sexta-feira, 8 de abril de 2016

O recorte, a ruína e a construção.

Já não é novidade para ninguém: é possível contar mentiras falando só verdades. A cuidadosa organização de fatos e ideias pode construir conclusões, no mínimo, enviesadas.

A Míriam Leitão publicou esta semana um texto com o bombástico título de “A ruína econômica”. Ele trabalha a imagem de Brasil, terra arrasada, tão cara aos construtores da destituição da Presidenta Dilma. E, claro, arruma fatos incontestáveis de forma a induzir a conclusão inafastável: foi Dilma quem destruiu tudo.


Nesta altura do campeonato, acho que ninguém seria capaz de negar a péssima situação econômica do país. Também não dá pra negar a bagunça política e institucional instalada.

Mas talvez dê pra disputar a ordem dos fatores, que, se não altera o produto, pode sim tornar mais complexo o debate a sobre causas, efeitos e soluções.

Por outro lado, talvez existam outros fatores na construção da nossa situação econômica.

Não disponho do instrumental teórico para fazer, a sério, este debate – apesar de ter sim uma opinião sobre o assunto. E, antes que alguém acuse, sim, ela inclui responsabilidades da Presidenta pelo quadro atual.

Contudo, voltando ao texto da Míriam, dá sim para denunciar a estratégia discursiva adotada por ela - com direito a planilha cheia de dados corretos e de muitas lacunas, arrumados, ambos, para legitimar a opinião da jornalista. Na tabelinha (colada lá no final), ela compara dados econômicos do ano da eleição da Presidenta (2010) e atuais, provando que Dilma causou a “ruína econômica”.

O recado é claro: estava tudo ótimo; aí, veio Dilma; aí, tudo foi arruinado.

Então, tá. Não vou nem lembrar que, lá em 2010, a jornalista não dizia que estava tudo ótimo. Mas será que este recorte temporal (defensável, até) não esconde algo?

Fui atrás dos dados – e eles estão na tabelinha abaixo.



É óbvio que estes dados não desmentem o quadro ruim atual. A economia, de fato, vai mal. Mas, ao contrário da impressão passada pelo recorte escolhido pela Míriam Leitão, não, não descemos ladeira direto desde a eleição da Dilma.

Na verdade, alguns aspectos – como o desemprego! – chegaram a melhorar durante a gestão da Presidenta.

O que a Míriam Leitão fez, e, diante da sua experiência, não tenho porque fingir que não foi intencional, foi juntar dados e, principalmente, lacunas, de forma a excluir da análise, e de qualquer conclusão, uma série de fatores interpostos entre as datas que ela escolheu como referencial.

De novo, não tenho o instrumental teórico para fazer a sério o debate sobre as causas da nossa situação atual. Mas, de qualquer forma, parece bem ilógico tirar do debate, dentre outros, os seguintes fatores, cuidadosamente obliterados pelo recorte temporal feito pela Míriam:

- os efeitos econômicos diretos da Lava Jato, que completa dois anos e afetou setores da economia (construção civil e petróleo), investimentos e arrecadação, havendo quem a responsabilize por uma queda de 2% do PIB só em 2015;
- forte queda do preço do petróleo, iniciada em 2014, que também afeta o setor petroleiro (e toda a sua cadeia), com efeitos sobre os investimentos, o crescimento do PIB e claro, a arrecadação; e
- as incertezas políticas, já que, por acaso (morte do Eduardo Campos) ou por ação das oposições, desde meados de 2014, o Brasil não sabe muito bem quem estará no comando dentro de 6 meses.

Vamos pegar como exemplo os dados de 2013 - terceiro ano do mandato da Dilma e antes da "crise política", da Lava Jato, e da queda do preço do petróleo. O país não crescia mais a 7,5%, mas o desemprego havia caído, o IPCA e a dívida bruta não haviam subido e a SELIC estava mais baixa; e a situação fiscal tinha piorado, sim, mas não parece que de forma explosiva. (O dólar tinha subido. Mas isso é ruim?)

Exceção feita ao desemprego, que caiu!, o jogo começa a virar em 2014, ano de eleição, como lembra a Mírian, mas também ano da queda do preço do petróleo, do começo das propagandas da Lava Jato e do início das grandes incertezas políticas.

Mas estes dados e fatores foram intencionalmente escondidos no texto e nesta tabela da Mírian, que, assim, cria sua verdade sem contar nenhuma mentira, constrói com fatos e lacunas a responsabilidade exclusiva da Presidenta Dilma pela nosso situação atual:


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Fontes dos dados:
Dívida: http://www.bcb.gov.br/htms/Infecon/seriehistDBGGFC.asp
Resultados: Ipeadata : Necessidade de financiamento do setor público (NFSP) - setor público - conceito primário - sem desvalorização cambial - acum. 12 meses e Necessidade de financiamento do setor público (NFSP) - setor público - conceito nominal - sem desvalorização cambial - acum. 12 meses

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