportuna, a isenção e o cinismo.

Mas isso não vem ao caso.

O “caso” é até que ponto podemos ir na tomada de posição, na crítica, sem caminhar para o ódio. O “caso”, na verdade, é até onde eu quero ir na tomada de posição? Toda crítica contundente é expressão de ódio? 

*****

Durante muito tempo, meu irrelevante perfilzinho fake no Twitter tentou manter certa moderação. Que eu me lembre, nunca xinguei ninguém, por mais ácido que tenha sido. Que eu me lembre, nunca participei de linchamentos, ao menos não intencionalmente e com agressões baixas.

Sempre tentei não entrar nessa, pois: (a) não gosto; c) nunca achei produtivo; e (c) achava injusto fazê-lo sem dar a cara a tapa, usando um fake (ou pseudônimo, já que nunca fingi ser outra pessoa ou usei qualquer estratégia pra me esconder). 

Mas isso também não vem ao caso.  Ou melhor, isto aqui tá ficando com cara de autodefesa – não era a ideia.

*****

Ontem, uma das pessoas mais gentis e corretas (intelectualmente honestas) que o Twitter me deu o prazer de seguir parece ter sido alvo das matilhas que caçam por lá. E, claro, sofreu imerecidamente (existe sofrimento merecido?).

E é aí que, mesmo sem ter participado, entro eu e este descarrego.

Não, eu não concordo com todas as conclusões a que ela chegou. Não sei se todas as críticas pesadas são linchamento; não sei se todos que as fazem são mesmo parte de matilhas; não sei se a intenção sempre é mesmo destruir e calar o criticado; e não sei se o perfil do criticado não tem que entrar no juízo sobre o crítico (crítico, não o pura e simplesmente agressor).

Mas sei que há certa razão na indignação.

E tenho que pensar sobre o que posso mudar: eu.

*****

Há uns meses, fixei um tuite no perfil mais ou menos assim: moderação; tinha, mas acabou.

Foi ali pela mesma época em que, diante da nossa situação, achei que o momento impunha o suicídio do pseudônimo. Cara e nome real foram para o perfil.

Ele, é claro, manteria a mesma razão de ser: o espernear, os desabafos irrelevantes de quem não é ninguém na fila do pão. Mas, em momento tão crítico, os desabafos tendiam mesmo a perder qualquer moderação – ou deixariam de serem desabafos.

E usar a própria cara e o próprio nome me liberou para “confrontar” (com aspas, pois minha adorada irrelevância inviabiliza elevar meus chistes à confrontação) diretamente alguns formadores de opinião, em sentido amplíssimo.

Que me lembre, por mais ácido que tenha sido, nunca xinguei ninguém. E só confrontei pessoas cujas posições, me parece, lhes conferem certa responsabilidade social, pessoas com lugar na fila do pão (função + visibilidade + uso dessa conjunção de fatores).

*****

Não posso fingir que não vi acontecer. Mas parece que, pela soma destas desculpas autocomplacentes (?), talvez não tenha enxergado.

Não xinguei. Ok.

Sou irrelevante. Ok.

Os alvos eram atores socialmente responsáveis. Ok.

Mas e daí?

Mesmo sem intenção de atrair matilhas, mesmo que as minhas confrontaçõeszinhas não pretendam conscientemente calar ninguém, mesmo que sejam só o espernear possível para um "fora da fila de pão", a verdade é que elas não levam a lugar nenhum.

Ou melhor, talvez sim. Talvez (certamente?) me levem em direção ao ódio. Talvez (certamente?) sejam mais um pinguinho no caldo de ódio, que ameaça nos escaldar a todos.

Provavelmente, é uma ideia boba. Mas tenho a impressão que estas coisas meio amorfas, os sentimentos pessoais e sociais, se acumulam. Quanto mais cada um afirma a própria raiva, ela vai acumulando em si - e nos grupos, na sociedade. Ela vai acumulando e levando cada um, e a sociedade, a este transbordar de ódio.

E, claro, nada de bom pode vir daí. A raiva e o ódio não nos ensina nada – pessoalmente ou socialmente. 

Acho.

E não quero. Não quero.

Ainda vou pensar melhor sobre a legitimidade do uso das redes sócias pelos “sem voz” para a confrontação dos atores socialmente responsáveis em função do poder de suas vozes.

Provavelmente, nunca acharei isso realmente errado – dentro de alguns padrões, que não incluem agressões e linchamentos organizados.

Mas não. Não quero.

Não vou criticar a utilização moderada das redes sociais pra falar com os atores sociais “relevantes”, para confrontá-los.

Mas não. Não quero. Não está sendo bom.

*****

Os fatos de ontem me ajudaram a acordar para o cheiro ruim que vinha sentindo.

Estava tão próximo, que não poderia mesmo vir só dos outros.

****

Enfim, vou tirar aquele alerta fixado no meu perfil.

E procurar um novo lugar na escala de moderação.

Vou tentar achar um lugar que não transforme minha permanência no Twitter em acumulação improdutiva de raiva.

Este lugar vai continuar crítico – ou o perfil não teria razão pra existir.

Este lugar vai continuar tendo os desabafos – ou o perfil não teria razão pra existir. 

Mas, principalmente, este lugar vai tentar não confrontar @s pessoais, mesmo de atores socialmente responsáveis. Não acho que seja relevante pra isso, mas não quero provocar matilhas. Diante do quadro, não acho que adiante, mas não quero fomentar (e fermentar) minha raiva.

Este lugar vai, enfim, tentar não participar do enchimento do caldeirão de ódio. Seja lá o que isso signifique.

Quem sabe se, sem pessoalizar a indignação, ela se torne algo mais produtivo que raivinhas – e ódio.

*****
In dubio, mea culpa. (Esse latim deve estar errado, mas a piadinha vai ficar aí.

quinta-feira, 14 de abril de 2016

Moro, a Lava Jato e as comparações com a Mãos Limpas, na visão de um historiador inglês.


Este texto, porcamente traduzido, é apenas um trecho de um artigo escrito pelo historiados inglês Perry Anderson.

O link para o artigo, que merece a leitura, está embaixo.


Nesta dramática escalada de crise política, o jogador central foi o Judiciário. A noção de que a operação de Moro em Curitiba agia com imparcialidade, inicialmente defensável, foi arruinada com o teatro gratuito, orquestrado com a mídia, de seu ataque de madrugada a casa de Lula, seguido de uma mensagem pública saudando as manifestações pelo impeachment de Dilma: "O Brasil está nas ruas", ele anunciou. "Estou tocado".


Em seguida, com a publicação de escutas de um telefonema entre Lula e Dilma, feito horas depois que a gravação deveria ter sido interrompida, ele quebrou a lei duas vezes: violou o sigilo que cobre tais interceptações, mesmo quando permitidas, para não falar da confidencialidade que supostamente protegeria as comunicações do chefe de estado. Eram tão patentes essas ilegalidades, que elas levaram a uma morna repreensão do juiz do Supremo Tribunal Federal, a quem Moro formalmente responde, mas nenhuma sanção foi imposta. Apesar de 'inadequado', seu superior suavemente observou, a sua ação tinha alcançado o efeito desejado.

Na maioria das democracias contemporâneas, a separação de poderes é uma polida ficção, com as supremas cortes em geral (a americana é uma exceção intermitente) inclinando-se para a vontade dos governos do dia. As contorções do Tribunal Constitucional alemão, frequentemente lembrado como um luminoso exemplo da independência judicial, confirmando violações da Grundgesetz (Constituição) do país e do Tratado de Maastricht a mando de sucessivos regimes em Berlim, pode ser tomadas como o normal.

No Brasil, a politização da mais alta magistratura é uma longa tradição. A figura ubuesque (absurda?) de Gilmar Mendes talvez seja um caso extremo, mas revelador. Como presidente, Cardoso protegeu seu amigo de acusações legais dando-lhe status ministerial antes levá-lo ao Supremo Tribunal - Mendes agora condena Dilma por fazer isso com Lula. Lá, para evitar a atenção indesejada, Cardoso iria se esgueirar para dentro do prédio, pela garagem subterrânea, para conversar com ele. Flagrantemente partidário demais do PSDB até mesmo para Eliane Cantanhede - "tucano demais" (o pássaro é o símbolo do partido) -, uma entrevistadora admiradora da direita, ele podia ser visto almoçando festivamente com líderes proeminentes do partido após absolvê-los de crimes - e não hesitou em empregar fundos públicos para matricular subordinados em uma escola privada de direito que mantêm, para o lucro, enquanto senta-se, como juiz, no mais alto tribunal da nação. Suas diatribes contra o PT são legendárias.

Sérgio Moro, uma geração mais jovem, é de outra cepa. Os Estados Unidos, que ele costuma visitar, são sua terra de referência. Um batalhador provinciano, ele não deve nada ao clientelismo ou comércio. Mas logo no início - acabara de passar dos trinta - ele mostrou sua indiferença aos princípios básicos da lei ou das regras de evidência em um artigo exaltando o exemplo dos magistrados italianos da década de 1990, "Considerações Sobre a Operação Operação Mãos Limpas ', em termos que anteciparam seus procedimentos de uma década depois.

Sem nenhuma tentativa de pesquisar a extensa literatura sobre Tangentopoli, ele contentou-se com dois encômios do grupo de Milão disponíveis para leitores americanos, citados sem uma de pitada de reflexão crítica, e tomou as alegações de um arrependido chefe da máfia sustentado pelo Estado como um evangelho, apesar de sua rejeição no tribunal. A presunção de inocência não pode ser considerada como "absoluta", ele declarou: é apenas um "instrumento pragmático", que pode ser suplantado pela vontade do magistrado. Os vazamentos para a mídia, ele celebrou como uma forma de "pressão" sobre réus, onde "objetivos legítimos não podem ser alcançados por outros métodos."

O perigo de um sistema judicial atuando neste espírito é o mesmo para Brasil que foi para a Itália: uma campanha absolutamente necessária contra a corrupção se torna tão infectada com desrespeito ao devido processo legal e o conluio sem escrúpulos com a mídia, que, em vez de incutir qualquer nova ética de legalidade, acaba confirmando o antigo desrespeito social com a lei. Berlusconi e sua herança são a prova viva disso.

A cena no Brasil difere da situação em Itália, no entanto, em dois aspectos.

Nenhum Berlusconi ou Renzi estão à vista. Moro, cuja celebridade agora excede a de qualquer um de seus modelos italianos, sem dúvida será chamado a preencher o vácuo político, se a Lava Jato fizer uma limpeza da velha ordem. Mas o destino medíocre de Antonio Di Pietro, o mais popular dos magistrados de Milão, ergue-se como um aviso para Moro, de qualquer maneira, à primeira  vista, mais genuinamente puritano, contra a tentação de entrar na política. O espaço para uma ascensão meteórica também parece ser menor, por causa de uma outra diferença fundamental entre os dois cruzados contra a corrupção. O ataque a Tangentopoli atingiu os governantes tradicionais do país, a Democracia Cristã e o Partido Socialista, que tinham estado no poder juntos por trinta anos, enquanto a Lava Jato fez mira política não nos governantes tradicionais do país, os quais, até agora, poupou, mas nos iniciantes que os substituíram. Ela parece muito mais parcial, e assim sectária.

O sectarismo foi extremamente acentuado por uma segunda diferença entre a Itália da década de 1990 e o Brasil de hoje. Quando Tangentopoli atingiu o sistema político, os meios de comunicação italianos formaram uma paisagem heterogênea. Em geral, jornais independentes tendiam a apoiar o sistema judicial em Milão. O conglomerado do chefe da Olivetti, De Benedetti, onde a maioria dos vazamentos apareceu na imprensa, alardeou as acusações contra Democratas Cristãos e Socialistas, mantendo o maior silencio que podia sobre os outros, que envolviam seu dono. O império de televisão e imprensa de Berlusconi atacou os magistrados. O resultado foi que, com o passar do tempo, houve muito mais questionamento das ações dos diferentes níveis da magistratura - muitas muito corajosas, outros muito dúbias - que no Brasil.

No Brasil, os meios de comunicação têm sido monoliticamente partidários na sua hostilidade ao PT e acrítica da estratégia de vazamentos e pressões de Curitiba, de que tem agido como o caixa de ressonância. O Brasil possui alguns dos melhores colunistas do mundo, cujos escritos analisaram a crise atual em um nível literário e intelectual muito acima do Guardian ou New York Times. Mas essas vozes são em número bem menor que o de uma floresta de conformistas ecoando as perspectivas dos proprietários e editores.

Comparar a cobertura dos meios de comunicação para qualquer vazamento ou revelação danosa ao PT com o tratamento dado à informação ou rumor que afeta a oposição é medir a extensão de seus padrões duplos.

Enquanto a Lava Jato se desenrolava, um exemplo pungente cintilava, Em 1989, um dos mais famosos pontos de virada da história moderna brasileira, Lula, então ainda um radical perigoso, aos olhos do estabelecimento, tinha ao seu alcance a vitória em sua corrida inicial para a presidência. Alguns dias antes do votação decisiva, uma ex-namorada apareceu em um programa de televisão do seu adversário, Collor, paga pelo irmão de Collor, acusando Lula de querer abortar uma criança que ela esperava. A repercussão, ampliada ao limite pela mídia, garantiram sua derrota no dia da votação.

Dois anos mais tarde Cardoso, então senador de destaque do PSDB, já apontado como um futuro candidato presidencial, era conhecido nos círculos políticos por ter uma amante trabalhando para a mesma cadeia de televisão, TV Globo, que arruinou Lula. Quando deu à luz uma criança, ela foi levada a sair do país, para Portugal. Em meados de 1994, após servir como ministro das Finanças, Cardoso estava concorrendo à presidência - e o trabalho dela se tornou cada vez formal, embora a Globo continuasse a pagar seu salário.

Com Cardoso eleito, o seu braço direito, o Magalhães mais jovem, instruiu-a a não retornar ao Brasil por medo de comprometer sua reeleição. Quando a Globo cortou seu salário, um trabalho de ficção foi encontrado para ela, fazendo uma pesquisa de mercado na Europa para uma cadeia de duty-free, com direitos de monopólio concedidos em aeroportos brasileiros por Cardoso. Através desta empresa, seu relato implicaria, Cardoso lavou U$ 100.000 (apoio à criança ou suborno)  para ela através de uma das suas contas nas Ilhas Cayman.

A história veio à tona em fevereiro, no meio do tornado da mídia em torno de acordos imobiliários de Lula. A mídia fez com que ela recebesse a menor cobertura possível. A empresa está agora sob investigação para uma transação penal. Cardoso protesta sua inocência. Ninguém espera que ele sofra qualquer inconveniente.

O mesmo pode ser dito da oposição em geral?

Moro liberou seus grampos incendiárias em 16 de março. Uma semana depois, a polícia de São Paulo invadiu a casa de um dos executivos da Odebrecht, a maior empresa de construção na América Latina, cujo presidente acabara de ser condenado a 19 anos por suborno. Lá eles encontraram um conjunto de tabelas com listas de 316 líderes políticos e quantidades de dinheiro junto a seus nomes. Apareciam figuras importantes do PSDB, PMDB e muitos outros partidos - um panorama da classe política do Brasil. Objetivamente falando, esta lista era um trovão mais alto do que a conversa entre Dilma e Lula. Mas um menos conveniente: de Curitiba, Moro tomou medidas imediatas no sentido oposto, ordenando a colocação das tabelas sob sigilo para evitar mais especulação.

Ainda assim, um alarme tinha soado: a Lava Jato poderia sair do controle. Se Dilma devia ser derrubada, era essencial que isso fosse feito antes que as tabelas da Odebrecht pudessem ameaçar seus acusadores. Dentro de alguns dias, o PMDB anunciou que estava abandonando o governo, e a contagem regressiva para a votação de impeachment começou. A maioria de três quintos da câmara baixa, que parecia muito objetivo no início do ano, estava agora ao alcance.

Opinião respeitável indicou a farsa de um Congresso repleto de ladrões, Cunha encabeçando, solenemente depor um presidente de irregularidade orçamentária.

(...)

sexta-feira, 8 de abril de 2016

O recorte, a ruína e a construção.

Já não é novidade para ninguém: é possível contar mentiras falando só verdades. A cuidadosa organização de fatos e ideias pode construir conclusões, no mínimo, enviesadas.

A Míriam Leitão publicou esta semana um texto com o bombástico título de “A ruína econômica”. Ele trabalha a imagem de Brasil, terra arrasada, tão cara aos construtores da destituição da Presidenta Dilma. E, claro, arruma fatos incontestáveis de forma a induzir a conclusão inafastável: foi Dilma quem destruiu tudo.


Nesta altura do campeonato, acho que ninguém seria capaz de negar a péssima situação econômica do país. Também não dá pra negar a bagunça política e institucional instalada.

Mas talvez dê pra disputar a ordem dos fatores, que, se não altera o produto, pode sim tornar mais complexo o debate a sobre causas, efeitos e soluções.

Por outro lado, talvez existam outros fatores na construção da nossa situação econômica.

Não disponho do instrumental teórico para fazer, a sério, este debate – apesar de ter sim uma opinião sobre o assunto. E, antes que alguém acuse, sim, ela inclui responsabilidades da Presidenta pelo quadro atual.

Contudo, voltando ao texto da Míriam, dá sim para denunciar a estratégia discursiva adotada por ela - com direito a planilha cheia de dados corretos e de muitas lacunas, arrumados, ambos, para legitimar a opinião da jornalista. Na tabelinha (colada lá no final), ela compara dados econômicos do ano da eleição da Presidenta (2010) e atuais, provando que Dilma causou a “ruína econômica”.

O recado é claro: estava tudo ótimo; aí, veio Dilma; aí, tudo foi arruinado.

Então, tá. Não vou nem lembrar que, lá em 2010, a jornalista não dizia que estava tudo ótimo. Mas será que este recorte temporal (defensável, até) não esconde algo?

Fui atrás dos dados – e eles estão na tabelinha abaixo.



É óbvio que estes dados não desmentem o quadro ruim atual. A economia, de fato, vai mal. Mas, ao contrário da impressão passada pelo recorte escolhido pela Míriam Leitão, não, não descemos ladeira direto desde a eleição da Dilma.

Na verdade, alguns aspectos – como o desemprego! – chegaram a melhorar durante a gestão da Presidenta.

O que a Míriam Leitão fez, e, diante da sua experiência, não tenho porque fingir que não foi intencional, foi juntar dados e, principalmente, lacunas, de forma a excluir da análise, e de qualquer conclusão, uma série de fatores interpostos entre as datas que ela escolheu como referencial.

De novo, não tenho o instrumental teórico para fazer a sério o debate sobre as causas da nossa situação atual. Mas, de qualquer forma, parece bem ilógico tirar do debate, dentre outros, os seguintes fatores, cuidadosamente obliterados pelo recorte temporal feito pela Míriam:

- os efeitos econômicos diretos da Lava Jato, que completa dois anos e afetou setores da economia (construção civil e petróleo), investimentos e arrecadação, havendo quem a responsabilize por uma queda de 2% do PIB só em 2015;
- forte queda do preço do petróleo, iniciada em 2014, que também afeta o setor petroleiro (e toda a sua cadeia), com efeitos sobre os investimentos, o crescimento do PIB e claro, a arrecadação; e
- as incertezas políticas, já que, por acaso (morte do Eduardo Campos) ou por ação das oposições, desde meados de 2014, o Brasil não sabe muito bem quem estará no comando dentro de 6 meses.

Vamos pegar como exemplo os dados de 2013 - terceiro ano do mandato da Dilma e antes da "crise política", da Lava Jato, e da queda do preço do petróleo. O país não crescia mais a 7,5%, mas o desemprego havia caído, o IPCA e a dívida bruta não haviam subido e a SELIC estava mais baixa; e a situação fiscal tinha piorado, sim, mas não parece que de forma explosiva. (O dólar tinha subido. Mas isso é ruim?)

Exceção feita ao desemprego, que caiu!, o jogo começa a virar em 2014, ano de eleição, como lembra a Mírian, mas também ano da queda do preço do petróleo, do começo das propagandas da Lava Jato e do início das grandes incertezas políticas.

Mas estes dados e fatores foram intencionalmente escondidos no texto e nesta tabela da Mírian, que, assim, cria sua verdade sem contar nenhuma mentira, constrói com fatos e lacunas a responsabilidade exclusiva da Presidenta Dilma pela nosso situação atual:


******

Fontes dos dados:
Dívida: http://www.bcb.gov.br/htms/Infecon/seriehistDBGGFC.asp
Resultados: Ipeadata : Necessidade de financiamento do setor público (NFSP) - setor público - conceito primário - sem desvalorização cambial - acum. 12 meses e Necessidade de financiamento do setor público (NFSP) - setor público - conceito nominal - sem desvalorização cambial - acum. 12 meses