terça-feira, 3 de julho de 2012

A vantagem de uma mente levemente deprimida: o realismo.


Two Faces of Miroslava, de Jan Saudek
Two Faces of Miroslava, de Jan Saudek.

“(…) Em seu livro Positive Ilusions, Shelley E. Taylor mostra de forma deliciosa as mil e uma maneiras como as pessoas alegres iludem a si mesmas. Uma das mais tocantes é a crença, defendida por noventa por cento de todos os motoristas de automóveis, de que dirigem ‘melhor que a média’ – uma impossibilidade estatística. Como revela Taylor, os levemente deprimidos tendem a não alimentar tais ilusões gratificantes:


‘as pessoas normais exageram sua competência e sobre até que ponto são bem-amadas. As deprimidas, não. As normais relembram o passado com um brilho róseo. As deprimidas são mais imparciais ao recordar seus sucessos e fracassos. As normais descrevem-se como basicamente positivas. As deprimidas descrevem tanto os próprios defeitos quanto as qualidades. As normais assumem o crédito por desfechos bem-sucedidos e tendem a negar a responsabilidade pelos fracassos. As deprimidas se responsabilizam tanto pelos sucessos quanto pelos fracassos. As normais exageram o controle que têm sobre o que se passa à sua volta. As deprimidas são menos vulneráveis à ilusão de controle. As normais acreditam, até um grau irrealista, que o futuro lhes reserva uma infinidade de coisas boas e poucas ruins. As deprimidas são mais realistas em suas percepções do futuro. Em todos os pontos em que os normais exibem acentuada auto-estima, ilusões de controle e visões irrealistas do futuro, os deprimidos não mostram a mesma tendência. ‘Mais triste, porém mais sábio’, parece aplicar-se à depressão’.


Mais triste, porém mais sábio, é todo aquele qie sofre de depressão leve, prossegue Taylor. Enquanto as vítimas de depressão grave distorcem de fato os aspectos negativos da vida, as levemente deprimidas são, possivelmente, observadores mais perspicazes. Percebem com clareza cristalina que, quando o copo está meio cheio, também está vazio até a metade.”
John J. Ratey e Carherine Johnson, in Síndromes Silenciosas.


*****

Essa história de como o deprimido enxerga o tal copo com um pouco de água me lembrou deste textinho velho aí embaixo. Na verdade, não passa muito da transcrição de um chiste do Woody Allen sobre o tema.

Forma e conteúdo.

O conteúdo de um copo, sua descrição e a personalidade de alguém. Os três elementos de um dos mais irritantes entre os muitos clichês que povoam nossas conversas cotidianas. O argumento é quase onipresente na boca de polianas em geral, que o consideram definitivo em sua suposta vitória sobre a realidade e sobre aqueles que não temem encará-la de frente. Pois bem, na minha opinião, gira em torno dele o ponto alto de Scoop, de Woody Allen.

Achei o filme mesmo um copo meio vazio, mas, como não sou grande fã de Mr. Allen, vazia talvez seja a minha cabeça.

Sei que, lá pelas tantas, como Sid insiste em tentar abrir-lhe os olhos, Sondra apela para o chavão. "O problema é que você sempre vê o copo meio vazio", diz ela. A o quê Sid responde: "Não, eu vejo o copo meio cheio. De veneno."

Ele estava certo - quem viu o filme, sabe.

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