Julio Gomes de Almeida
De São Paulo (SP)
De São Paulo (SP)
A princípio, o governo não adotou medidas específicas para incentivar o investimento durante a crise, limitando-se a municiar de recursos o BNDES para que não faltasse financiamento para quem se aventurasse a apostar no futuro. Preferiu concentrar os incentivos fiscais em bens duráveis de consumo (automóvel, geladeira, etc) e em material de construção. A ausência de ações concorreu para que o investimento caísse muito entre o último trimestre de 2008 e o segundo trimestre de 2009.
No último trimestre de 2008, a taxa de investimento (a relação entre o investimento e o PIB) caiu para 18,2%, vindo de 20% no trimestre anterior e atingiria 15,8% no primeiro trimestre de 2009, o mais baixo nível desde o segundo trimestre de 2004.
Somente em julho o governo lançaria um poderoso programa na área do crédito que teve pronto êxito e ajudou a reativar o dinamismo da inversão no país, de forma que uma das melhores surpresas do desempenho brasileiro no imediato pós-crise acabou sendo a intensidade com que o investimento se recuperou. No último trimestre de 2009, a taxa de investimento chegou a 17,9% do PIB. O Programa de Sustentação do Investimento reduziu para praticamente zero a taxa de juros real nos financiamentos do BNDES para a compra de máquinas e equipamentos no país.
É preciso observar que o Brasil vivia desde 2007 uma onda de crescente e envolvente inversão, algo que nos últimos 30 anos não ocorria. Esse processo envolvia investimentos mais "leves" como na agregação marginal de capacidade produtiva e na modernização do parque produtivo das empresas, mas também grandes projetos que visavam à demanda futura. Investimento correndo à frente da demanda é tudo o que uma economia precisa para crescer e simultaneamente evitar problemas inflacionários.
Sem dúvida, a crise interrompeu o curso dessas iniciativas, mas não removeu a perspectiva favorável que nutre a decisão de investir, vale dizer a expectativa de um mercado em expansão que torna possível a antecipação de uma atrativa rentabilidade do capital. Por isso, assim que a economia mostrou sinais de superação da crise, reapareceu a disposição de investir e a "febre" anterior de novos projetos foi resgatada. O risco de interrupção de um processo como esse que não é fácil de ser desencadeado deveria merecer avaliação muito cuidadosa pelo governo antes de voltar a elevar a taxa de juros.
No caso do setor industrial o retorno ao investimento tem sido forte e generalizado e já se mostra capaz de estabilizar a utilização da capacidade produtiva da indústria em um nível confortável como 84%. Esse nível assegura o atendimento da demanda sem pressões sobre os preços e, simultaneamente, confere atratividade a novos investimentos que irão agregar capacidade de produção à economia. Em outros segmentos, como, em especial, infraestrutura e habitação, é muito significativa a disposição de investir.
Nesses casos, vale dizer, nos setores de indústria, infraestrutura e habitação, o governo deveria se preocupar em articular novas modalidades de financiamento. As estruturas existentes no BNDES e no sistema de poupança são boas e ajudam no financiamento corrente desses setores, mas podem não ser suficientes quando há uma grande evolução das inversões. Como se sabe, por enquanto, o BNDES vem suprindo as necessidades de recursos, mas isso vem exigindo uma grande colocação de dívida pública no mercado que talvez encontre um limite nesse ano. No caso da habitação, o sistema em vigor vem se beneficiando do grande aumento da captação de depósitos de poupança que se acentuou no período de crise. Mas esse impulso pode perder força, enquanto a grande demanda de financiamento do setor pode vir a se acentuar ainda mais.
Existem outros problemas e lacunas. Problemas porque há uma ameaça crescente de que os efeitos de propagação e multiplicação do corrente ciclo de investimentos sobre a economia doméstica se reduzam dramaticamente se o comando da realização desses investimentos se situar fora do país e as ordens de fabricação de bens de capital favoreceram a produção no exterior.
Quanto às lacunas, estas existem, por exemplo, na exportação, onde o câmbio valorizado e outros fatores que elevam o custo de produção doméstico (custo da infraestrutura, do crédito, da tributação, dentre outros), impedem que decolem os projetos nessa área. Na inovação, os investimentos tendem a aumentar à medida que o crescimento econômico mostre maior sustentação, mas incentivos mais eficazes poderiam ajudar a antecipá-los.
Julio Gomes de Almeida é professor da Unicamp e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda.
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