terça-feira, 20 de setembro de 2011

O Bolsa Família está comprando filhos?


E “O Globo” me vem com mais uma pérola em sua longa cruzada contra o Bolsa Família. Depois de regsitrar opiniões de 4 “especialistas” sobre a ampliação do programa – e só ouvir elogios à providência –, ao menos em sua versão online, o “jornal” tascou a manchete: “Polêmica à vista – Ampliação do Bolsa Família poderia incentivar a natalidade se valor fosse maior, dizem analistas.”

Interessante: à vista de quem está a polêmica? Os quatro analistas ouvidos concordam nos elogios à ampliação. E mais: os quatro concordam que a mudança não causará qualquer aumento na fecundidade das mulheres ou na taxa de natalidade.

Aliás, pode ser implicância minha, mas o que a estrutura das respostas indica é uma tentativa desesperada do “jornal” em cavar um declaração bombástica acerca de supostos efeitos da ampliação do programa sobre a taxa de fecundidade.

Das declarções, três começam eleogiando a alteração no Bolsa Família para, em seguida, abordar uma mesma suposta consequência, que descartam: o estímulo à geração de filhos. O outro, ainda mais direto, começa logo com a seguinte frase: “Olha, R$ 32 não fazem ninguém engravidar, não vejo como incentivo. A população hoje é essencialmente urbana e ter um filho sai muito caro. Mesmo que sejam quatro ou cinco crianças recebendo o Bolsa, não vale a pena”

Daria tudo para ver as perguntas respondidas.


Dos arquivos do blog, mais sobre o Bolsa Família:
Desde a implantação do Bolsa Família, a Taxa de Natalidade já caiu 25%
Valor: Bolsa família reduz evasão escolar e melhora aproveitamento dos alunos.
Valor: bolsa-família e crescimento do NE já reduzem o flagelo das migrações para o Sul.
Correio Braziliense: Marcos Coimbra e a má vontade da imprensa com o Bolsa Família.
Newsweek: com suas conquistas desde 2003, o Brasil surge como modelo na luta contra a pobreza.

Agência Brasil: OIT diz que programas sociais do governo Lula são exemplo no combate ao trabalho escravo infantil.
Apenas o véu ideológico impede que se enxergue os efeitos do Bolsa Família na economia, diz João Paulo Kupfer
Ultimo segundo: o ganho tributário auferido é 70% maior do que o total de benefícios pagos pelo Bolsa-Família, "dizem especialistas".


Outra coisa interessante na manchete é que ela se refere a uma política pública (o Bolsa Família), mas analisa uma outra – que só existe na cabeça do seu autor. A política pública analisada na matéria foi uma ajuda de R$ 32, a partir da gestação, para as mães de mais de 5 filhos. Essa é a política pública, provavelmente com valores calibrados exatamente para evitar o suposto “efeito negativo potencial” sobre a taxa de fecundidade.

Mas de que trata a manchete – e não a matéria, diga-se? De uma inexistente política pública, que pagaria valores substancialmente mais elevados e que, segundo dois dos quatro analistas ouvidos, poderia, em tese, ter algum efeito sobre a taxa de fecundidade. É a manchete sobre o inexistente, sobre o imaginado pelo editor.

E uma curiosidade. Ao menos um dos entrevistados chutou um valor de benefício que, imagina ele, poderia, em tese aumentar a taxa de fecundidade. Segundo ele, se esta política publica imaginária pagasse benefícios no valor um salário mínimo talvez as pessoas tivessem mais filhos por causa dele. Ou seja, para ter o feito negativo, a política pública tratada na manchete teria que pagar o valor equivalente 17 vezes o benefício pago pelo programa existente, o Bolsa Família.

Salta aos olhos, também, outra coisa, contudo. Os dois analistas que se propuseram a imaginar um eventual efeito negativo desta outra polítca pública - lembre-se, inexistente - cuidaram de fazer uma mesma resslava. Ambos frisaram que “ nenhum estudo feito até hoje apontou que o programa leve a aumento de fecundidade”.

Na verdade, como pode ser visto aqui, desde a implantação do Bolsa Família, a taxa de fecundidade (nº de filhos por mulher em idade fértil) caiu cerca de 25%.

Mas, apesar do grotesco dessa matéria da versão online, a capa da versão impressa do “jornal” mostra que, em se tratando de “O Globo” tudo sempre pode ser pior.

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Como mostra a imagem acima, a manchete da versão impressa de “O Globo” de hoje diz: “Bolsa Família pagará por 5 filhos desde a gravidez”.

Sou um chato, ou quem “paga por algo” retribui um bem ou serviço? Apesar da ressalva técnica e covarde em letras miúdas, a manchete em letras garrafais não sugere que o Bolsa Família remunerará a geração de quantidades maiores de filhos?

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Polêmica à vista
Publicada em 19/09/2011 às 22h39m
Alessandra Duarte (duarte@oglobo.com.br) e Carolina Benevides (carolina.benevides@oglobo.com.br)

RIO - Uma ampliação natural para um programa que beneficia mulheres - as responsáveis, nas famílias, por receberem o dinheiro do Bolsa Família -, e em linha com reajustes ao programa já feitos este ano. Mas o benefício extra de R$ 32 a grávidas e mulheres que estejam amamentando também pode levar no futuro, caso esse valor extra aumente com o tempo, a um risco potencial de estímulo à natalidade. Economistas e pesquisadores do Bolsa Família ouvidos pelo GLOBO dizem que a ampliação anunciada nesta segunda-feira tem o efeito positivo de levar mais recursos para uma fase essencial do desenvolvimento da criança, a primeira infância. Para alguns, o efeito negativo potencial, que seria o estímulo para que famílias pobres tenham mais filhos para receber o benefício, poderia vir apenas se houvesse aumento expressivo dos R$ 32.


Professor da Escola de Economia da FGV-SP, André Portela fala de "aspectos positivos e potencialmente negativos" da ampliação:

- O positivo é que se trata do aumento de renda de um programa com boa focalização, que vai especificamente para famílias muito carentes. Sendo ampliado para, por exemplo, mulheres que amamentem, é um dinheiro a mais que vai para uma fase importante da vida da criança - diz. - Agora, o risco negativo potencial é se criar um incentivo ao aumento da natalidade, e isso poderia contribuir para a continuidade das condições de pobreza daquela família. No entanto, nenhum estudo feito até hoje apontou que o programa leve a aumento de fecundidade. Além disso, se o valor começasse a subir, poderia até passar a ser um atrativo e levar a esse estímulo, mas, como é hoje, é baixo para isso.

- É uma ampliação em linha com as duas mudanças deste ano: o reajuste e o aumento do limite máximo de três para cinco filhos. Dar ênfase às crianças é louvável. Estudos mostram que a primeira infância é estratégica, e que qualquer benefício traz efeitos permanentes. Por outro lado, pode ser que o benefício aumente a fecundidade. Mas é importante não haver bloqueios ideológicos por conta disso ou já sair dizendo que o benefício pode incentivar a ter mais filhos. O tempo e os dados vão mostrar os custos e os benefícios da ampliação - diz Marcelo Neri, professor da FGV-RJ.

Do conselho do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets) e ex-presidente do IBGE, o sociólogo Simon Schwartzman não vê risco de a ampliação levar as famílias a terem mais filhos, justamente pelo baixo valor.

- Há estudos que já mostraram que o programa diminuiria um pouco a carga de trabalho das mulheres beneficiárias, mas, no caso de gestantes e mulheres amamentando, se isso ocorrer, pode até ser visto como positivo. Mas não há pesquisa que tenha apontado maior número de filhos por causa do benefício. Se fosse um salário mínimo... Mas R$ 32 vão é dar uma folga para a família comprar um pão - diz Schwartzman. - O importante é que as contrapartidas, as exigências feitas às famílias, como realização de pré-natal, continuem.

- Olha, R$ 32 não fazem ninguém engravidar, não vejo como incentivo. A população hoje é essencialmente urbana e ter um filho sai muito caro. Mesmo que sejam quatro ou cinco crianças recebendo o Bolsa, não vale a pena. Creio que o dinheiro faça com que a mulher se sinta mais segura na gravidez e amamentação, e que sirva para que o Estado tenha de assegurar o acesso ao pré-natal, por exemplo, que já é uma contrapartida do programa - completa Marcel Guedes Leite, economista da PUC-SP, que já realizou diversos estudos sobre o Bolsa Família. - Além disso, como o benefício é entregue à mãe, é mais provável que seja usado para melhorar a alimentação.

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