terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Nassif: o desenvolvimentismo de Serra "nunca chegou a existir".

Artigo do Nassif em seu blog.

Com todo o respeito ao Jornalista, tenho sérias dúvidas sobre a propriedade e a utilidade de conclusões anlíticas feitas fora de um ambiente terapêutico e por profissional não treinado.

Mas esse artigo e a reportagem da Piauí, dependendo da credibilidade a eles conferida, traçam um perfil alternativo ao do Super Gerente Serra, tão propalado. Aqui, como na revista, aparece um personagem inseguro, incapaz de tomar uma decisão de fato, perdido em um emaranhado de discursos sem substância e com apenas uma certeza: a de que é predestinado a salvar o País.

08/02/2010 - 14:27

Ontem houve um congresso do PSDB, organizado pelo Xico Graziano, para discutir as novas ideias do partido. O governador José Serra não compareceu porque está em período de recolhimento. Aécio não apareceu para não colocar azeitona na empada paulista. Sobrou FHC para apresentar as “novas ideias”.

Ao mesmo tempo, a velha mídia se agarra como pode ao artigo de domingo de FHC para tentar criar um fato político, uma diferenciação programática com Lula.

Goste-se ou não, FHC é a única voz da oposição.  E não deve ser por gosto, não. Se a oposição tivesse conseguido desfraldar novas bandeiras, defender o seu governo, FHC estaria gozando da aposentadoria merecida.

Ocupando o vácuo

FHC ocupou o espaço porque há um vácuo no PSDB que não foi preenchido.

Quando José Serra foi eleito governador de São Paulo, muitos amigos aconselharam que ele inaugurasse o “serrismo”, adaptando o programa do PSDB aos novos paradigmas econômicos e sociais e deixando de lado definitivamente a herança malanista de FHC. Seria o “aggiornamento” capaz de aparar os exageros mercadistas do período anterior, reciclando o PSDB para a nova etapa.

Ele se recusou.

Fui um desses conselheiros e me surpreendeu a ênfase com que Serra reagiu: “Você está enganado, FHC é meu amigo”.

Estranhei. Não se tratava de amizade, lealdade e coisa e tal, mas de um posicionamento político essencial para a sobrevida do próprio bastião da centro-esquerda que Serra, até então, parecia disposto a empalmar. Fizesse isso permitiria um salto de qualidade na discussão política, tornando-a programática, uma discussão com Lula em torno de ideias, programas, tirando-a do lamaçal em que a velha mídia a havia jogado a partir de 2005.

Mas havia razões para o não-rompimento que iam além da minha compreensão à época.

A ilusão do “serrismo”

A primeira é que o “serrismo” a rigor nunca chegou a existir de fato. Foi fruto do desejo coletivo de um grupo de críticos da inércia da era fernandista, que Serra soube cultivar.

As ideias passeavam pela cabeça de Serra, mas não eram assimiladas, como sabem muito bem os amigos que tentaram convencê-lo a adotar programas de qualidade. Nenhum foi à frente, embora bancados integralmente pelo setor privado.   Ficaram órfãos igualmente os guerreiros da inovação que sonhavam com o intelectual Serra levantando a bandeira. E os desenvolvimentistas, para quem Serra acenou tibiamente com uma única bandeira: a favor de um câmbio competitivo. E só. Mesmo assim, nunca se comprometeu publicamente com o tema.

Na última crise, seu “desenvolvimentismo” se esfarelou. Recusou-se a receber até a Abimaq (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos), organização que melhor representa a economia real em que Serra dizia acreditar. Só a recebeu quando soube que preparava-se para, junto com a CUT e a Força Sindical, fazer uma manifestação na porta do Palácio Bandeirantes. Consequência: as primeiras medidas anti-crise de São Paulo saíram só em abril, seis meses depois da crise e quando o governo federal já nadava de braçadas.

A relação FHC-Serra

Aí entra o enigma de Serra, a relação psicológica dele em relação a FHC.

Sua bronca contra o primeiro governo FHC estava muito mais na questão pessoal de ter sido preterido em favor de Pedro Malan, do que em pontos conceituais. Serra se aproximou dos grupos críticos não para definir um novo programa, alternativo ao de FHC, mas como forma de conseguir pontos de apoio contra o “pai”, FHC, que teimava em não valorizá-lo.

Recentemente, o próprio FHC revelou que internamente Serra foi o mais radical defensor da privatização da Vale.

Sem  entrar no mérito da questão, externamente – sempre em conversas, jamais em público – ele se dizia contra a privatização irrestrita, defendendo um pragmatismo mais próximo de Mário Covas.

Essa dubiedade é explicada pelo fato de que, no fundo, o “pai” FHC sempre foi a referência absoluta para Serra. Até para ser “anti”.

Serra cresceu politicamente no primeiro governo apresentando-se como um anti-FHC – na verdade, um anti-Malan. Mas a referência era FHC. É como o “filho” rebelde que acha que fazendo o contrário estará expurgando o fantasma do pai ingrato. Bobagem: a referência, até para ser anti, continuará sendo o pai.
Nas eleições de 2002, Serra acusou FHC de tê-lo boicotado, com medo que seu governo superasse o dele. Mais uma vez o amuo de filho em relação ao pai que não reconhecia seu valor.

Do lado de FHC, a relação sempre foi paternal, e inevitavelmente mordaz. Na entrevista à revista Piauí, o que se observa é o “pai” ironizando as fragilidades do “filho”, expondo sua competitividade obsessiva, o fato de só se relacionar bem com as mulheres, em quem não vê competidores. Que o digam, aliás, seus secretários de estado.

Serra protagonista

Enquanto foi “filho”, toda a vida política não-parlamentar de Serra foi pautada em FHC, em ser o anti-FHC, como o “filho” em busca da emancipação.

Quando Serra assumiu o protagonismo, eleito prefeito e, depois, governador de São Paulo, muda a relação com FHC. Agora, era o filho assumindo o lugar do pai. Enterrar o fernandismo, para Serra, significaria simbolicamente “matar” o próprio pai.

E aí, Freud falou mais alto.

A relação freudiana impediu que o filho celebrasse a obra o pai, garantindo-lhe a aposentadoria tranquila perante a história. Mas como poderia celebrar, se não teve participação decisiva naquele desenho, se sempre foi preterido em favor do filho pródigo Pedro Malan – que tinha, como maior mérito, justamente não ser “filho” de FHC e, portanto, não incomodá-lo com conflitos freudianos.

Depois, o mesmo sentimento dúbio, nessas relações familiares delicadas, impediu que jogasse a pá de cal, encerrando o ciclo velho e dando início ao ciclo novo.

Restou o vácuo.

Agora, no fragor da batalha, o pai é obrigado a voltar a trabalhar e assumir a frente do combate para salvar o Exército, enquanto o filho se perde em conflitos internos imobilizantes.

E foi nessa relação complexa, nesses seres complexos e indecisos, que o PSDB e o DEM e a velha mídia amarraram seu futuro.

Nenhum comentário: