Os pés estão absolutamente paralelos - um ao outro e ao meio fio junto deles. O corpo e a coluna, em unidade, são mantidos perfeitamente estirados perpendicularmente ao solo, como se os quisesem substitutos de um poste. O homem estende o braço direito, até então alinhado junto ao troco, na altura exata de seu ombro e em direção ortogonal a da calçada. Desta forma, ele solicita a parada do ônibus.
O veículo para ao lado do homem. Girando o corpo precisos noventa graus, ele se coloca de frente para o coletivo e, com os pés novamente em rígido paralelismo, perfaz a distancia até a porta com passos idênticos. Diante da porta, em seu exato centro, o sujeito suspende simultaneamente os dois braços até as alças e, depois uma, das pernas, formando com seu joelho um ângulo reto. Firme e seguro, ele traz a outra perna para o primeiro degrau, sem que se altere a angulação entre sua coluna, o chão e o vão da porta; repetindo a operação, novamente precisa, ele se coloca diante da roleta.
Ali, após um novo giro de noventa graus, com que se põe frente a frente com o trocador e com o peito paralelo ao balconete, o homem estica por completo seu braço esquerdo para o lado, postando sua mão à altura de seus ombros, e descreve com ela um setor de circulo para efetuar o pagamento. Recebido o troco, realiza o movimento inverso com seu braço para, em seguida, vencer a roleta com com precisão que impede qualquer meneio da cabeça ou a oscilação de uma mísera vértebra ou do quadril.
Parado agora justo no meio do corredor, o passageiro gira sobre o eixo de sua coluna, virando-se para a dianteira do ônibus. Segue então seu caminho até o primeiro banco do veículo, a passos rigorosamente iguais, como atestaria quem os medisse. Com apenas um exato passo lateral, posta-se em posição para sentar-se, finalizando a operação com harmonia perfeita, simétrica, absoluta - geométrica, poderíamos dizer.
Instantes depois, em alta velocidade e desgovernado pelo estouro de um pneu, o ônibus colide frontal e ortogonalmente contra um poste. Em um vôo cheio de voltas barrocas, o homem é atirado contra o para-brisa e, através dele, à calçada.
Estatelado sobre a calçada, depois de cruzá-la sem direção certa, aos rodopios e meias-cambalhotas, em posição digna de um contorcionista - aparentando ter mais membros que de fato tem – o corpo do homem finalmente volta a conhecer ângulos variados e a possibilidade de curvaturas e posturas assimétricas.
Pena, porém, já não haver, então, proveito para essas vãs liberdades.
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Achei esse texto (bem velhinho) no HD e deu vontade de postar aqui.
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