quinta-feira, 22 de setembro de 2011

A Assembléia Geral da ONU e um novo ator na luta contra a pena de morte.

Artigo publicado pelo Opera Mundi.

Do arquivo do blog:
New York Times: a pena de morte é duas vezes incompetente, porque, além de não resolver o problema, é mais cara que as outras alternativas.

Contra a pena de morte, um novo ator entra em cena
1/01/2011 - 14:29 | Federico Mayor Zaragoza | Barcelona

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em dezembro de 1948, reconhece o direito de toda pessoa à vida (Art. 3) e afirma categoricamente: “Ninguém será submetido a torturas nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes” (Art. 5).

De fato, a pena capital é a negação mais extrema dos Direitos Humanos: viola o direito à vida, direito supremo já que o exercício de qualquer outro direito pressupõe existir. É o castigo mais cruel, desumano e degradante. A pena de morte é, com frequência, discriminatória, desproporcional e arbitrária, e, sobretudo, pode ser injusta, indevida.

As Nações Unidas fixaram, em vários pactos e convênios internacionais, condições rígidas, unicamente sob as quais poderia eventualmente ser aplicada a pena de morte naqueles Estados que ainda não haviam decidido pela abolição.

Como diz o informe do secretário-geral das Nações Unidas, de agosto de 2010, confirma-se uma sólida e constante tendência mundial para a abolição da pena capital. Atualmente, mais de dois terços dos países a aboliram de sua legislação ou na prática.
A comunidade internacional aprovou quatro tratados abolicionistas. O primeiro deles é de âmbito mundial e os outros três são regionais.

O Estatuto do Tribunal Penal Internacional, adotado em 1998, exclui a pena capital, apesar de ter competência sobre crimes extremamente graves, como os cometidos contra a humanidade, entre eles genocídio e violações das leis que regem os conflitos armados. Exclusão que também fizeram os tribunais especiais de Ruanda, Timor Leste, da ex-Iugoslávia ou dos Tribunais Especiais para o Camboja.


Cientificamente, nunca se conseguiu provas convincentes de que as execuções tenham um efeito dissuasório mais eficaz do que outras penas. Um estudo feito pelas Nações Unidas em 1988, atualizado em 1996 e 2002, concluiu que “a investigação não conseguiu demonstrar cientificamente que as execuções tenham maior efeito dissuasivo do que a prisão perpétua. E não é provável que o consiga no futuro. Em conjunto, as provas científicas não oferecem nenhum apoio à hipótese da dissuasão”.

A pena de morte é irreversível, e nenhum sistema jurídico pode evitar a condenação de pessoas inocentes. Enquanto for aceita como forma legítima de castigo, existirá a possibilidade de se fazer mau uso político dela. Somente a abolição pode garantir que isso não ocorra.

Em dezembro de 2007 e 2008, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou, respectivamente, as Resoluções 62/149 e 63/168, nas quais é pedida uma moratória mundial. Na de 2008 consta uma exortação aos Estados que ainda mantinham a pena de morte para que “respeitem as normas internacionais que estabelecem salvaguardas para garantir a proteção dos direitos dos condenados à morte, em particular as normas mínimas, limitem progressivamente o uso da pena de morte, reduzam o número de crimes que possam ser punidos com essa prática, e estabeleçam moratória para as execuções, com vistas a abolir a pena de morte”.

No final de 2010, a Assembleia Geral das Nações Unidas adotou uma terceira Resolução [Resolução 65/206] sobre moratória e uso da pena de morte, com adesões que ratificam a tendência abolicionista.

Para contribuir com o aceleramento deste processo, atuando de forma complementar com as instituições já existentes, tanto no âmbito internacional como regional, do Sistema das Nações Unidas e de ONGs, foi criada recentemente, com especial apoio do primeiro-ministro espanhol, a Comissão Internacional contra a Pena de Morte, que tenho a honra de presidir. Está integrada por destacadas personalidades e conta com apoio de um grupo importante de países que favorecem a aprovação de uma moratória geral até 2015, levando, depois, à abolição da pena máxima, irreversível.

Os Direitos Humanos são indivisíveis e nenhum Estado ou pessoa pode pretender desfrutar de uns sem praticar os outros. De particular importância, por ser exemplo como referência planetária, é conseguir que os 36 Estados norte-americanos, que continuam, alguns deles, executando prisioneiros que ficam anos e anos vivendo no “corredor da morte”, reconsiderem sua atitude.

Uma preocupação especial é a China, já que existe constância, inclusive gráfica, de execuções “em série”, mas, como ocorre em aspectos de outra índole, não se facilita a menor informação a respeito. É inaceitável que um país que se converteu na “fábrica do mundo”, e tem um imenso poder financeiro por sua privilegiada posição comercial, não respeite os princípios mais elementares de transparência que a “aldeia global” requer. Quando alguns ditadores alegam que a pena de morte é um “clamor popular” é porque divulgam, pelos meios de comunicação, informações tendenciosas, desprovidas de todo rigor.

Assim, colaboremos todos: governantes, parlamentos, mídia, comunidade intelectual e artística, sejam quais forem nossas ideologias e crenças, para que o horror da pena de morte desapareça da face da Terra. Esse será um dia luminoso para a Humanidade. 

*Federico Mayor Zaragoza é presidente da Fundação Cultura de Paz, presidente da Comissão Internacional contra a Pena de Morte e ex-diretor geral da Unesco. Artigo publicado originalmente pela agência IPS e, em português, pelo Envolverde.

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