Texto publicado no Tribuna da Imprensa.
Além da questão salarial, um outro dado bem interessante no texto. Em oito anos, FHC multiplicou a dívida interna por 12; no mesmo tempo, Lula apenas a dobrou.
Pedro do Coutto
Em artigo publicado domingo simultaneamente no Globo e no Estado de São Paulo, o ex presidente Fernando Henrique Cardoso apontou uma igualdade política econômica entre seu governo e o de Lula, frisando que os petistas aproveitam-se de avanços como suas conquistas efetivadas pelo antecessor. Alguns analistas econômicos surgiram nos jornais de segunda-feira dando razão aos argumentos de FHC. Pode-se dizer –penso eu- que estruturalmente há semelhanças e até igualdades em relação ao tratamento dado ao capital. Tudo bem. Entretanto, no plano salarial, as diferenças são bem marcantes.
Não no que se refere ao salário mínimo, do qual todos os demais são múltiplos. Os realinhamentos percentuais do piso nacional são convergentes, tanto de 95 a 2002, último ano de FHC, quanto nos quase oito anos de Luis Inácio da Silva. Porém nos demais salários as diferenças se impõem. Do reajuste quase igual a zero da era FHC à atualização anual na base dos índices do IBGE, era Lula, vai uma diferença enorme. Está neste fato, acredito, um dos mais fortes segredos da popularidade do atual presidente em relação à popularidade negativa de seu antecessor.
Da mesma forma que no mundo, entre 6,5 bilhões de seres humanos, não existe um igual ao outro, nenhum governo é idêntico àquele ao qual sucedeu. Previsões nesse sentido sempre falham. Vejam só os leitores: o general Ernesto Geisel fez do general João Figueiredo seu sucessor. Na articulação para tanto, manteve o também general Golberi do Couto e Silva na Casa Civil. Continuidade? Durou pouco a presença de Golberi. Em maio de 81, no episódio Riocentro, saiu do governo. Voltando às comparações entre Lula e FHC identificam-se diferenças extremamente acentuadas. Basta consultar os números.
Antes de alguns números, e depois da divergência quanto à política salarial, verificamos uma alteração substancial na política do crédito. Os juros continuaram disparados em relação às taxas inflacionárias, mas no governo Lula houve uma flexibilidade muito maior no que se refere aos prazos de pagamento. Daí que a população encontrou condições de consumir mais. Esta é uma outra face que explica a aprovação do atual governo passar de 70%, conforme revelam o Datafolha e o Ibope.
De um lado o consumo, de outro a produção, com os salários e a inflação no meio. A sociedade está, de modo geral, muito mais preocupada com o consumo do que com a produção. Karl Marx, um gênio como analista, enganou-se exatamente neste ponto ao assumir o papel de doutrinador. O acesso mais fácil ao crédito é uma outra explicação para o êxito do atual presidente.
Há diferenças acentuadas na dívida interna e no comércio externo. FHC recebeu a dívida mobiliária interna, de Itamar Franco, na escala de 63 bilhões de reais. No final de seu governo, ela havia crescido para 700 bilhões, praticamente 12 vezes. Lula a recebeu na casa dos 700 e apenas a duplicou ao longo de oito anos. FHC deixou os juros para rolagem da dívida interna em 26% a/a. Lula vai deixar na base de 9,5% por doze meses.
As exportações com FHC convergiam em torno de 70 bilhões de dólares. Com Lula, as exportações passaram de 140 bilhões e as importações atingiram em torno de 100 bilhões. O comércio externo, como se vê, deixa Lula muito melhor na fotografia. Claro que este êxito influiu na conjuntura total da administração. Pois não existe nada no mundo que deixe de causar algum efeito, algum reflexo. Lula obteve uma disponibilidade de dólares muito maior do que FHC em face do salto nas exportações.
Como se constata, as diferenças entre um governo e outro são bastante visíveis. E, sobretudo sensíveis produzindo reflexos na aprovação de Lula pela opinião pública do país. O povo pode não saber analisar. Mas sabe sentir.
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