Tobin or not Tobin?
A taxa Tobin tornou-se uma potencial arma contra a globalização neoliberal, com uma conotação política muito maior do que ele pretendia quando afirmou que queria jogar “areia nas rodas do setor financeiro internacional”. Quando James Tobin retomou, nos anos 1970, as ideias de Lord Keynes a respeito de uma taxação sobre transações cambiais para minimizar ataques especulativos, não imaginava ter lançando uma das principais bandeiras de luta com a qual foi aberto, em 2001, o Fórum Social Mundial de Porto Alegre. A análise é de Marcio Pochmann e Giorgio Romano.
Marcio Pochmann e Giorgio Romano
Quando James Tobin retomou, nos anos 1970, as ideias de Lord Keynes a respeito de uma taxação sobre transações cambiais para minimizar ataques especulativos, não imaginava ter lançando uma das principais bandeiras de luta com a qual foi aberto, em 2001, o Fórum Social Mundial de Porto Alegre. Da mesma forma, os ativistas da Taxa Tobin talvez não imaginassem entre seus aliados líderes políticos como Ângela Merkel, que encabeça desde as últimas eleições na Alemanha uma coalizão de centro-direita. Ela resistiu, no final do ano passado, a pressões do novo ministro de Cooperação, o liberal Dirk Niebel, para abandonar o apoio à taxação sobre fluxos financeiros internacionais. Igualmente surpreendente foi a recente militância do governo britânico em torno do assunto, uma vez que Tony Blair era o principal aliado dos EUA para abortar qualquer discussão ou menção ao assunto nos fóruns internacionais.
É verdade que o próprio Tobin já comentou que o interesse pela taxação de fluxos financeiros flutua de acordo com a ocorrência de crises. As crises financeiras do México, dos países asiáticos, da Rússia e do Brasil na década de 1990 deram forte impulso para reconsiderar a ideia da taxação, uma vez que foi a especulação, no contexto da liberalização financeira, que as havia provocado, ou pelo menos ampliado. Assim, a taxa Tobin tornou-se uma potencial arma contra a globalização neoliberal, com uma conotação política muito maior do que ele pretendia quando afirmou que queria jogar “areia nas rodas do setor financeiro internacional”. Cabe lembrar que, a esta altura, o volume das transações cambiais se multiplicou por 100 desde os anos 1970. Levantamentos mais recentes baseados em números do Banco de Compensações Internacionais (BIS) mostram, em termos anuais, um fluxo de US$ 777,5 trilhões.
Esse aumento exponencial do volume permitiu o surgimento de uma nova abordagem sobre a taxação dos fluxos financeiros. Agora, a taxa serviria unicamente para levantar recursos para o desenvolvimento, sem afetar a liquidez dos mercados. A alíquota da taxação deveria, portanto, ser muito baixa, de maneira a minimizar os efeitos nos mercados financeiros e os riscos de evasão. Contudo, mesmo alíquotas muito baixas poderiam vir a gerar rendimentos expressivos, devido à magnitude desses fluxos, desde que fossem adotadas de forma coordenada entre os principais centros financeiros globais. Considerando um mínimo de impacto sobre as transações, causado pela introdução da taxa, uma alíquota de 0,005% garantiria cerca de US$ 33 bilhões anuais.
E foi o Brasil, na pessoa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que organizou, em 2004, com seus colegas Jacques Chirac (França), Ricardo Lagos (Chile) e José Luis Zapatero (Espanha) o maior apoio político até agora a essa ideia, de acordo com Lieven Denys, especialista no assunto. A taxa apareceu como uma das principais propostas para arrecadar recursos adicionais no âmbito da iniciativa Ação Global contra a Fome e a Pobreza, lançada na Assembleia-Geral das Nações Unidas. O argumento era que os membros da ONU haviam se comprometido com o combate à fome e à pobreza ao aprovar os Objetivos do Milênio, mas que cálculos da própria organização mostravam um déficit anual para atingir as metas de cerca de US$ 50 bilhões, apontando a necessidade de buscar mecanismos estáveis e adicionais aos esforços nacionais dos países pobres e aos compromissos assumidos pelos países ricos de destinar 0,7% do seu PIB à cooperação internacional.
Algumas outras propostas apresentadas pelo que se tornou conhecido na Europa como ‘the Lula group’ de fato andaram, como é o caso do financiamento, por meio de impostos sobre passagens aéreas, para a compra de remédios para o combate de HIV, malária ou tuberculose (UNITAID), do qual o Brasil acabou participando com recursos orçamentários e sua expertise no assunto. Mas a questão da taxação sobre fluxos financeiros não avançou. Em 2000, os economistas Cintra e Braga já argumentavam que propostas para regulamentar e taxar fluxos internacionais de capitais somente deveriam prosperar “se acontecesse uma crise dramática que atingisse as economias centrais”.
Dito e feito. Desde o ano passado, taxar fluxos financeiros começou a ser discutido em várias instâncias e por governos até então relutantes mesmo em mencionar o assunto como uma opção. O ministro de Finanças da Alemanha, Peer Steinbruck, pouco antes de sair do cargo devido à derrota do seu Partido Social Democrata (SPD) nas eleições, publicou em setembro de 2009 em vários países, entre os quais o Brasil, um artigo com o título Em defesa de um imposto mundial. O objetivo principal proposto era recuperar pelo menos parte dos pacotes de resgate transferidos para o setor financeiro e que geraram aumentos significativos nos déficit públicos. Ou seja, uma terceira abordagem da taxação. Na mesma linha os economistas Paul Krugman e Dani Rodrik escreveram artigos com títulos sugestivos, respectivamente Imposto para especuladores e A volta do imposto Tobin.
Para não perder a liderança que a França sempre tivera na discussão sobre regulação do sistema financeiro internacional, seu ministro das Relações Exteriores, Bernard Kouchner, convidou os países a criar uma Força-Tarefa e um Grupo de Peritos para apresentar a viabilidade técnica e política do imposto. Onze países, entre os quais Brasil, Chile, Espanha, Alemanha e, surpreendentemente, Grã-Bretanha e Japão, entraram no grupo com a França. Em artigo no Le Monde, Kouchner e a ministra de Economia, Lagarde, relembram que a ideia já vinha sendo defendida pela França antes da crise global e da discussão sobre mudanças climáticas – o novo bem público global da moda – para possibilitar a arrecadação de recursos para o combate à fome e à pobreza.
A contribuição mais consistente ao novo debate veio do Ministério de Finanças da Grã-Bretanha, que lançou em dezembro do ano passado um documento, Risco, recompensa e responsabilidade – o setor financeiro e a sociedade. Neste, aponta a necessidade de reduzir os riscos que o setor financeiro gera à sociedade para, em seguida, defender uma taxação para que os setores financeiros retribuam os gastos públicos utilizados em sua salvação. Um tipo de versão financeira para o credo “o poluidor paga a conta”. Mas o mesmo documento dedica um capítulo à defesa da taxação sobre o setor financeiro para que este dê “uma contribuição justa para a sociedade e objetivos sociais mais amplos”.
Ou seja, o assunto entrou na pauta internacional. Há divergências sobre a modalidade, se um imposto coordenado internacionalmente sobre transações financeiras nacionais (tipo CPMF, IOF, ou o imposto sobre compra e venda de ações na Bolsa de Valores de Londres), ou sobre transações cambiais, que seria, na sua essência, um imposto global que poderia ser cobrado nas plataformas de compensação, em particular o CLS (Continuous Linked Settlement). Há igualmente divergências a respeito do seu objetivo prioritário, se seria arrecadar fundos para financiar ações de combate à pobreza e à fome no mundo, financiar os déficit públicos adicionais causados pelas despesas com a salvação do sistema financeiro, ou aliviar os efeitos das mudanças climáticas. Ou, ainda, para diminuir a especulação danosa nos bons velhos termos de Tobin.
No debate sobre o destino dos recursos é perfeitamente plausível imaginar uma combinação dos quatro objetivos. Enquanto em 2004, no lançamento da Ação Global contra a Fome e a Pobreza, no auge da credibilidade do sistema financeiro, era necessário enfatizar que a taxa seria de todos os modos baixa o suficiente para não causar nenhum impacto sobre os mercados, hoje praticamente todas as contribuições admitem que, caso haja uma consequência nesse sentido, mesmo não sendo o objetivo principal, ela seria bem-vinda. Sem dúvida, há o risco de que uma recomposição da força do setor financeiro faça essa discussão retrair rapidamente.
Não está descartado, por exemplo, que a militância do governo britânico tenha uma relação com o fato de estarmos na véspera de uma eleição que pode significar a volta dos conservadores ao poder na Grã-Bretanha, sendo que estes já se declaram radicalmente contrários à proposta. Mas, de qualquer forma, essa discussão vai ainda ganhar força, porque há uma forte pressão dos governos da França, Grã-Bretanha e Alemanha para incluí-la na pauta da próxima reunião do G-20, em junho, e para isso já deveria constar um relatório que o FMI está preparando a pedido do próprio G-20 sobre a responsabilidade do setor financeiro na economia.
E o Brasil? O governo brasileiro estava à frente no relançamento da discussão sobre taxação de fluxos financeiros em 2004, participa da Força-Tarefa e do Grupo de Peritos criado no ano passado para aprofundar o tema e está representado nos principais fóruns onde o assunto será discutido: FMI e G-20. O Brasil não pode se permitir ficar ausente do debate.
Marcio Pochmann, presidente do Ipea e membro do Grupo de Peritos sobre a taxação de fluxos financeiros.
Giorgio Romano, coordenador de estudos de política internacional do Ipea.
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