sábado, 6 de outubro de 2012

O cachorro que dedurou o prefeito gatuno (da entrevista da Dilma no FT)

Eu gosto de ler, e colar no blog, textos estrangeiros sobre o que acontece por aqui. Certo, certo, na verdade, só trago pra cá aqueles que sejam de alguma forma positivos. Confesso.

Este perfil / entrevista aí abaixo até preenche o requisito, mas, como meio que chove no molhado, quase desisti de publicá-lo. O que o salvou foi a historieta sobre o cachorro que denunciou o prefeito - que está lá no penúltimo parágrafo. 

FT Entrevista: Dilma Rousseff 
Por Joe Leahy 

A 36ª presidente do Brasil se inclina para frente e lança um olhar atento ao redor da mesa, assegurando que ninguém perdeu sua ideia simples, mas ousada do que ela quer para o país.

Depois de quase 10 anos de governo do Partido dos Trabalhadores (PT), a maior economia da América Latina reduziu as taxas de pobreza e percorreu um longo caminho na redução da desigualdade - uma tendência que contraria o alargamento da distância noutros lugares.

"Isso, eu acho, é um ganho muito importante para o Brasil – isto é, transformar o Brasil numa população de classe média", diz Dilma Rousseff em seu escritório no Palácio do Planalto, em Brasília, a maravilha modernista de mármore projetada por Oscar Niemeyer, o arquiteto brasileiro. "Nós queremos isto; queremos um Brasil de classe média."

Um notável progresso tem sido feito para melhorar o destino de milhões de pessoas nesta que continua sendo uma das sociedades mais desiguais do mundo. Seu milagre econômico ajudou a elevar 30 a 40 milhões de pessoas da pobreza, criou mercados para empresas nacionais e multinacionais e atraiu investidores globais.

No entanto, após quase uma década de condições globais altamente favoráveis, de repente a economia desacelerou para um nível rasteiro. Para consolidar sua prosperidade recém-descoberta e continuar sendo um dos motores do crescimento global, ao lado de Rússia, Índia e China, os outros países dos BRICs, Dilma deve encontrar um novo modelo de desenvolvimento. Em um mundo afligido pela crise econômica, a questão é se ela pode impulsionar as mudanças necessárias para o arranque de uma segunda década de crescimento. Isso inclui resolver as questões espinhosas da falta do Brasil de competitividade e dos altos custos trabalhistas.

"Temos que fazer as coisas difíceis", diz José Scheinkman, professor de economia brasileira na Universidade de Princeton.

Mas se Dilma está sentindo a pressão, não há nenhum sinal disso quando ela entra na modesta sala de conferências ao lado de seu escritório no palácio presidencial, parecendo confiante, mas, aparentemente, evitando correr riscos: no pulso, há um tradicional amuleto para afastar o mal olhado.

Ela tem a reputação de uma gestora dura, conhecida por fazer ministros chorarem em reuniões se não tiverem feito seu dever de casa. Mas quando um falante de espanhol na sala tenta falar português com um forte sotaque, ela gentilmente provoca-lhe imitando seu ritmo? "Nós falamos espanhol aqui também", diz ela, bem humorada.

Quando Dilma chegou ao poder, em janeiro do ano passado, como sucessora ungida por Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-presidente, havia ceticismo sobre se esta tecnocrata, que nunca havia ocupado um cargo eletivo, seria capaz de controlar sua coalizão de mais de 10 partidos, liderada pelo PT. Com o que os críticos não contavam, no entanto, era a determinação da primeira mulher eleita presidente do Brasil. Em 1967, ela se juntou a um grupo de militantes de esquerda rebelados contra a ditadura de direita do país, adotando o nome de guerra de Estela. No início dos anos 1970, ela foi amargou a captura, a tortura e quase três anos de prisão.

Quando o Sr. Lula da Silva chegou ao poder em 2003, ele escolheu Dilma Rousseff, economista de formação, como sua ministra de energia e, em seguida, sua chefe de gabinete. Como presidente, ela tem compensado sua falta de experiência eleitoral sendo diferente. No ano passado, quando ministros seus se viram envolvidos em escândalos de corrupção, ela fez algo incomum em Brasília: não os defendeu, mas, em vez disso, simplesmente os demitiu - sete deles no total. Os Eleitores aplaudiram.

Enquanto isso, a taxa de desemprego continuou a cair, atingindo este ano um recorde de baixa, inferior a 6%, e levando sua popularidade para um recorde - mais de 70%.

"As pessoas diziam que ela não tinha experiência política", disse Fernanda Montenegro, a estrela de cinema brasileira indicada ao Oscar e, diz-se, atriz favorita de Dilma Rousseff, em um evento em sua homenagem no ano passado em Nova York. "Eu acredito, no entanto, que nós ganhamos com Dilma porque ela ... não se enquadrar na maneira tradicional de fazer política no Brasil. "

Mas, enquanto o ano passado testou suas habilidades políticas, este ano ela está sob pressão para reavivar a economia. Depois de atingir 7,5% em 2010, na carreira dos altos preços das commodities e  de um boom de crédito e de consumo, o crescimento no ano passado caiu para 2,7%. Este ano ele pode ser tão baixo quanto 1,5%.

Convidada a citar os principais desafios, Dilma aponta para um suspeito habitual. A política monetária frouxa nos EUA, quando não acompanhada de políticas fiscais para absorver excesso de fundos, leva à desvalorização da moeda competitivos e inflação. "Políticas monetárias expansionistas que levam à desvalorização da moeda são as políticas que criam assimetrias nas relações comerciais - assimetrias graves", diz ela.

Com os EUA e outros países querendo sair da crise por meio das exportações, o Brasil recusou-se a se tornar um mercado de bens favorecidos por dumping. O governo tem tentado proteger suas indústrias através de medidas como aumento de impostos sobre carros compostos por mais de 40% de componentes importados.

Isso, e uma recente medida de aumento de tarifas sobre centenas de produtos, de tubos de ferro a pneus de ônibus, levou a queixas de parceiros comerciais, incluindo os EUA. No entanto, Dilma Rousseff, em discurso na Assembléia Geral da ONU no mês passado, rebateu que "medidas legítimas de defesa" não podem rotuladas como protecionismo.

"Este país não montar coisas, apenas", diz Dilma. "Nós queremos um país que produz, que cria conhecimento e o aplica aqui; queremos uma força de trabalho qualificada."

Mas ela reconhece que muitos dos problemas do Brasil são também caseiros. Elevados custos do trabalho, baixa produtividade, infra-estrutura precária e alta tributação - com gastos do governo em 36% do produto interno bruto, o equivalente a muitos países avançados europeus, mas sem os mesmos níveis de eficiência - criaram uma situação em que a inflação surge sempre que o economia começa a crescer.

Tony Volpon, economista da Nomura, em Nova York, afirma que a taxa de crescimento potencial do Brasil - a velocidade em que ela pode se expandir sem gerar inflação alta - caiu de 4%, na última década, para mais perto de 3%. Isso porque o crescimento na última década foi, em parte, o resultado da entrada de grande número de pessoas na força de trabalho formal. Hoje, com o desemprego relativamente baixo, essa low-hanging fruit desapareceu.


"A questão é: nós seremos mais ambiciosos e resolveremos outras coisas?", pergunta o Sr. Volpon, "ou não, e seremos uma economia que cresce de 3% com inflação alta." 

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Embora a presidenta não prometa um explosivo pacote de reformas - como visto recentemente na Índia, que desregulamentou os setores de varejo e de companhias aéreas –, Dilma diz que o Brasil está cortando o custo do trabalho, reduzindo os impostos sobre a folha de pagamento. Até agora, 40 setores industriais foram beneficiadas. Outras medidas fiscais estão por vir. "Isso é importante porque não queremos penalizar aqueles que empregam as pessoas", diz ela.

O governo também está acelerando a entrega de concessões de infra-estrutura, já tendo concedido aeroportos em São Paulo, Campinas e Brasília, os maiores do país. Ele também está se preparando para descarregar R$ 133 bilhões em concessões rodoviárias e ferroviárias. Portos são os próximos. Esses grandes projetos são vistos como cruciais antes do Brasil sediar a Copa do Mundo de Futebol em 2014 e os Jogos Olímpicos dois anos depois. "Queremos parceiros do setor privado, de qualquer origem", diz ela.

Outro grande projeto do governo é reduzir os índices tradicionalmente altos de juros do Brasil. O Banco Central cortou as taxas em 500 pontos-base em 12 meses, para uma baixa recorde de 7,5%. Mas Dilma e seus ministros entraram com força, intimidando os bancos a abaixar os juros de empréstimos. Enquanto os bancos são criticados por cobrar taxas usurárias no Brasil - nos cartões de crédito pode exceder os 100 % - a intervenção verbal do governo levantou temores de interferência no mercado. Dilma Rousseff é não se desculpa.

O Brasil foi o último almoço grátis no mundo para os bancos, diz ela, referindo-se às altas taxas de juros que cobradas dos clientes. "Estamos a voltando para um lugar com níveis normais de rentabilidade. Isso significa que alguns de nós precisaremos começar a procurar lucros adequados em atividades produtivas que são boas para o país. "

Ela é igualmente inflexível sobre uma outra área em que o governo é acusado de interferência no setor privado - a sua decisão de cortar os lucros que as operadores de energia elétrica estão autorizados a fazer. Puxando um bloco de notas, ela desenha um gráfico representando a vida média de uma planta hidrelétrica, em que a unidade continua a produzir energia por muito tempo após o investimento inicial ter sido pago - mas as empresas querem continuar a cobrar os mesmos preços elevados.

Então, o governo tem dado aos operadores uma escolha: reduzir os preços agora, e renovar o contrato, ou aguardar o contrato a expirar, e arriscar perdê-lo. O resultado foi um corte de 16% nas tarifas da energia para os consumidores e uma redução de 28% nas tarifas para os clientes industriais. "Isso é muito importante, pois precisamos reduzir os custos", diz Dilma Rousseff sobre a iniciativa.

Enquanto seu antecessor apreciava a ribalta internacional, Dilma Rousseff é uma diplomata indiferente. Ela arrepiou as penas americanas e europeias na Assembléia Geral da ONU, mês passado, alegando que a islamofobia está em ascensão em países desenvolvidos. Mas, geralmente, ela descreve um Brasil que é amigo de todos, com relações especiais com os países africanos lusófonos e laços estreitos com a Europa através da imigração. "O mundo para nós é multipolar", diz ela.

Mais perto de casa, ela não quis comentar o paradigmático processo de corrupção na Supremo Curte, datado do primeiro mandato de Lula da Silva. O chamado Mensalão, ou "grande subsídio mensal ", envolve muitos chefes do partido do ex-presidente, acusados ​​de usar fundos públicos para pagar políticos da oposição para apoiar a agenda legislativa do governo no Congresso. Alguns já foram condenados.

[Sim, eu vou fazer um comentário. A historinha de compra de votos de parlamentares aliados é tão inverossímil, que o coitado jornalista americano se enrolou e, usando um pouco de lógica, errou na descrição da acusação. Segundo ele, membros do partido do governo seriam acusados ​​de usar fundos públicos para pagar políticos da oposição  para apoiar a agenda legislativa do governo no Congresso".]

Mas Dilma parece claramente preocupada com a governança. Ela conta a história de um prefeito que deveria estar construindo duas escolas com recursos do governo federal, mas, de fato, estava construindo apenas uma e embolsando o resto. Ele foi obrigado a postar fotos na internet das escolas sendo construídas. Mas acabou sendo pego quando o mesmo cão apareceu em fotos do que deveriam ser duas escolas diferentes.

"Você tem que estar pronto para tudo na vida - mas um cão denunciando um prefeito?", diz a presidenta, rindo. De repente, ela se torna grave. "Estamos informatizando toda a estrutura do governo, porque isso vai nos permitir controlar o que é feito." Esses processos são "triviais", mas necessários, diz ela.

Uma presidente que dá atenção aos detalhes, ainda que triviais, é talvez o que o Brasil precisa ao procurar consolidar as conquistas da última década e continuar a sua emergência como um país de classe média. Mas, com a reforma apenas começando, muito ainda vai depender de quanto ela está disposta a fazer as "coisas difíceis".