terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Terra Magazine: os dados do IBGE derrubam qualquer dúvida da resistência do mercado de trabalho brasileiro à crise, escreve Gomes de Almeida.

Artigo publicado pelo Terra Magazine.


Julio Gomes de Almeida
De São Paulo (SP)

Não importa a causa inicial de uma retração econômica, a queda do emprego é uma das principais alavancas de propagação e realimentação de uma crise. O caso contrário também é verdadeiro, ou seja, o aumento do emprego funciona como mecanismo difusor de uma expansão econômica. Existem outros mecanismos, mas o emprego é um dos condicionantes centrais da dinâmica cíclica das economias.

Estamos assistindo no presente momento a um exemplo da importância do emprego na economia mundial. O pior da crise internacional parece ter passado, mas como o desemprego cresceu muito, economias como a dos EUA não apresentam um quadro inequívoco de saída da crise. Existem outros problemas, é claro, como a incipiente recuperação do crédito, mas não parece haver dúvidas de que o comportamento do emprego é a principal variável que determina a incerteza sobre a capacidade das economias centrais levantarem vôo após o mergulho econômico devido à crise.

Como uma redução do emprego transforma-se em alavanca de continuidade de uma retração e a realimenta? Em si, o desemprego deprime o poder de compra da população, o que reduz o consumo e propaga uma recessão. Mas os efeitos indiretos são tão ou mais importantes. O medo do desemprego reduz a confiança dos consumidores e retrai o crédito dos bancos que passam a temer um aumento da inadimplência das famílias endividadas. Assim, o consumo cai mesmo entre aqueles que não perderam seus empregos e com isso aprofunda-se a redução do investimento, alargando os efeitos da crise.

No comportamento do emprego residiu uma das grandes novidades positivas no enfrentamento brasileiro à crise. O desemprego chegou a aumentar muito no mês final de 2008 e em janeiro do ano passado, mas teve na indústria o seu foco quase exclusivo. Como foram mantidos os empregos no setor público e programas de redução de impostos e complementos de renda sustentaram o comércio varejista, a onda de desemprego não se alastrou.

Assim, muito embora a crise tenha deixado consequências duras no setor industrial, ela ficou por aí e não se alastrou para o restante da economia. O consumidor brasileiro reduziu sua confiança na economia devido ao contexto internacional, mas esta logo foi recomposta. No crédito, os bancos se retraíram e dificultaram a concessão de novos empréstimos, mas como a inadimplência das pessoas não aumentou significativamente, logo voltaram a conceder financiamentos. A não escalada do desemprego, foi, portanto, um fator determinante para que a crise no Brasil não prosperasse e fosse revertida com certa rapidez.

Se havia alguma dúvida de que o mercado de trabalho brasileiro teve alta resistência à crise e já retomou um padrão de evolução semelhante ao período imediatamente anterior à crise, os dados divulgados pelo IBGE na semana passada dirimem qualquer dúvida a esse respeito.

A taxa de desocupação registrada em dezembro último foi de 6,8% da população economicamente ativa, a mesma taxa observada em dezembro de 2008 e a menor de toda série histórica iniciada em 2002. A taxa de desemprego média de 2009, o ano predominantemente marcado pela crise, ficou mais elevada (8,1%) do que a taxa do ano de 2008 (7,9%), um ano que em média foi de grande crescimento econômico, porém, muito próxima.

Ainda comparando a média anual de 2009 e 2008 (vale lembrar que o ano de 2008 foi caracterizado por taxas de desemprego baixas), a taxa de desocupação apresentou retração em quatro das seis regiões metropolitanas pesquisadas pelo IBGE, com destaque para a região do Rio de Janeiro, onde se observou a maior queda (-0,7 ponto percentual), seguida por Porto Alegre (-0,3 p.p.), Salvador (-0,2 p.p.) e Belo Horizonte (-0,1 p.p.).

Em São Paulo, onde o mercado de trabalho é mais complexo e é maior o peso do setor que mais sofreu com a crise, ou seja, a indústria, a taxa média de desocupação em 2009 (9,2%) ficou acima do que a de 2008 (8,4%), ou seja, não houve uma total recuperação de seu mercado de trabalho, mas a evolução recente é muito favorável para esse Estado, cujo desemprego em dezembro foi de 7,5% da PEA, sua segunda menor taxa de desocupação na série histórica.

Outro ponto positivo diz respeito aos ganhos do trabalho. A média dos rendimentos reais ao longo de 2009 aumentou 3,2% frente à média do ano de 2008. Regionalmente, Porto Alegre foi o maior destaque, acumulado variação de 4,5%, seguido por Belo Horizonte (4,1%), Salvador (3,4%), Rio de Janeiro e São Paulo (ambos com +3,2%). Na região metropolitana do Recife, ocorreu a única retração, com queda de 1,0% do rendimento médio real.

Por sua vez, a massa de rendimentos da população ocupada cresceu 3,9% em 2009 frente a 2008 Esse resultado é muito importante, pois diz respeito à evolução do poder de compra das famílias, um dos motores fundamentais do consumo interno e tão caro, hoje em dia, para o dinamismo da economia brasileira. As perspectivas para em 2010 são que o emprego e a massa real de rendimentos tenham expressivo aumento e que prossiga a formalização da mão de obra, um processo importante que vem tendo lugar desde 2002.

Júlio Gomes de Almeida é professor da Unicamp e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda.

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