Meu artigo anterior neste espaço fez um balanço do bolso dos brasileiros em 2009. Começamosjaneiro com forte deterioração de todos os indicadores baseados em renda per capita seguida de paulatina recuperação de tal sorte que terminamos o ano num nível similar ao do ano anterior. Esse empate com muitos gols acontece para vasta gama de indicadores: média (-0,3%) e desigualdade de renda (0%), participação das classes AB (2%), C(-0,4%), D (1,4%) e E (-1,5%), esse último equivalente à proporção depobres.
Apesar da restrição da cobertura geográfica e de fontes de renda dos dados do trabalho nas seis principais metrópoles brasileiras, a Pesquisa Mensa ldo Emprego (PME) é um bom previsor da Pesquisa Nacional por Amostra deDomicílios (PNAD). Essa aderência não se deve apenas por cobrir 80% dasrendas PNAD mas pelo fato da renda de programas sociais e aposentadoria ter acompanhado de perto nos últimos anos o boom trabalhista. A PME permite a partir de amostras de mais de 100 mil entrevistados a cada mês antecipar em 18 meses a divulgação das estatísticas pnadianas.
Volto ao mesmo ponto, não por falta de assunto mas pela inflexão observada; ao confrontar janeiro de 2010 com janeiro de 2009 encontramos resultados bastante distintos da comparação entre dezembro de 2009 e dezembro de 2008. Conforme o gráfico demonstra voltamos ao ritmo demelhora das séries expressas em termos de crescimento anualizado, similar ao do período pré-crise compreendido entre dezembro de 2002 e dezembro de 2008. Senão vejamos: a classe E cai num ritmo um pouco menor agora (-7,95% agora contra -8,2%) já a classe D cai mais agora (-4,57% contra -2,39%). Olhando mais ao topo da distribuição, a Classe C sobe a uma velocidade menor agora (3,15% contra 3,82%) mas a classe AB mais rápido (5,5% contra 4,17%). Ou seja, saímos do marasmo da crise para o ritmo da pequena grande década ocorrida entre 2003 e 2008. Toda diferença provém de trocar a passagem entre dezembro de 2008 e janeirode 2009, quando a crise chegou com a força de uma ressaca, às nossas séries pela de dezembro de 2009 para janeiro de 2010. Nesse sentido estamos completando um ano depois dos efeitos da instabilidade partiremdo bolso do brasileiro. Completamos o Ano I depois da crise (D.C.).
A crise não foi nem marolinha, nem tsunami, mas ressaca tão forte quanto passageira. Do estouro da crise lá fora em 15 de setembro de 2008 até achegada nas séries da PME demorou três meses e meio, defasagem similar ao da chegada da crise asiática de setembro de 1997 às mesmas séries. A diferença é que o efeito da última persistiu por cinco anos em nossas séries e o da crise recente começou a ser revertido um mês depois. Mas o que explica a retomada recente? Não foi a média de renda per capita que sobe 0,9% nos últimos 12 meses contra 3,2% do período pré-crise. Foi a desconcentração de renda. Por exemplo, o índice de Gini que piorou em janeiro de 2009 (+2,5%) e depois cumpriu à risca o script de empate com variação nula de dezembro 2008 a dezembro 2009, sofre variação de -1,8% na comparação dos últimos 12 meses em ritmo superiora de -1,5% ao ano do boom anterior, conhecido aqui e alhures como da queda da desigualdade brasileira.
Como cada medida de desigualdade encerra julgamento de valor específico associado a função bem estar social da qual ela é derivada, convém checar a robustez dos resultados. O índice de Theil-T, mais sensível a mudanças ocorridas na cauda inferior da distribuição de renda, cai 3,2% ao ano entre dezembro de 2002 a dezembro de 2008 enquanto de janeiro de 2009 e 2010 o mesmo cai 7,2%, indicando aceleração da queda dedesigualdade brasileira.
Esse ponto merece destaque pois talvez a maior inovação brasileira na década passada foi a desconcentração da renda. Os dados do período pós-crise sugerem continuidade dessa tendência equalizadora de resultados. Complementarmente, as séries de nível e desigualdade de anos de escolaridade plantadas no passado que constituem os melhores previsores da distribuição de renda disponíveis, sugerem colheitas de resultados trabalhistas mais equânimes no futuro. Aos céticos pelo baixo nível da quantidade e da qualidade educacional brasileira vigente: o que importa ao crescimento são as melhoras obtidas.
A única vantagem de um país distante das fronteiras de equidade e de eficiência é a capacidade de progredir, sem dilemas. Estamos para experimentar o nível mais baixo de desigualdade de nossas séries históricas que se iniciam com o Censo de 1960. À luz das evidências internacionais, temos ainda um substancial excesso de desigualdade, sem dúvida, mas aí justamente reside o nosso diferencial de capacidade de melhora.
Marcelo Côrtes Neri, economista-chefe do Centro de Políticas Sociais eprofessor da EPGE, Fundação Getulio Vargas. Autor dos livros "EnsaiosSociais", "Cobertura Previdenciária: Diagnóstico e Propostas" e"Microcrédito, o Mistério Nordestino e o Grammen brasileiro".
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